sábado, 27 de abril de 2013

Um mandamento novo


“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13, 34).

            O breve texto evangélico deste V Domingo da Páscoa (cf. Jo 13, 31 – 33a.34 – 35) faz parte da narrativa da última ceia de Jesus com seus discípulos. É uma passagem belíssima, que fala da glória e do amor de Deus. Por causa de sua fidelidade, o Pai glorificou o Filho. Nossa participação na glória de Deus está em nossa participação na glória de Jesus, a fim de sermos glorificados por ele e nele. Assim, Jesus nos faz participantes da vida de Deus, da glória de Deus. Participar da glória de Jesus é fazer o mesmo percurso que ele fez, é participar de sua sorte, de sua paixão e morte na cruz. Esta é a condição fundamental.

            Depois de ter falado de sua relação filial e gloriosa com o Pai, levando, assim, seus discípulos à participação no mesmo mistério sublime de amor e doação plena, Jesus fala de um novo mandamento. Na verdade, os discípulos já estavam conscientes da necessidade de amar o próximo. Não é esta a novidade trazida por Jesus. Eles sabiam muito bem que, desde antiga aliança, a exigência do amor ao próximo estava prevista na lei e nos profetas. Toda a Escritura é permeada por esta exigência que gera os filhos de Deus: o amor ao próximo. Os filhos e as filhas de Deus são gerados no amor infinito do Pai.

            Então, qual o mandamento novo dado por Jesus? Qual a novidade trazida por ele? Todo aquele que quiser seguir Jesus precisa acreditar no seu amor e colocá-lo em prática na vida cotidiana. A novidade consiste justamente nisto: que amemos o próximo como Jesus amou. Vejamos o que ele mesmo diz: “Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. A palavra é: “Como eu vos amei”. Não se trata de amar de qualquer jeito, mas ao modo de Jesus, como ele amou. Como, então, Jesus amou as pessoas? A resposta certamente desmascara toda forma hipócrita e mentirosa de amor que o ser humano insiste em praticar.

            Jesus amou na liberdade e para a liberdade. Isto é o que podemos assegurar sem medo de equívoco algum. Os evangelhos atestam a liberdade com que Jesus ama as pessoas. Ele as ama para que possam ser cada vez mais livre. É um amor libertador. Este jeito próprio de amar de Jesus nos ensina que não podemos prender as pessoas. O nosso amor para com elas só é verdadeiro se torná-las cada vez mais livres. Numa autêntica relação de amor não pode haver escravidão, ninguém pode ser senhor do outro, julgar-se superior e/ou melhor do que o outro. Segundo a maneira de amar de Jesus, o outro é o irmão a quem devemos cuidar.

            Jesus amou os pecadores. Esta é outra verdade evangélica desconcertante. Quantas pessoas até hoje se escandalizam com ela! Jesus não era puritano nem hipócrita, mas era o enviado do Pai, que se tornou humano até as últimas consequências. Ele se juntou aos pecadores, fez refeição com eles, conviveu com eles e os amou até o fim. Aí está o extraordinário do amor de Jesus. Quem mais necessita do amor de Jesus? Os santos? Os puros? Na pedagogia de Jesus o Santo é Deus e os homens são e devem ser os amados de Deus. Quem quiser ser perfeito no amor, ame como Jesus: conviva com os pecadores, seja um deles.

            Com gestos e palavras, Jesus nos ensina que a salvação se encontra no amor. Não adianta ser religioso se não ama o próximo como Jesus amou. Religião falsa e, portanto, mentirosa é aquela que proclama a mensagem evangélica com o discurso da palavra, mas sem a comprovação dos gestos concretos de amor ao próximo, principalmente o próximo mais vulnerável. Quanta mentira há em nossas comunidades cristãs! Quanta hipocrisia! Quanto anúncio ineficaz e vazio! Quantos discursos proferidos sem conteúdo vivencial!... Tudo isto é abominável aos olhos de Deus!

            Servindo-os, lavando-lhes os pés e permanecendo fiel até a morte de cruz, Jesus ensina a seus discípulos a pedagogia e o caminho do amor; caminho exigente, estreito, pedregoso, difícil. A pedagogia do amor de Jesus nos ensina que a solidariedade é a palavra de ordem do discipulado. Ser solidário é reconhecer que o outro é membro do corpo místico de Cristo, é Eucaristia, presença encarnada de Jesus. De que adianta receber o Cristo nas espécies sagradas se o desconhecemos no rosto humilhado do próximo?... Este desconhecimento do outro é desumanizador, é pecado grave! O amor de Jesus não é metafísico, mas concreto, palpável, é carne humana misturada com ossos e sangue, é pessoa!

            Por fim, é preciso considerar a afirmação categórica do enviado do Pai: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”. Prestemos muita atenção à condição apresentada por Jesus: “se tiverdes amor uns aos outros”. Fora desta condição não há discipulado possível. Ninguém pode afirmar que é discípulo de Jesus sem amar o próximo como ele o amou. Para testemunhar o amor de Jesus ao mundo a Igreja precisa ser a Casa do Amor, lugar de discípulos que se amam, verdadeiramente. A Igreja deve ser Casa de acolhida, de alegria, de missão que acontece no amor-doação; Casa na qual os pecadores sejam acolhidos e respeitados na sua dignidade de filhos e filhas de Deus.

            Na vida da Igreja vivenciamos uma espera. As pessoas esperam que o Papa Francisco restaure a Igreja. De fato, é um bom desejo; mas é preciso considerar que Francisco é apenas o Bispo de Roma. Ele não é o salvador da Igreja como muitas pessoas estão idealizando. Tomemos cuidado com os excessos de veneração, pois no centro não está o Papa, mas Jesus. É Jesus o Mestre, o Mediador e a Cabeça da Igreja.

É o amor que haverá de restaurar a vida da Igreja. Nenhuma reforma é superior àquela que o amor pode realizar na vida pessoal e na vida eclesial. Não é a reforma da Cúria Romana que irá restaurar a Igreja, mas a conversão do coração do povo de Deus, a livre e corajosa iniciativa de crer e viver o amor como Jesus viveu. É isto que a Igreja precisa realizar: converter-se ao amor, praticando-o como Jesus praticou; na liberdade e para a liberdade, na acolhida do pecador e na promoção da dignidade dos filhos e das filhas de Deus.

Tiago de França

domingo, 14 de abril de 2013

Testemunhar a Ressurreição de Jesus


“É preciso obedecer a Deus, antes que aos homens” (At 5, 29).

            Pela terceira vez, Jesus aparece ressuscitado aos seus discípulos (cf. Jo 21, 1 – 19). Eles se encontram fazendo aquilo que faziam antes de conhecer e seguir Jesus: pescando peixes no mar. Sem a presença do Mestre eles continuam na mesmice. Sem Jesus, a vida cristã perde seu sentido; lançam-se as redes, mas estas não conseguem pegar um peixe sequer. Quais os frutos de nossas pescarias? O que estamos procurando? As redes nos levam a estas perguntas. O que está acontecendo com nossas comunidades cristãs? O que estão procurando? Se observarmos com atenção, a impressão que dá é que os cristãos de hoje se parecem com os discípulos de Jesus: conversam com ele, mas não conseguem reconhecê-lo.

            Onde está Jesus? Como reconhecê-lo na comunidade cristã? Será que Jesus se encontra na mera instrumentalização de nossos rituais, de nossas celebrações pomposas? Quais as consequências dessas celebrações no cotidiano da vida das pessoas? Estas conseguem realizar uma profunda experiência de Deus em suas vidas? Elas permanecem com Jesus ou raramente se encontram com ele? De uma coisa estamos certos: cada vez mais o ser humano, direta ou indiretamente, tem sede de algo que preencha o vazio de sua existência, vazio causado por um estilo de vida cada vez mais distante de Deus.

            Nossas igrejas e celebrações são espaços de encontro com Deus? Será que as pessoas realmente rezam e se confraternizam? Particularmente, ando tendo sérias dificuldades para participar das celebrações litúrgicas. Estas parecem não traduzir a ação amorosa do Ressuscitado que podemos encontrar no Evangelho. Há uma mesmice que cansa, que causa inquietação, tédio. Tudo parece muito mecânico, repetitivo, morno. Quanto não sentimos sono por causa da repetição enfadonha, sentimos dor no ouvido por causa do barulho ensurdecedor. E parece que as pessoas voltam para casa sem ter experimentado algo diferente, que as anime na dura lida do cotidiano.

            O Ressuscitado orienta a pesca e eles pegam muitos peixes. O convite expresso de Jesus é para que matem a fome, para que comam juntos: “Vinde comer”. Eles o reconhecem por causa dos inúmeros peixes que pescaram e por terem sido convidados à refeição. Jesus se encontra com os seus discípulos durante a refeição. A refeição deve ser este momento de encontro e de reencontro. Os que seguem Jesus devem encontrá-lo na mesa da refeição. Esta mesa, que na Igreja aparece na partilha da palavra de Deus e do pão eucarístico, também se encontra no encontro com os que precisam comer.

            O encontro com o outro para o diálogo e a partilha fraterna dos bens é encontro com o Ressuscitado. As alegrias e esperanças partilhadas nas conversas sinceras e verdadeiras, a escuta atenta ao que outro quer falar, a visita para tomar o café saboroso e tantos outros momentos fraternos que constroem a comunidade cristã são oportunidades para se encontrar com Jesus; encontro natural, espontâneo, alegre, gratuito, feliz. São oportunidades para combater o mal do isolamento, do individualismo, da tristeza e tantos outros males advindos da ausência desses momentos felizes. Jesus se encontra na verdadeira alegria experimentada pelas pessoas que buscam partilhar a vida.

            Após a refeição Jesus pergunta três vezes a Simão Pedro se este o amava. Respondendo sempre positivamente, Pedro recebe o encargo de cuidar das pessoas. Apascentar é cuidar. Este é o verbo que melhor traduz a responsabilidade do pastor. Os que seguem Jesus devem cuidar uns dos outros. Cuidar é, antes de tudo, permanecer com as pessoas. Mais do em outras épocas, o ser humano necessita de cuidados. Criam-se sempre estilos de vida nos quais o cuidado, a atenção, o olhar, o sentir, o responsabilizar-se pelo outro são gestos cada vez mais escassos. O número dos que são esquecidos cresce, assustadoramente. Na comunidade cristã ninguém deveria ser esquecido nem ser tratado com desprezo.

            Jesus pergunta pelo amor. Como anda a prática do amor no interior de nossas comunidades? O que tem mais preocupado nossas comunidades? Será que a situação difícil na qual muita gente se encontra é motivo de preocupação e está contida no planejamento pastoral de nossas comunidades? Ou continuamos preocupados com as reformas materiais dos templos e com o cumprimento rigoroso das rubricas nas liturgias? Se Jesus pudesse nos dirigir a palavra como o fez com Simão Pedro, ele nos perguntaria e está nos perguntando pelo amor. As rubricas litúrgicas e a materialidade de nossos templos não estão em função do amor, mas da organização material, da estética, que, em si mesma, não é o essencial da vida eclesial.

            Simão Pedro declarou seu amor por Jesus. Posteriormente, abraçando a coroa do martírio provou, de fato, que o amava. Foi uma testemunha fiel da Ressurreição de seu Mestre. Testemunhou com a própria vida. Era um simples homem, pescador, casado, humilde. A Igreja atual carece de testemunhas. É verdade que temos muitas pessoas testemunhando Jesus no silêncio do anonimato. Isso é bom, justo e agradável a Deus; mas é verdade também que na hierarquia encontramos poucos dispostos a testemunhar Jesus até as últimas consequências. Isto afeta gravemente a credibilidade da Igreja no mundo.

            O relato termina com Jesus convidando a segui-lo. O seguimento de Jesus acontece na verdade e na liberdade. Estas asseguram a coerência de vida e a consequente integridade do discípulo missionário. Verdade, liberdade, coerência constituem a vida do seguidor de Jesus; são as qualidades da mulher e do homem íntegros. Os cristãos na Igreja, leigos e/ou ordenados, precisam abraçar esta integridade de vida, sem farisaísmo, para fazer brilhar no mundo a luz de Cristo, sendo testemunhas da Ressurreição em um mundo que padece por tantos males, marcado por tantos sinais de morte. E o Espírito do Senhor, presença silenciosa e vigorosa na vida dos que aderem a Jesus, é a força que assegura o testemunho missionário dos que retamente se colocam no caminho do Ressuscitado.

Tiago de França