domingo, 26 de agosto de 2012

Optar por Jesus


“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68).

            O texto evangélico deste XXI Domingo Comum (cf. Jo 6, 60 – 69) nos fala da atitude fundamental do discípulo em relação a Jesus: segui-lo na liberdade. De modo geral, as pessoas não querem seguir livremente a Jesus, não querem fazer amizade com ele. No fundo, o que desejam é um Senhor, um Deus todo-poderoso que resolva seus problemas. Basta frequentar as Igrejas para perceber o que as pessoas procuram. Desejam tudo, menos seguir Jesus de Nazaré.

            Quando Jesus reagiu contrariamente aos desejos insaciáveis das pessoas, quando afirmou a necessidade de permanecerem com ele no cumprimento da vontade do Pai, muita gente rejeitou sua palavra: Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la? Um Cristo que frustra as expectativas de quem não o entende nem aceita aderir a seu projeto não é bem visto nem aceito. A opção de Jesus pelo Reino era clara e irrenunciável. Ninguém conseguiu desviá-lo de sua missão. Todos tentaram desviá-lo, até seus próprios discípulos.

            Sobre suas próprias palavras, afirma Jesus: O Espírito é que dá a vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. A palavra de Jesus não era qualquer palavra, mas, cumprindo a vontade do Pai e sendo a Palavra do Pai para a vida do mundo, Jesus concedeu vida às pessoas com sua palavra. Ele tinha em si a autoridade concedida pelo Pai: a graça de renovar todas as coisas. O Reino de Deus estava no centro da sua mensagem, portanto, era a centralidade de sua palavra. No grupo de Doze havia os que não acreditavam na sua palavra, e Jesus tinha consciência disso.

            Diante dos que se recusaram a continuar seguindo-o, Jesus olha para os que o seguiam mais de perto e lhes pergunta: Vós também vos quereis ir embora? Esta indagação revela a liberdade com que Jesus tratava seus discípulos. Eles não eram obrigados a segui-lo. Jesus sabia da dificuldade que eles tinham em compreendê-lo, mas não renunciou à firmeza de propósito nem à fidelidade à missão que o Pai lhe confiou. Ninguém está obrigado a seguir Jesus, mas todo aquele que quiser se colocar em seu caminho deve atender à exigência fundamental: aderir ao seu projeto (Reino de Deus). Sem esta adesão não há seguimento, mas aparência de seguimento, ilusão.

            A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Esta resposta de Pedro é a resposta da comunidade dos discípulos missionários de Jesus. O autêntico cristão sabe que diante da palavra de Jesus tudo neste mundo se torna relativo: o poder, o prestígio e a riqueza; que são os três males que corrompem o ser humano. Crer e reconhecer que Cristo é o Santo de Deus significa acolher sua palavra para que apareçam os frutos na vida cotidiana: frutos de justiça, bondade, perdão, solidariedade etc. A palavra de Jesus deve está no centro da vida do missionário, pois somente assim será capaz de transmiti-la ao mundo.

            A Igreja tem como missão anunciar ao mundo a palavra de Cristo. Uma vez feita a experiência da acolhida e da escuta desta palavra, que é capaz de transformar radicalmente a vida do ser humano, cada discípulo missionário de Cristo deve anunciá-la incansavelmente. Atualmente, o ser humano passa por uma crise de sentido (vazio existencial) sem precedentes na história. Portanto, é urgente que a Igreja renuncie às suas pretensões meramente humanas para se lançar para as águas mais profundas deste mundo, indo resgatar a vida desumanizada de tanta gente esquecida e explorada.

Tiago de França

sábado, 18 de agosto de 2012

Maria: modelo dos servidores do Evangelho


“Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu” 
(Lc 1, 45)

            Neste Domingo, a Igreja celebra solenemente a assunção de Maria: dogma mariano que fala da elevação de Maria ao céu. Nossa reflexão não quer falar deste dogma em si mesmo, mas de Maria a partir de algumas expressões contidas no texto evangélico da liturgia desta Solenidade (cf. Lc 1, 39 – 56).

Antes, é preciso considerar que com a assunção de Maria a Igreja não quer afirmar que ela seja melhor ou mais pura do que as demais mulheres, mas quer dizer aquilo que o povo de Deus, a Igreja peregrina, deve ser no mundo que há de vir, onde todos os batizados em Cristo serão glorificados nele e com ele, conforme as Escrituras.

            Citemos, pois, e atualizemos algumas expressões interessantes do texto evangélico de Lucas tendo como pano de fundo o discipulado e a missionariedade de Maria: aquela que aceitou ser a mãe de Jesus para o nosso bem e para a salvação de toda a humanidade.

            Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente... Após ter aceitado a missão de ser a mãe de Jesus, Maria parte para servir à sua prima Isabel. Quando se assume a missão é preciso partir. Maria partiu para uma região montanhosa. A missão não acontece somente na planície, mas no sobe e desce das regiões montanhosas da vida. Esta tem seus altos e baixos e para subir a montanha é preciso ter coragem, coragem para não ser dominado pelo desânimo. Como estamos lidando com as regiões montanhosas de nossa vida?...

            Maria se dirigiu às pressas. Ela tinha pressa em se encontrar com sua prima para servi-la. Quem necessita de ajuda se encontra sempre numa situação emergente. Por isso, o missionário precisa ter pressa, precisa saber para onde vai, precisa partir. Atualmente, a pressa é um mal porque, de modo geral, as pessoas se apressam para ir ao encontro daquilo que é supérfluo marginalizando, assim, o essencial. Este não se encontra naquilo que é meramente material, mas o transcende infinitamente: o essencial é o amor vivido na gratuidade, na verdade e na liberdade. Este amor está passando a ser secundário. O que estamos buscando com nossa pressa?...

            Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. A saudação do missionário e da missionária é sempre um desejo de paz. Esta alegra o espírito humano e o deixa feliz, o anima, eleva-o ao coração de Deus. O encontro entre o servidor e seu irmão necessitado é um encontro alegre, é momento de solidariedade, da ação amorosa de Deus que se compadece do sofrimento humano porque ama e jamais esquece seus filhos e filhas; é ação do Espírito que opera no mais profundo do coração humano impulsionando a pessoa ao amor fraterno. Este Espírito é Deus criando e recriando todas as coisas. Temos escutado a voz do Espírito em nós?...

            Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu. Maria é feliz porque acreditou em Deus, acreditou na palavra de Deus, e vendo sua fé Deus cumpriu sua promessa: verdadeiramente, enviou o Messias prometido. Este Messias nasceu do seio de Maria após ter saído do seio do Pai e permanecendo unido a Ele cumpriu fielmente a sua missão. Deus é fiel porque cumpriu com que havia dito pela boca dos profetas, que enviaria o Messias para socorrer Israel, seu servo (o povo de Deus). Por que acreditamos em Deus?...

            O texto termina com o belíssimo cântico que Lucas colocou nos lábios de Maria. Nele, ela canta as maravilhas do Deus da vida em favor de seu povo escolhido. O cântico é uma descrição feliz da opção de Deus pelos sofredores deste mundo, especialmente os pobres: os humildes, os simples, os que respeitam a Deus, os famintos; enfim, os deserdados e marginalizados de todos os tempos e lugares. Como lidamos com as pessoas sofredoras que veem ao nosso encontro?...

            Os poderosos deste mundo devem aprender que os pobres são os filhos e filhas de Deus que mais sofrem e que por isso mesmo atraem a misericórdia e a bondade divinas. Explorar estes filhos é provocar a ira de seu Pai, que os ama e quer bem. Eles possuem a força capaz de construir o Reino, pois conhecem este Reino e já estão nele por escolha divina. Sentimo-nos escolhidos e amados por Deus?...

Toda a história da salvação mostra claramente esta predileção divina, predileção que não condena nem exclui ninguém, mas que fala aos homens de todos os tempos: respeitai e cuidai dos pobres, pois Deus veio a este mundo e armou sua tenda entre eles. É por isso que a Igreja deve buscar sempre fazer a opção pelos pobres. Neste sentido é muito feliz a sentença do profeta Pedro Casaldáliga, bispo da Igreja: Se a Igreja esquece a opção pelos pobres, esqueceu o evangelho. Como a Igreja tem feito a opção pelos pobres?...

Celebrar a assunção de Maria é celebrar a glória do Deus que se manifesta na vida dos pequenos deste mundo. A humilde serva de Nazaré era uma pequenina do povo de Deus. Ela sabia muito bem que a glória de Deus é o povo livre (Oscar Romero, bispo e mártir). Que o povo tenha vida e liberdade é o desejo do Deus a quem Maria serviu e amou. É a este mesmo Deus que devemos amar e servir até o dia em que participaremos plenamente de sua vida no mundo que há de vir. Minhas palavras, pensamentos e ações promovem a vida e a liberdade?...

Tiago de França

sábado, 11 de agosto de 2012

Jesus e a vida das pessoas


“Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” (Jo 6, 51).

            Se voltarmos o nosso olhar para o mundo veremos um número infinito de pessoas que padecem diversos males. Muitas são assistidas em seus sofrimentos, outras são esquecidas e terminam morrendo no anonimato. Insistindo no sistema capitalista, o homem mata impiedosamente seu semelhante. A desumanidade anda solta no meio do mundo!... O sistema provoca frieza em muitas pessoas, levando-as à indiferença. O outro deixa de ser importante e, aos poucos, vai se tornando objeto na engrenagem que gera lucro e luxo para poucos.

            A experiência de Jesus é a da manifestação divina no mundo. Em Jesus, Deus quis permanecer no mundo, sendo alimento, proteção e cuidado na vida dos fracos. Há uma clara opção de Deus pelos fracos. Toda a história da salvação Deus escolheu o que era fraco para confundir o que se mostra forte, recorda-nos o apóstolo Paulo em um de seus escritos. Portanto, quando quem é fraco descobre a presença amorosa de Deus em sua vida, experimenta grande alegria e a vida cria sentido.

            Somente os fracos, despossuídos e marginalizados, são os que experimentam a verdadeira alegria de ser feliz: alegria que não vem dos bens materiais, que não vem dos prazeres desordenados nem das ilusões que os bens e os prazeres produzem no ser humano; mas vem do próprio Deus. É uma alegria que linguagem nenhuma consegue descrever, pois é sinônimo da indescritível sensação da liberdade interior. Isto acontece quando as pessoas humildes e simples abrem seus corações para acolher a palavra do Pai que enviou seu filho Jesus.

       A experiência da acolhida da palavra de Deus no coração é caminho de liberdade e, consequentemente, de obtenção de sentido da vida. A palavra de Deus confere liberdade e sentido à vida. Querendo que o ser humano vivesse dignidade e adquirisse a vida eterna, que já se inicia neste mundo, o Pai envia seu filho para ser o amigo e o companheiro fiel do ser humano, para ser apoio, vida e esperança de toda a humanidade, especialmente dos que mais sofrem. Deus é o bom Pai que quer a vida de seus filhos, criados à sua imagem e semelhança.

            Para compreendermos como estas belas palavras se traduzem na prática cotidiana, pensemos em dois assuntos bem atuais à luz do Deus que envia seu Filho como pão vivo descido do céu e carne dada para a vida do mundo. O primeiro assunto é o do julgamento do mensalão. Os envolvidos neste esquema criminoso foram os políticos, eleitos pelo povo para governar o que é do povo, que se deixaram levar pela ambição do ter. Eles não ficaram satisfeitos com os altíssimos salários que recebiam e quiseram mais dinheiro; deixaram-se corromper por causa da sede de dinheiro.

            Estes políticos, que certamente se dizem cristãos, se esqueceram do ensinamento de Jesus, se é que o conheciam! Esqueceram-se de que o bem comum está em função da vida do povo brasileiro. A Constituição é clara ao afirmar que os poderes estabelecidos (Judiciário, Executivo e Legislativo) estão em função do bem comum da nação. Os que exercem cargos públicos não devem se esquecer de que não são donos do bem público, mas administradores, gestores e funcionários públicos a serviço do bem da população, especialmente das populações marginalizadas.

            O segundo assunto é o crescimento incontrolável do neopentacostalismo nas Igrejas Católica e evangélicas. Trata-se de uma corrente fundamentalista que está tomando conta das Igrejas cristãs, corrente que anula a possibilidade de diálogo entre as Igrejas (ecumenismo) e entre as religiões (diálogo inter-religioso). Além do fundamentalismo, na origem das diversas denominações e seitas que se proliferam há o claro interesse em ganhar dinheiro através da manipulação da palavra de Deus e da consciência das pessoas.

            Isto significa o ingresso da religião no mercado dando origem ao mercado religioso, mercado impulsionado pelos princípios capitalistas: competição, proselitismo, alienação, falsas promessas, ilusão da riqueza, lucro etc. As duas denominações religiosas que mais se destacam são a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo e a Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago; ambos os fundadores não passam de mercenários que estão ingressando na lista dos homens mais ricos do país.

            Na Igreja Católica encontramos os carreiristas e os mercenários. Os primeiros querem ocupar os melhores encargos da Igreja: são padres que desejam ser monsenhores, cônegos, bispos, arcebispos, cardeais, entre outros ofícios importantes que há nas Igrejas locais (Dioceses), nas Congregações Religiosas e na Cúria Romana, no Vaticano.

Os mercenários, que também podem ser carreiristas, são os que procuram o ministério ordenado somente pensando no dinheiro, nas vantagens e nas regalias que o mesmo pode oferecer. Desde os tempos da aliança entre Igreja e Estado, a partir do século IV, os conflitos pelo poder e pela riqueza sempre comprometeram seriamente a imagem da Igreja e sua missão no mundo.

         Fundamentalistas, neopentecostais, carreiristas e mercenários são pessoas que não estão preocupadas com a vida do povo de Deus, que se aproveitam da ingenuidade e da falta de formação e espírito crítico do povo para escravizá-lo e explorá-lo. Neste caso, a Boa Nova de Jesus fica abafada e os discursos ideológicos e mentirosos alienam o povo.

Não é preciso ser especialista em Sagrada Escritura para perceber que tudo isto está em desacordo com o Evangelho de Jesus, pois o Filho de Deus é o pão que alimenta e dá vida, que nos salva e dá coragem (V Oração Eucarística). Assim como Jesus foi enviado para a vida do mundo, todo aquele que deseja segui-lo deve fazer o mesmo: transformar a própria vida numa boa notícia para que o meio creia e viva.

Tiago de França

domingo, 5 de agosto de 2012

Jesus é o Pão da Vida


“Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome
e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6, 35).

            O texto evangélico deste XVIII Domingo Comum (cf. Jo 6, 24 – 35) fala de uma multidão de pessoas que procura Jesus. Ela o procura porque pouco antes ele saciou a fome de pão, ensinando-lhe o dom da partilha. Jesus não fez aparecer do nada pão para toda gente, ele não era mágico como muita gente até hoje pensa. A multidão pensava que ele seria o profeta de Deus que veio para matar a fome de pão, curar as enfermidades, libertar dos demônios e tomar o poder imperial.

De fato, todas estas coisas eram necessárias, mas a verdade é que Jesus morreu na cruz e os pobres continuaram sendo explorados pelo Império Romano. Então, o que fez ele? Em que se resume sua missão? Por que até os dias de hoje milhões de pessoas o procuram em todo o mundo? Uma questão fundamental que todo cristão deveria fazer a si mesmo é a seguinte: O que quero com Jesus de Nazaré?

Em verdade, em verdade eu vos digo, estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. Jesus revela o verdadeiro interesse da multidão. Veja que o texto não fala de povo, mas de multidão. Esta procura satisfazer uma de suas necessidades básicas: a vontade de comer. Jesus sabe muito bem que todo ser humano precisa de se alimentar para não morrer de fome. Ele não está mandando as pessoas ficarem com fome, nem está desvalorizando o alimento.

Aqui temos duas questões importantes: a do alimento em si mesmo e a procura de Jesus somente por causa do mesmo. O alimento está em função da vida do corpo. Durante toda a vida o ser humano procura o alimento, mas isto não o livra da morte. Não há alimento que evite a morte, mas simplesmente asseguram uma vida saudável. Que todos possam comer para viver bem é o desejo de Deus. A fome é um pecado gravíssimo, que não pode ser tolerado! Todo ser humano tem o direito de se alimentar bem, é um direito inalienável.

Jesus não aceitou que as pessoas o procurassem somente por causa do pão. Ele fala da necessidade de as pessoas procurarem pelos sinais. Em outra ocasião ele pede que procurem discernir os sinais dos tempos. O sinal sempre aponta para outra coisa, para algo que está além. Há realidades que precisam de sinais para serem compreendidas. A partilha do pão é um dos sinais do evangelho segundo João: sinal de que no Reino de Deus as pessoas não podem passar fome, e como este Reino se realiza neste mundo, então é neste mundo que todos devem ter o necessário para viver com dignidade.

Quando comemos ficamos satisfeitos, “matamos” a fome, mas em poucas horas ela aparece de novo. A fome nos leva a procura do que comer. Sabendo disso, Jesus se apresentou como o pão enviado de Deus que permanece até a vida eterna. Jesus é o alimento que permanece. Não se trata de um alimento que sacia, de passagem, a fome, mas que permanece até a vida eterna. Todos podem comer deste alimento, pois a mesa que oferece este alimento deve ser aberta, acolhedora, simples, fraterna: é a Ceia do Senhor.

Dentro e fora do Cristianismo (conjunto das Igrejas Cristãs) é grande o número dos que procuram somente a satisfação para os corpos: alimento, moradia, saúde, lazer, prazer. O apóstolo Paulo fala dos que se corrompem sob o efeito das paixões enganadoras (Ef 4, 22). É verdade que devemos satisfazer as necessidades básicas para termos vida digna: isto é justo e necessário.

É verdade também que, por natureza, tendemos às paixões, à satisfação dos instintos egoístas. Ninguém está isento desta tendência. Ao final, todos chegam à conclusão de que é impossível satisfazer-se plenamente. As necessidades e as paixões criam-se e recriam-se, infinitamente. Portanto, buscar satisfazê-las de forma desordenada é caminhar para a morte do corpo e do espírito, é perder a tranquilidade e a paz necessárias.

Quando busca a Deus, o ser humano tem a mesma tendência: quer que Deus satisfaça seus desejos e vontades. A forte tentação é de transformar o Cristianismo numa religião de satisfação dos desejos. Não existe nenhuma Igreja ou denominação cristã que não se preste a isto: em todas elas o culto é marcado pela manifestação e procura de satisfação dos desejos e vontades. No fundo, a maioria das pessoas deseja um Deus que resolva os problemas da condição humana. O neopentecostalismo católico e evangélico expressa bem o significado da religião como fonte de satisfação dos desejos.

Isto explica o porquê de Jesus não ter fundado nem religião, nem Igreja, nem culto. Ele não fundou nenhum sistema religioso para oprimir as pessoas, porque sabia que uma das piores opressões que o ser humano já inventou em toda sua história consiste na opressão religiosa. Ao invés de re-ligar o ser humano à Deus, a religião se transforma cada vez mais num sistema de manipulação das consciências e, consequentemente, de opressão.

A situação chegou ao ponto do conflito sangrento (guerras) em nome de Deus. A história do Judaísmo, Islamismo e Cristianismo, que são as três maiores religiões monoteístas (crença num único Deus) é marcada pelo derramamento de sangue em nome de Deus. Infelizmente, até os dias de hoje tenta-se justificar a eliminação do outro em nome de Deus; tentativa totalmente contrária à Boa Nova anunciada por Jesus de Nazaré, que revelou o verdadeiro rosto de Deus: amor que se traduz na solidariedade (misericórdia) para com o próximo.

Nossa relação com Deus deve ser filial, a modo de filhos que amam seu pai. Deus é amor, é um Pai que não abandona seus filhos e filhas, que é presença amorosa, que cria e recria na liberdade e para a liberdade, que enviou Jesus, pão da vida, para saciar a fome e matar a sede que emergem do mais profundo do ser humano.

No culto cristão, independentemente da denominação religiosa, esta deve ser a prece de cada pessoa que busca o sentido último de sua vida: Senhor, dá-nos sempre desse pão. É preciso lembrar que fora do culto cristão Jesus também oferece o alimento que permanece para a vida eterna. Este alimento não está exclusivamente no interior das Igrejas cristãs, mas está no mundo, à disposição de todo aquele que procurá-lo de coração sincero. Para o leitor faço novamente a pergunta fundamental que motivou a elaboração da presente reflexão, e peço que tente responder, sincera e honestamente, para si mesmo: O que quero com Jesus de Nazaré?

Tiago de França