quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Viva o povo brasileiro, viva o STF!


No dia 27 de outubro do corrente ano, a Suprema Corte da Justiça brasileira, depois de horas de calorosas discussões resolveu escutar o clamor do povo brasileiro e confirmou a Lei da Ficha Limpa para este ano. Diante dos absurdos cometidos pela própria Justiça, os brasileiros são convidados a acreditar que ainda existem manifestações em favor dos direitos humanos, da ética e da moralidade política em nosso país. Desta vez, o Supremo Tribunal Federal resolveu ficar do lado dos empobrecidos da nação, empobrecidos que muito dependem das políticas públicas que devem ser fruto da vontade política e da atitude de mulheres e homens sérios, eleitos democraticamente nas urnas, que visam o bem comum.

O autêntico desenvolvimento do país depende, também, de políticos comprometidos com o bem comum. Assim, a decisão da STF confirma as aspirações de milhões de brasileiros, cansados de escândalos, de mentiras e confusões de toda sorte. Candidaturas de homens como Jader Barbalho, Paulo Maluf e tantos outros que envergonham o povo brasileiro deixarão de fazer parte do cenário político nacional. Isto, graças a uma Lei de iniciativa popular que barra, terminantemente, candidaturas mal intencionadas que somente visam o enriquecimento ilícito por meio de práticas antidemocráticas e criminosas. É necessário que as pessoas mal intencionadas e corruptas vejam na Ficha Limpa o grito do povo que diz: Basta de roubalheira! Basta de injustiças! Queremos vida digna para todos!

Por outro lado, com a aprovação da referida Lei de iniciativa popular, o povo brasileiro é chamado a refletir um dado que muito me chama a atenção: Desconheço o fato de que antes do Governo Lula, o povo tenha tido a liberdade e a ousadia de se manifestar como tem se manifestado nos últimos anos. Apesar dos pesares do atual Governo, o povo foi às ruas, colheu as assinaturas, mandou o Projeto de Lei, boa parte do Congresso a aprovou, e o Presidente a sancionou. Toda pessoa que tenha o mínimo de bom senso considera um ato como este como uma manifestação popular, acolhida e sancionada pelo Governo, como algo que vai ficar na história do Brasil.

O Presidente tinha autoridade de vetar, o Governo poderia sabotar e/ou boicotar a voz do povo, como se fazia em outras épocas ao se utilizar da mídia para acusar o povo de desordeiro; mas isto não ocorreu. E não ocorreu porque o ex-operário Presidente sabe do que o povo precisa, e sabe porque somente ele, na história da República Federativa do Brasil, saiu do meio do povo. Até então, nossos governantes saíam das camadas privilegiadas do país, da elite que constitui os poderosos da nação; saíam de uma elite insensível às verdadeiras necessidades da classe pobre e desfavorecida.

Um Governo que sanciona um projeto de Lei de iniciativa popular é um Governo que tem um compromisso com o povo. Quando falo de povo refiro-me às classes desfavorecidas da nação, aquelas pessoas que não são elite. Este povo, apesar de, historicamente, massacrado, deu um basta na exploração que fere a sua dignidade e ousou eleger um quase analfabeto que deu certo. Saibam os políticos e prestem bastante atenção: O povo brasileiro é um povo ousado!

A ousadia do povo derrubou Tasso Jereissati no Ceará, Marco Maciel em Pernambuco, Fernando Collor de Melo em Alagoas, Arthur Virgílio no Amazonas, Heráclito Fortes e Mão Santa no Piauí e César Maia no Rio de Janeiro. Infelizmente, Fernando Collor de Melo retorna ao Senado, pois o mandato de Senador é de oito anos; mas na próxima não escapará. Aos poucos, apesar dos absurdos cometidos, como a vitória do Tiririca em SP, o povo está aprendendo a votar. Os paraenses elegeram Jader Barbalho para o Senado, mas a Lei Ficha Limpa barrou sua espúria candidatura. Espera-se que os paraenses o conheçam melhor e aprendam a eleger pessoas mais dignas para a administração da coisa pública.

Daqui a algumas horas o povo retornará às urnas. Será que o ex-operário Presidente conseguiu convencer a maioria da nação de que Dilma Rousseff é a pessoa indicada para dar continuidade ao seu projeto governamental? Ou será que o povo está com saudades da era FHC e elegerá José Serra para continuar seu estilo neoliberal de Governo? Resta-se esperar! Se a Dilma Rousseff for eleita, tal fato vai entrar para a história do país: Depois de um operário, o povo elegeu, pela primeira vez, uma mulher para ocupar o maior cargo da República, a Presidência do Brasil. A vitória da Dilma será a resposta do povo brasileiro às elites tradicionais. Resumidamente, poderemos traduzir na seguinte frase o resultado das eleições: Nós acreditamos no Governo do Presidente Lula e queremos continuidade!


Tiago de França

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Política, religião e mídia


O momento político atual é vítima de um excesso de informações que circulam livremente nos meios de comunicação de massa (rádio, TV, Internet, jornais etc.). Verdades e mentiras são ditas e desditas. Temos reflexões oriundas de toda parte, dotadas de boas e más intenções, partidárias e não-partidárias. Estamos diante de um fenômeno nunca visto na história política do país: a intromissão da religião na política. Está sendo uma confusão a mistura destes dois aspectos da vida humana. Tal mistura se mostra destrutiva, porque a mentira denunciada pela religião está sobressaindo-se no discurso político-religioso. Neste breve artigo, quero ressaltar algumas questões que poderão ajudar o leitor-eleitor a discernir melhor a situação. Esforçar-me-ei em não ser partidarista, buscando expor aquilo que corresponde aos fatos e suas respectivas circunstâncias.

Há uma acusação recíproca entre a candidata Dilma Rousseff e José Serra no que se refere à intromissão da religião na campanha presidencial. Afinal de contas, quem colocou a questão do aborto e do casamento entre os homossexuais como temas da campanha presidencial deste ano, principalmente neste segundo turno? Não foi Lula nem FHC, não foi Dilma nem Serra. Quem colocou a questão, infelizmente, foram membros da hierarquia da Igreja Católica. Para ser mais claro, foram o Bispo da Diocese de Guarulhos, SP e a Coordenação do Regional Sul 1 da CNBB. É muito importante que isso fique bem claro. Os citados temas não foram propostos pelos candidatos. Eles passaram a ser discutidos quando a Igreja se manifestou.

Com que intenção esses temas foram expostos? Temos duas hipóteses. O leitor poderá escolher uma delas para fundamentar sua opinião. Os referidos Bispos da Igreja podem ter colocado tais temas tendo em vista a defesa e a promoção da vida humana, a partir do princípio evangélico da dignidade da vida. Esta é a primeira hipótese que podemos levantar. A segunda remete-nos ao partidarismo. Ou seja, os Bispos podem ter colocado os temas tendo em vista um suposto apoio à candidatura de José Serra, a partir da acusação contra a candidata do Governo. Segundo tal acusação, a candidata teria dito que era a favor da descriminalização do aborto.

Particularmente, fico com a segunda hipótese. Por que os Bispos não se manifestaram antes da campanha eleitoral? Por que deixaram para colocar tais questões na efervescência da campanha num tom político-partidário? Se a intenção era de levar as pessoas a uma discussão sobre os temas, frustraram-se, completamente. Questões como estas não podem ser discutidas em campanha eleitoral, pois desviam a discussão de outras questões mais urgentes para o país. Um (a) candidato (a) descomprometido (a) com as verdadeiras urgências de um país louva e agradece a Deus pela intromissão de tais temas nas discussões políticas, porque se aproveita para enganar a boa fé do povo, escondendo-se por trás de um discurso moralista e, piedosamente, mentiroso.

Quando a religião entra na discussão política partidária, facilmente, o sagrado se torna profano, pois os políticos que, em sua maioria, gostam de mentir para levar vantagem, começam a demonstrar, farisaicamente, a sua suposta fé: vão a Aparecida do Norte, SP, rezar para a Virgem Maria; a Canindé, CE, rezar para São Francisco de Assis, utilizam-se dos símbolos religiosos (cruz, terço, imagens de santos), fazem juramentos em nome de Deus, aparece lendo a Bíblia em pleno horário político na TV, falam de suas práticas religiosas como se estas garantissem idoneidade e fé cristã etc. Onde ficaram as autênticas propostas para a construção de um país mais justo para todos?...

Esta situação demonstra falta de discernimento e respeito ao povo brasileiro e aos cristãos tanto da parte dos mencionados Bispos quanto dos políticos que se aproveitam de tal intromissão para enganar o eleitor, de modo que no dia 31 de outubro teremos, conseqüentemente, um número maior de abstenções nas urnas do que no dia 03, pois o eleitor sério e comprometido com o futuro do país se encontra indignado com tal situação. Certamente, milhões de pessoas preferirão descansar no feriadão, vendo um bom jogo ou aproveitando uma boa praia do que participar da eleição. Não é um protesto louvável, mas muita gente vai optar por ele.

Não me canso de denunciar o oportunismo malicioso da mídia brasileira que, ao invés de promover a conscientização política do eleitor, dá total cobertura aos corruptos, legitimando-os e promovendo-os. Infelizmente, e é de fazer vergonha, o fato de que a mídia brasileira se profissionalizou em invadir a privacidade das pessoas, inventar mentiras absurdas e manipular as consciências ingênuas das pessoas, infantilizando-as.

A mídia opta por uma bandeira, a defende e a promove utilizando-se dos recursos mais absurdos que existem. Isto acontece porque no Brasil não existem mecanismos de fiscalização, controle e punição contra os excessos midiáticos. Falam de uma falsa liberdade de expressão, pautada na ofensa a pessoas e instituições. No Brasil, inventar algo sobre alguém em detrimento da ética não é crime. A mídia tem toda a liberdade para manipular a campanha eleitoral do que jeito que bem quiser.

Com tais afirmações não estou defendendo o que acontece em Cuba, na Venezuela e na China; estou defendendo a idéia de que a mídia deve se comprometer com a verdade e esta não deve estar alicerçada em interesses corporativistas, mesquinhos e covardes. Será que os Bispos se esqueceram dessa questão quando resolveram lançar temas tão polêmicos?... Aqui aprendemos o valor do dom do discernimento que visa o bem comum.

Para tratar de certas questões precisamos aprender a procurar a oportunidade certa, o lugar certo, as pessoas certas, as instâncias e circunstâncias cabíveis. Optar pelo silêncio quando não se tem a devida prudência no trato de questões que podem provocar escândalo e confusão não é pecado de omissão, mas sinal de caridade para com os empobrecidos de um país que precisa, integral e sustentavelmente, progredir. A palavra da religião deve edificar as pessoas na verdade e para a verdade, do contrário, temos mentira e confusão. Estas foram severamente condenadas por Jesus de Nazaré. A defesa e a promoção da vida se dão, antes de tudo, no compromisso com a verdade.

Esta realidade revela, ainda, que o eleitor brasileiro se encontra numa cruel situação, porque tanto a religião quanto a mídia se encontram, gravemente, comprometidas no processo. A religião deveria ser o lugar de se promover a conscientização política, mas assistimos ao contrário. A Igreja Católica está praticamente dividida: uns procuram conscientizar a população, mas tal trabalho fica comprometido pela ação político-partidária de outros. Quando há uma preocupação com o bem comum do país, a liberdade do eleitor passa a ser respeitada; quando interesses corporativistas são postos acima do bem comum, tal liberdade é, horrivelmente, violada.

A mídia ousa tirar o direito de escolha das pessoas, manipulando-as. Houve uma época em que tal manipulação acontecia sutilmente. Hoje, ocorre, explícita e descaradamente. A mídia parte do pressuposto de que o povo brasileiro não sabe discernir as coisas, não tem maturidade para escolher seu candidato. Assim, arroga para si o direito de escolher e podar determinado candidato e apresentá-lo como modelo por excelência de político que resolverá todos os problemas da nação num passe de mágica, num total desrespeito à história de lutas de um povo que sonha com um país melhor.

Para concluir, peço a todo aquele que tiver acesso a esta reflexão, que não se isente da responsabilidade para com o futuro do país. Ser cidadão é participar da vida do país, e o voto é uma das maiores e mais eficientes participações. Não se pode deixar passar um direito adquirido com tantas lutas e reivindicações históricas. Cidadão crítico e consciente é aquele que participa, alienado é aquele que age do contrário. A democracia, para ser consolidada, precisa mais de cidadãos com atitudes críticas do que de pessoas críticas. A vida se constrói com atitudes pensadas.

O Brasil precisa de gente decidida, consciente e livre. Ficar em cima do muro e não se posicionar é cometer o que a Doutrina Social da Igreja chama de pecado social, pecado que tem afetado gravemente o autêntico desenvolvimento humano. O Brasil se encontra diante de mais um processo político eleitoral histórico, que precisa ser re-orientado através da atitude consciente do voto livre e comprometido com a verdade e com a justiça social. Durante esta campanha, veja, escute, discuta, pense, decida-se e no dia 31, VOTE CONSCIENTE. VOTO NÃO TEM PREÇO, TEM CONSEQUÊNCIAS!


Tiago de França

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A liberdade e o amor


Religião:
Conjunto de normas, regras, disciplinas, ritos
Ministros e ministérios
Re-ligare.

Às vezes,
Este conjunto, estes ministros, esta re-ligação
Não acontece.
Frustração.

Há um disse e um desdisse,
Existe confusão.
Há pretensões, verdades malditas
Se-pa-ra-ção.

O caminho do amor
Transformou-se em trilha perigosa do desamor...
O que devia ser caminho de liberdade
Transformou-se em descaminho alienante de infelicidade...

Amor que gera liberdade
Liberdade que gera amor:
Eis a verdade que liberta.
Solidariedade.

Desesperado, o homem grita
Re-clama,
Implora,
Chora.

Por que tal desespero?
Será loucura, insensatez?
Não.
É vontade de viver!

Viver.
A conjugação concreta deste verbo-realidade
Depende, exclusiva e fundamentalmente,
Do amor e da liberdade.

Não há inteligência nem ideologia
Não há crença nem descrença,
Não há sistema nem anarquia,
Que impeça a manifestação da liberdade e do amor.

Ó Amor:
Devolve-me o sentido das coisas,
A sensatez da consciência
A arte da descrença daquilo que destrói.

Ó Liberdade:
Assegura-me o pensar e o discernir,
Liberta-me para o amor
Livra-me da alienação.

Assim,
Somente e, sobretudo,
Fundamentalmente,
Libertar-me-ei no amor para a liberdade do amor,
Re-la-ção.


Tiago de França

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Nossa Senhora da Conceição Aparecida e a conversão cristã


Sois bendita por Deus entre todas, Maria,
pois de vós recebemos o Fruto da Vida
.

No mês de outubro de 1717, os pescadores Filipe Pedroso, Domingos Garcia e João Alves, durante uma pesca no Rio Paraíba, colheram a imagem daquela que, a partir de então, foi chamada de Nossa Senhora Aparecida. Foi o povo quem deu esse nome à imagem. Esta permaneceu com o pescador Filipe Pedroso, que com toda a vizinhança costumavam rezar o terço todos os sábados.

Com o passar dos anos, os milagres foram aparecendo e a devoção aumentou. Isto exigiu a construção de uma Capela, inaugurada em 1745, mas esta se tornou muito pequena diante do número de devotos. Assim, em 8 de dezembro de 1888, um novo templo foi inaugurado e na mesma data de 1904, o Papa Pio X ordenou que a milagrosa imagem fosse solenemente coroada. No dia 29 de abril de 1908 foi concedido ao já Santuário o título de Basílica Menor.

No dia 16 de julho de 1930, o Papa Pio XI declarou e proclamou Nossa Senhora Aparecida Padroeira do Brasil. Em 1952, iniciou-se a construção da nova Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida, solenemente dedicada pelo Papa João Paulo II a 4 de julho de 1980. Resumidamente, esta é a história da aparição da imagem, da sua devoção histórica e do reconhecimento por parte da Igreja. Anualmente, dezenas de milhares de romeiros e romeiras se dirigem ao Santuário Nacional, em Aparecida, SP para prestar suas homenagens e manifestar a devida gratidão à Virgem Aparecida pelas graças alcançadas.

Depois de ter citado brevemente o histórico desta importante veneração mariana, é preciso que re-orientemos o nosso olhar a respeito do sentido da devoção a Nossa Senhora. Não é maçante salientar que Jesus de Nazaré não pode deixar de ser o centro e o sentido da vida e da espiritualidade cristãs. O cristão católico não pode colocar a Virgem Maria como redentora da humanidade. Aqui se encontra certa distorção da devoção mariana. É comum encontrarmos alguns exageros na devoção mariana que dão margem às críticas, muitas vezes, não bem intencionadas, dos que professam a fé fora da Igreja Católica.

Eis o pedido de Maria no Evangelho de João 2, 5: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Estas palavras nos indicam o caminho a seguir, ou seja, Jesus. Ela mesma, Maria de Nazaré, foi sua fiel discípula e missionária. Venerá-la como Mãe de Jesus significa praticar o seu pedido: Fazer o que Jesus nos disser. O que Jesus nos diz? “Amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15, 12). Assim sendo, Maria ensina-nos a obediência à palavra de Jesus, e esta palavra nos exige o amor mútuo e solidário.

Não podemos reduzir a devoção mariana ao fazer e pagar promessas, a pedir e receber graças, pois a isto chamamos de devocionismo. Este se manifesta nos excessos de piedade: reino de Maria, mil ave-marias, caminho único de se chegar a Jesus, centralidade do culto mariano na liturgia, multiplicação exacerbada dos títulos conferidos à Maria, colocá-la como uma mulher constituída de poder espiritual que resolve problemas espirituais e materiais etc. Isto aliena, infantiliza a fé e desvia do caminho de Jesus. O devocionismo mariano marginaliza a pessoa de Jesus e centraliza a pessoa de Maria. Jesus torna-se servo de sua mãe, tendo que obedecê-la fielmente, e o Evangelho mostra o oposto.

Isto é muito perigoso para a autêntica prática da fé que se manifesta no seguimento, porque as pessoas passam a cultuar Jesus. Este passa a ser visto como a fonte inesgotável de todas as graças e sua Mãe, a fiel medianeira. Não somos chamados a prestar culto a Jesus, mesmo ele sendo Deus. A vocação cristã se realiza plenamente no seguimento de Jesus de Nazaré. Aqui o devocionismo perde o seu sentido e esvazia-se, pois não ajuda nem promove tal seguimento, mas atrapalha e chega até a impedir. Na Igreja, infelizmente, temos mais pessoas devotas do que autênticas seguidoras do divino Mestre.

Para quem não tem coragem de seguir Jesus, a devoção à Virgem e aos santos torna-se uma das alternativas de estar em comunhão com a Igreja. Há pessoas que batem, orgulhosamente, no peito e afirmam ser piedosamente católicas por serem devotas da Virgem ou de algum santo ou santa. Neste sentido, é preciso entender bem que uma coisa é a devoção (prática religiosa) e outra o seguimento. Para um devoto, a Virgem é aquela que pode alcançar um milagre, para um seguidor de Jesus, ela é um modelo sublime de seguimento de Jesus. Com isto não estou defendendo a idéia de que um seguidor de Jesus não pode nem deve ser devoto da Virgem Maria, mas é preciso ter cuidado para que a devoção não desvie o discípulo do caminho do Mestre.

Geralmente, os devotos da Virgem Maria são os empobrecidos deste mundo, que procuram na devoção alívio para seus sofrimentos; são mulheres e homens sofredores que empenhados nas lidas sofridas da vida buscam construir o Reino de Deus. Os devotos de Nossa Senhora costumam ser pessoas que procuram escutar o seu pedido e que se colocam no caminho estreito e espinhoso de Jesus, são os crucificados da história, vítimas do poder e do sistema que oprimem. A fé destas pessoas é motivo de alegria e gratidão ao Deus da vida que escuta o clamor dos empobrecidos em suas lutas por libertação.

Além de ser o dia da Solenidade da Mãe Aparecida, 12 de outubro também é o Dia das Crianças. Estas são, aos olhos de Jesus, os pequeninos indefesos que precisam de carinho, atenção e proteção constante. Jesus abraçou e abençoou as crianças e lhes assegurou o Reino de Deus: “Eu garanto a vocês: quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará nele” (Mc 10, 15). Jesus ensina que o Reino deve ser recebido a partir da condição de criança. O que isso significa? As crianças são pessoas destituídas de poder, orgulho, prepotência; elas são humildes e simples. Elas são, ainda, sinais de alegria, docilidade e bondade. Nenhum ser humano sadio consegue ter ódio de uma criança, porque elas só despertam o amor. As crianças são sinais da presença amorosa de Deus no mundo.

Para entrar no Reino de Deus é preciso ser como as crianças: despojadas e humildes. O Reino de Deus não está reservado aos poderosos e aos de extensa cultura, mais aos destituídos de poder e aos constituídos de humildade e simplicidade. As crianças também são um lugar de encontro com Deus, pois elas revelam-no na alegria, no carinho, no sorriso, no abraço e no olhar. Todo o ser de uma criança revela a beleza de Deus. Quem não enxergar isso está gravemente doente, quer no corpo quer no espírito; e quem não se tornar como elas, nunca entrará no Reino de Deus. Isto é muito sério e merece a nossa reflexão.

Celebrar o Dia das Crianças é lembrar-se das que são abandonadas, das que passam fome, das que estão enfermas, das que são perseguidas e assediadas moral e sexualmente, das que são vítimas de estupros, da prostituição e outras formas de violência, enfim, de todas as crianças violadas na sua dignidade. Todas estas injustas situações precisam ser denunciadas e atendidas. É preciso que vigore na prática o Estatuto da Criança e do Adolescente, que o Governo, a Justiça, as Igrejas, as ONGs e todas as pessoas estejam atentas às necessidades das crianças sofredoras e as socorram no tempo certo. Toda forma de violência a uma criança, independentemente de cor, sexo, cultura, religião e condição social, é uma das piores ofensas a Deus.

Enfim, celebrar a Mãe Aparecida e o Dia das Crianças é celebrar a ternura do Deus que recria, cotidianamente, todas as coisas no Cristo, o Emanuel presente na história e na vida dos empobrecidos deste mundo.


Tiago de França

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Tiririca, pior do que está não fica?


Muita gente ficou estarrecida com a notícia veiculada após as eleições do dia 3 passado: Tiririca, candidato a deputado federal pelo PR – SP, foi eleito com 1.352.820 votos! Eleito o deputado mais votado em todo o país. O que isso significa para a política brasileira? Qual a reflexão que podemos fazer em torno deste mais novo caso engraçado e/ou irônico da política brasileira? Descrevamos o candidato a partir de sua própria apresentação durante toda a campanha eleitoral.

Oriundo de Itapipoca, CE, humorista de profissão, semi-analfabeto ou analfabeto (quesito em discussão), desprovido de propostas e promessas eleitorais, casado e pai de família, pautou sua campanha no estilo próprio de vida (o mesmo se identifica como palhaço). Este é o Tiririca. Não há nada além disso! O que tanta gente (mais de um milhão e trezentas) encontrou neste cidadão para elegê-lo com tamanho número de votos? Esta indagação não pretende desmerecer a história de vida do candidato nem seu grau de instrução, mas refletir a candidatura em si.

Insistentemente, expressões como “Você sabe o que faz um deputado? Não? Nem eu! Me eleja e depois eu te digo”, “Vote em Tiririca, pior do que tá não fica!” e “Vote em mim, porque eu vou ajudar a quem precisa, começando pela minha família!” foram repetidas pelo candidato durante toda a sua campanha. É difícil acreditar, mas foram estas e outras expressões que convenceram mais de um milhão e trezentas mil pessoas, que somaram votos suficientes para assegurar mais três cadeiras na Câmara Federal.

Pelos cálculos do coeficiente eleitoral, Tiririca leva consigo mais três conhecidos ou desconhecidos para Brasília. Certamente, quando a maioria das pessoas que nele votaram não pensou nem conheceu o chamado coeficiente eleitoral. Este, jurídica e legalmente assegura e nos informa que para deputado estadual e federal o eleitor não vota no candidato, mas no partido ao qual o mesmo está representado. Em outras palavras, geralmente, políticos que não tinham a mínima condição de serem eleitos, recebem, sem esforço nem merecimento algum, um mandato político que lhes garante foro privilegiado e várias regalias asseguradas na lei.

Para aliviar a situação de um candidato quase que analfabeto (situação ainda não julgada), a mídia começou a dizer que a vitória de Tiririca se tratou de um protesto da sociedade em relação à situação atual da política brasileira. Podemos até confirmar tal idéia, mas é preciso questioná-la: este tipo de protesto vai resolver alguma coisa? Penso ser muito arriscado protestar nas urnas elegendo quatro deputados destituídos das condições mínimas para o exercício da função legislativa. A função do deputado é apresentar projetos, criar leis e fiscalizar o executivo. Penso que o Tiririca não tem condições de fazer isso.

Alguém me disse: “Mas Tiago, ele é um homem tão bom, tão alegre, tão verdadeiro!” Apesar de não conhecê-lo, a não ser pela TV, através da qual não se conhece bem as pessoas, não discordo do fato de que ele tenha procurado ser verdadeiro na campanha eleitoral. Tal situação nos leva a pensar no tipo e/ou modelo de político e de política que estamos realmente necessitando no país. O melhor protesto que o eleitor pode fazer nas urnas é escolher candidatos que não estejam envolvidos com corrupção e que tenham condições de exercer o cargo que desejam ocupar. Conduta ilibada e competência deveriam ser critérios exigidos pela legislação eleitoral.

Dependendo do resultado da investigação que a justiça eleitoral fará sobre o grau de instrução do deputado eleito (se sabe ler e escrever ou não), Tiririca pode até ter ficha limpa, mas, certamente, é desprovido de condições para legislar em Brasília. Não basta ter boa vontade política, é preciso ter condições, demonstrar vocação para a arte de fazer e viver a política. Candidatos com atitudes que demonstram a procura de satisfação dos próprios interesses no exercício do mandato não merecem a confiança do eleitor, e esta procura não é difícil de ser identificada, mesmo durante a campanha eleitoral.

Está claro e evidente que modelos, jogadores de futebol, lutadores de boxe, humoristas e outros profissionais que, muitas vezes endividados ou com problemas financeiros procuram solucioná-los ingressando na política partidária. Quem não se recorda do deputado Clodovil Hernandes (falecido)? Não há um projeto de lei que tenha sido apresentado por ele e aprovado pelo parlamento. Com isto não quero desclassificar ou inferiorizar as profissões acima mencionadas nem o falecido deputado Clodovil, quero, simplesmente, questionar a veracidade de certas candidaturas e suas respectivas intenções para com a política.

Não podemos aceitar que os cargos políticos se tornem meios de enriquecimento, ilícito ou não. É preciso insistir na idéia de que os políticos são eleitos para a defesa e a promoção do bem comum, apesar do estado de corrupção em que se encontra a política do país. Se a justiça tem dificuldade ou se recusa a julgar os chamados crimes de colarinho branco que ocorrem no submundo da política, o eleitor tem a missão e por que não o dever moral de julgar nas urnas o destino do país. Não basta que a pessoa seja simpática, é preciso que demonstre boa vontade e, sobretudo, história ilibada que comprove competência para a política. Como pode ser eleito um candidato que afirma, descarada e claramente: “Eu não sei o que vou fazer lá”?

A vitória de Tiririca é um sinal evidente de uma agravante crise de consciência política. Muita gente vota sem pensar no que está fazendo, sem analisar o/a candidato/a em quem está votando. Trata-se de um voto sem perspectiva alguma, dado à toa, sem consciência crítica da realidade. Quem assim procede não deveria votar, porque em nada contribui com a consolidação democrática do país. O resultado do voto sem consciência (irrefletido) é a perpetuação de sujeitos mal intencionados e, conseqüentemente, corruptos nos poderes legislativo e executivo. Políticos corruptos gostam de eleitores ingênuos e passivos, eleitores que não se preocupam com o bem comum e que elegem pessoas com os mesmos sintomas.

Outra pessoa me disse: “Tiago, elegeram Lula, com baixo nível de escolaridade, por que não eleger Tiririca?” O autor desta indagação não tem noção alguma do histórico do atual Presidente, pois como posso comparar um ex-operário formado politicamente na luta sindical e fundador de um partido com alguém que vive a contar piadas e alegrar a criançada?! Penso que não preciso responder a esta indagação. Não estou exigindo mestres e doutores para ocupar os cargos políticos, até porque a maioria destes tem demonstrado pleno desinteresse pelo bem comum, entregando-se à corrupção; é preciso exigir história, conduta condizente com o que se almeja e projeto político que contemple as aspirações da maioria marginalizada do país. Enfim, votar em candidatos como Tiririca, pior do que está FICA!


Tiago de França

sábado, 2 de outubro de 2010

O Bispo, a candidata Dilma e o aborto


As insistentes declarações de Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, Bispo de Guarulhos, SP, me faz pensar em algumas questões que ouso partilhar com o leitor. Não quero condenar a livre atitude do Bispo nem ir contra a posição oficial da Igreja, que condena, veementemente, a prática do aborto. Vivemos numa sociedade onde a livre expressão do pensamento é um direito assegurado por lei, e por isto mesmo, quero opinar sobre a questão.

Minha opinião não vai ter repercussão na mídia, uma vez que não ocupo função importante na Igreja e na sociedade. Trata-se, apenas, de uma partilha entre amigos, a maioria religiosa. Espero que os amigos não julguem que eu esteja falando mal de um Bispo católico. Questionar um Bispo não é pecado nem desrespeito. Uma vez que o mesmo se expôs à opinião pública deve, certamente, está preparado para as devidas reações. Assim, entro na fileira dos opositores da atitude do Bispo. Delimitemos três idéias, a fim de que a opinião seja clara e não dê margem às interpretações de alguns maliciosos de plantão: 1. A questão do aborto; 2. A posição do Bispo e 3. A candidata Dilma.

A questão do aborto é, de fato, uma questão complexa. Não tenho conhecimento científico sobre a mesma e, a não ser que o Bispo seja especialista na área, ele não deve ter, também, conhecimento específico sobre o aborto. Concordo que o aborto seja uma ação perigosa, mas que precisa ser discutida. Quando a Igreja diz NÃO ao aborto, parece que ela fecha a discussão em torno do problema. Não se trata de dizer SIM ou NÃO ao aborto, mas de procurar, no diálogo aberto e respeitoso com quem entende (cientificamente) da problemática uma possível solução. A Igreja fala a partir do Evangelho e a ciência a partir da técnica e do método. Evangelho, técnica e método devem convergir para a defesa e a promoção da vida sem se excluírem, reciprocamente. Além disso, o aborto também é uma questão de saúde pública, que o Governo deve assumir, a fim de que se ofereça o devido socorro às mulheres de nosso país.

Ainda sobre o aborto, é preciso que se discuta a intencionalidade de tal atitude, ou seja, com que intenção uma mulher decide abortar? Em outras palavras, o que leva uma mulher a provocar o aborto? Esta é uma questão que a Igreja NÃO pensa ao dizer não ao aborto. A Igreja condena generalizando o problema sem procurar saber das reações motivações que levam tantas mulheres a tomar tal atitude. Neste sentido, é preciso que não só pensemos na vida do feto (desenvolvido ou não), mas também na vida da mãe, como no caso da criança estuprada que engravida de gêmeos aos nove anos de idade e que não tem a mínima condição de dar à luz.

O filósofo Ortega y Gasset fala-nos uma verdade muito iluminadora neste sentido. Ele afirma que cada pessoa corresponde a um EU e este está estritamente ligado às circunstâncias da vida: “eu e minhas circunstâncias”. Repito: é preciso discutir a questão para chegarmos a um consenso, pois os conflitos sem diálogo entre fé e ciência não resolvem nada. Enquanto estes conflitos se perpetuam, muitas mulheres continuam desassistidas em suas complexas situações.

A posição do Bispo, a meu ver, está mais para a condenação da candidata do que do aborto. Justifico-me. Em tempo de campanha eleitoral quando nos dirigimos diretamente (citando nome e partido) de um (a) candidato (a), condenando ou absolvendo, estamos tomando partido. Eu acreditaria na isenção partidária da opinião do Bispo se ele tivesse se dirigido a todos os candidatos, mas o que fica clara em suas palavras é sua oposição à candidata do PT, Dilma Rousseff. Depois de atacar a candidata é que o Bispo se dirige aos demais políticos que se decidirem pela descriminalização do aborto. Enquanto cidadão, o Bispo se utiliza da condenação eclesiástica ao aborto para expressar sua oposição a uma candidatura. Partindo da idéia de que a Igreja não pode tomar partido, há um equívoco em sua posição.

Para comprovar minha opinião, vejamos a resposta a uma das perguntas que a Folha de São Paulo fez numa entrevista ao citado Bispo no dia 23 de agosto do corrente ano:

Folha – A candidata afirma que não defende a descriminalização do aborto. Mesmo assim, o senhor cita o nome dela no artigo [publicado pelo mesmo no site da CNBB].
Bispo – Ela [Dilma] segue o partido, ela é a candidata. Então eu vou matar a cobra na cabeça. Pessoalmente não tenho nada contra ela. Mas o direito à vida é o maior direito humano. O aborto é atitude covarde e criminosa. Eu não arredo o pé, não.

A expressão “Pessoalmente não tenho nada contra ela” é contraditória à primeira: “Então vou matar a cobra na cabeça”. Que cobra é essa de que fala o Bispo? Seria a candidata, o aborto, a campanha?... Um Bispo não deveria se utilizar de expressões tão ambíguas como estas, pois passa a idéia de que as autoridades eclesiásticas da Igreja estão perdendo, aos poucos, o discernimento da palavra que deve edificar, e não confundir a cabeça das pessoas.

Em seu polêmico artigo, a que se refere a Folha na indagação feita cima, ele diz expressamente: “Recomendamos a todos verdadeiros católicos a que não dêem seu voto à Senhora Dilma Rousseff e demais candidatos que aprovam tais liberações, independentemente do partido a que pertençam”. Tem como acreditar que não existe partidarismo nesta recomendação?!... Uma curiosidade: Por que será que a Folha se interessou em procurar Dom Luiz Gonzaga Bergonzini? A resposta é simples: Porque ela se interessa em toda e qualquer informação e posição que se oponha ao atual Governo e sua respectiva candidata à Presidência. Ninguém precisa ser cientista político para enxergar isso.

A candidata Dilma precisa, caso seja eleita Presidente da República Federativa do Brasil, saber dialogar com a Igreja, com a ciência e com a sociedade esta questão. O Governo Federal deve dar total apoio às pesquisas científicas no sentido de incentivá-las e promovê-las. Uma consulta popular (plebiscito) seria oportuna para este caso, para saber a opinião do povo a respeito, como ocorreu no caso das campanhas pelo desarmamento, pela Ficha Limpa e pelo limite da terra. Trata-se de uma questão que não pode ficar restrita nas mãos de poucos, é uma realidade do povo e este deve participar da discussão.

Amanhã, dia 03 de outubro, é o grande dia! É o dia de exercer o direito e o dever de participar e de decidir o melhor para o Brasil. Cada eleitor é livre para decidir em quem votar. Não podemos nos deixar influenciar pela Igreja, pelo Governo, pelos jornais e revistas. É preciso analisar, estudar o candidato, pois um país mais justo e fraterno, não depende somente da fé que professamos e do nosso esforço, mas também e, sobretudo, dos nossos governantes. Por isso, vote consciente, seja cidadão, participe!


Tiago de França