segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A encarnação do Verbo de Deus e a conversão


No dia 25 de dezembro de cada ano celebramos o Natal de Jesus. Ninguém sabe da data do nascimento de Jesus. Isto significa que o Natal que celebramos não é a festa do aniversário de Jesus. Reduzir o mistério da noite natalina a uma festa de aniversário é desconhecer o verdadeiro sentido do Natal. Além dos que confundem o Natal com o aniversário de Jesus encontramos também os que transformam o Natal numa ocasião de muita comida e bebida. É o tempo do refrigerante coca-cola, do Papai Noel, da árvore de Natal e tantos outros símbolos. É um tempo de festa!

Certamente, não podemos ignorar, nem considerar errada a alegria das pessoas e das famílias na celebração do Natal. É a festa da vida e do reencontro das pessoas em torno da mesa. Mas tudo isto ainda não fala plenamente do Natal de Jesus. O mercado induz as pessoas a mexerem no bolso e comprar presentes. É o período dos grandes lucros, assim como na Páscoa, em que o Papai Noel dá lugar ao coelho e ao chocolate, o mercado também ensina as pessoas a, muitas vezes, comprar o que não precisam. O importante é comprar! Quem ficar de fora da oferta e da procura não participou de tais festas.

O mercado “paganizou” o Natal de Jesus, ou seja, tirou Jesus do centro e o colocou na periferia da consciência das pessoas. Estas só conseguem comer, vestir, calçar e dar presentes. Para não ser tão radical, reconheçamos as exceções que existem na multidão dos que celebram o Natal, pois existem pessoas que se recordam que é no Natal que celebramos a encarnação do Verbo de Deus. Estas pessoas descobriram o verdadeiro sentido do Natal, pois se encarnando em nossa história Jesus assume nossa condição e habita entre nós. Ele veio das alturas dos céus para ficar definitivamente entre nós. Jesus não veio fazer uma visita, mas veio fazer história com as mulheres e homens sofredores deste mundo.

João Batista, o precursor de Jesus, pediu a conversão do coração de cada pessoa, pois somente pela via da conversão é que temos um coração sensível para acolher o Messias de Deus. Como acolher Jesus? Para acolhê-lo é preciso trilhar um caminho composto por três etapas: a primeira refere-se ao querer. Eu quero acolher Jesus? Tal acolhida se dá na liberdade dos filhos e filhas de Deus. Ninguém está obrigado a acolher Jesus. Ele é o Deus da liberdade. Quem se sente e se considera filho ou filha de Deus precisa acolher seu Irmão maior, do contrário, é cair em grave contradição.

A segunda etapa refere-se em reconhecer Jesus do jeito que ele se apresenta. Como Jesus se apresenta? Jesus nasceu pobre, viveu pobre e morreu pobre. O Cristo da fé cristã nasceu na manjedoura. É preciso ter coragem para reconhecê-lo na pobreza de Nazaré, totalmente destituído de poder. A terceira e última etapa, uma vez tendo feito o propósito de acolher e reconhecido o enviado de Deus, agora é a hora da intimidade para com o Filho do Altíssimo, que se dá no seguimento fiel e perseverante. Acolher Jesus é segui-lo. Segui-lo significa aderir ao seu projeto, que se traduz na prática do amor e da justiça. É um desafio necessário e possível.

Trata-se de um processo de conversão. Muitas pessoas se consideram convertidas e salvas. Isto faz bem para o que podemos chamar de “auto-estima espiritual”, ou seja, é um sentir-se bem. Mas a conversão exige caminhar no deserto de nossa vida. João Batista foi o profeta do deserto. É no deserto que nos descobrimos melhor e nos convertemos aos poucos. A mudança de vida é uma exigência do caminho de Jesus. Quem não quiser se converter, é melhor desistir do caminho de Jesus, pois se trata de um caminho de conversão. Ninguém se coloca numa estrada para ficar parado, olhando as margens, a não ser que esteja numa encruzilhada e não saiba para onde ir, mas assim que se decidir, terá que caminhar. E o caminhar é um processo gradativo que perdura por toda a nossa existência.

Na caminhada da conversão o Espírito de Deus é o nosso auxílio revelador. Ele confere visão, disposição e força para trilhar o caminho. A nossa condição limitada não nos permite entender a plenitude do mistério da presença amorosa de Deus junto a nós, portanto, o Espírito do Senhor, que conhece até as profundidades de Deus nos revela a sua presença em nós e no mundo. Tudo é muito simples e sublime! Este mesmo Espírito nos revela que a conversão cristã faz com que a pessoa se torne verdadeiramente humana. O sinal verdadeiro que nos indica que estamos progredindo em nossa conversão é o fato de estarmos nos tornando cada vez mais humanos.

O mundo atual clama por seres autenticamente humanos, pois o processo de desumanização é preocupante. Um dos sinais mais visíveis a que assistimos na atualidade é a manifestação da natureza, que mata e destrói o homem e suas invenções. A natureza não foi criada para destruir o homem, mas para cuidar dele e atender às suas necessidades. O homem não foi criado para destruir a natureza, mas para cuidar e preservá-la. Assistimos a um total desequilíbrio do homem e da natureza e tal desequilíbrio ocasiona destruição e morte. Todo desequilíbrio é prejudicial.

Falar em conversão do coração nos dias de hoje significa despertar o gênero humano para a espiritualidade do cuidado. Não adianta projetarmos o futuro, pensando na aquisição de novos saberes, tecnologias e novas riquezas, se não tivermos condições de vida para alcançar tais aquisições. Temos que ser minimamente sensatos e repensarmos o sentido de nossa vida e de nossas ações. O que é mais importante na vida do homem? Penso que precisamos, antes de qualquer outra coisa, pensarmos e cuidarmos da vida. Sem vida nada somos, nem podemos ser. É urgente a conversão da consciência humana para o cuidado e a promoção da vida, pois acreditamos Naquele que é fonte da vida para todos e em todos faz a vida renascer todos os dias. A espiritualidade do cuidado nos faz crer que Deus cuida de nós e nos exige que cuidemos de nosso semelhante, preferencialmente dos que mais sofrem.

Depois da Solenidade do Natal de Jesus virá o fim do ano. O calendário civil coloca o dia 31 de dezembro como o fim do ano. Diante do fim do ano convido o leitor a pensar ou repensar as seguintes questões, num momento de silêncio, sozinho consigo mesmo: O que estou fazendo da minha vida? Qual a qualidade da minha vida? Para onde estou indo? Como anda a minha fé em Deus? O que estou fazendo em favor do meu próximo? O que penso de mim mesmo e do mundo que me rodeia? Estas indagações nos ajudam a pensar na vida. Pensar na vida faz bem. A conversão de nossa vida passa pelo pensar. Precisamos ser pessoas melhores, a fim de que possamos ter uma sociedade melhor, mais justa e solidária. Que o auxílio divino esteja sempre conosco!

Feliz Natal e Feliz Ano Novo!


Tiago de França

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

As músicas do Padre Fábio de Melo


Em todos os lugares por onde passo, quando visito as famílias, sempre escuto músicas do Padre Fábio de Melo. As rádios católicas costumam tocar músicas dele. Algumas pessoas têm me perguntado sobre o que penso do Padre Fábio de Melo e de suas músicas. E já que tenho um Blog na Internet e costumo escrever algumas linhas sobre vários temas, então resolvi escrever sobre as músicas do Padre Fábio de Melo. Inicialmente, quero que fique bem claro, que não irei escrever contra a pessoa do Padre, mas irei avaliar o conjunto de sua obra musical à luz da Palavra de Deus e da missão da Igreja no mundo. Certamente, os fãs do Padre não irão gostar de minha avaliação, pois pelo que vejo nas comunidades, a maioria se deixa levar pelo rítimo e pela sonoridade da voz do cantor e, muitas vezes, até pela sua beleza física!

Depois de ter escutado algumas músicas do cantor e de ter lido algumas letras cheguei a algumas conclusões, que ouso partilhar com o devido respeito que se deve ter a um padre católico e ao conjunto de sua obra. Percebo certo romantismo nas músicas, apesar das letras serem de teor religioso. Como é este romantismo? A maneira como as músicas são cantadas e o conteúdo da letra transmite o que chamo de romantismo religioso, ou seja, uma maneira apaixonada de falar de Deus. O Padre consegue cantar o Deus de amor que se revela em Jesus. Trata-se de um romantismo envolvente que vai ao encontro da multidão carente de fiéis, que vivendo num mundo angustiante e depressivo, encontra na música do cantor um alívio momentâneo. Este alívio pode ser traduzido por uma dose de êxtase que se recebe na escuta atenta e envolvente da música. Segundo os que as escutam constantemente, as músicas tocam a alma e tranqüiliza o espírito perturbado pelos problemas cotidianos.

Este espírito tranqüilizador das músicas do cantor é que faz o mesmo ser escutado e comprado. Numa sociedade que leva as pessoas à depressão e à falta de controle, tais músicas são bem-vindas porque anestesiam os ouvintes, levando-os a gozar a paz interior. Esteticamente, o cantor se envolve com a letra e com a melodia da música e desta forma toca os corações dos ouvintes, levando-os a crer que Deus resolve todos os problemas daqueles que confiam e crêem em seu poder. Tais músicas levam as pessoas a se entregarem sem reservas ao Deus que tudo sabe e tudo pode, intensificando uma experiência filial e amorosa com Aquele que nos ama incondicionalmente. Tudo é belo porque faz bem. A espiritualidade transmitida é a da paz sem conflitos, ou seja, aquela paz que se consegue numa relação direta com Deus, sem a interferência do outro, nem do mundo. Este precisa se abandonado.

Até aqui os fãs do cantor estão concordando plenamente, pois é assim que compreendem e sentem as músicas. Vamos responder a uma indagação inquietante que nos levará a refletir de forma mais profunda as músicas do Padre Fábio de Melo:

- Qual a ligação que existe entre as músicas e o projeto do Reino de Deus?

Em relação às músicas penso que não é necessário falar mais nada, pois elas falam por si mesmas. As linhas de pensamento que apresentei são suficientes. Falemos agora do Reino de Deus. A oração do Pai nosso diz: “... venha a nós o vosso reino...” Isto quer dizer que o Reino de Deus vem a nós. Isto significa ainda que o Reino de Deus não vai acontecer numa outra dimensão, afinal de contas não há outro mundo senão este no qual habitamos. A espiritualidade do Reino de Deus nos leva a nos comprometer com o amor, com a justiça e com a paz. O amor gera a justiça e esta gera a paz. Os fãs do cantor podem argumentar dizendo: “Mas as músicas do Padre Fábio de Melo falam do amor!” Diante desta argumentação, pergunto: A que tipo de amor ele se refere nas músicas? Se falarmos do amor que gera a justiça, precisamos levar as pessoas a praticarem o amor na prática da justiça.

O amor de palavras é diferente do amor de atos. O amor do romantismo é o amor dos enamorados. Não sou contra este tipo de amor, afinal de contas somos seres de afeto, necessitamos do amor para viver. Para me fazer entender melhor, formulo outra indagação: A que me leva o amor que sinto? Se o amor que sinto não me leva a nada, mas somente a me sentir bem, este não é o amor de Deus. Na vivência do amor de Deus a máxima “sentir-se bem é o que interessa” não tem valor algum. O amar para somente se sentir bem marginaliza a prática da justiça, porque ao me sentir bem não preciso me preocupar com a vida do outro que não está bem. No fundo, trata-se de um amor egoísta e amor egoísta não é amor, mas narcisismo.

No projeto do Reino de Deus quem ama pratica a justiça e esta prática está intimamente ligada a este mundo. Por isso, toda música que se julga cristã precisa levar as pessoas à prática da justiça e não à negação da mesma. No vocabulário e na linguagem que compõem o projeto do Reino de Deus encontramos as seguintes palavras: amor, justiça, transformação, mundo, pobres, compromisso, respeito, partilha, solidariedade etc. Convido os fãs e os ouvintes das músicas do Padre Fábio de Melo e de outros como as do Padre Marcelo Rossi, a procurarem nas letras das músicas tais palavras, logo verão que elas não fazem parte do projeto musical de tais cantores. E porque não fazem parte? Porque a preocupação não está voltada para a construção do Reino de Deus, mas para o sucesso.

Cantar o projeto do Reino de Deus não dá ibope nas emissoras de rádio e TV. Por quê? Porque elas não estão preocupadas com a situação emergente do mundo, mas em ganhar dinheiro e prestígio social. Cantar o projeto de Jesus no mundo não vende CDs e DVDs, pois se trata de uma linguagem profética que incomoda aquelas pessoas que acreditam em Jesus, mas que não tem coragem de aderir a seu projeto de amor e de justiça. Por isso, a grande maioria dos cantores católicos e evangélicos da atualidade está preocupada em ganhar dinheiro e fama, e para que isto aconteça, o cantor precisa cantar o que o ouvinte quer ouvir: músicas que não perturbem a consciência. Tais músicas não formam a consciência autenticamente ética e cristã comprometida com a transformação do mundo.

Para que o leitor não fique pensando que eu não gosto de músicas religiosas, convido-o a escutar as músicas do cantor Zé Vicente e do Padre Zezinho, scj. Este último, aos poucos, está como que “desaparecendo” do cenário da música católica, porque na opinião de muitos, suas músicas se tornaram ultrapassadas por não falar do êxtase do amor de Deus. O primeiro é conhecido nas Comunidades de Base da Igreja, pois canta a vida do povo, aquilo que o povo vive. O cantor religioso precisa cantar a realidade vivida pelo povo e não ficar pairando realidades desconhecidas ou levando as pessoas a se entregarem a sentimentos anestésicos e muitas vezes, alienantes.


Tiago de França

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os destinatários do Reino de Deus


“Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas
vos precedem no reino de Deus”
(Mt 21, 31).

Algumas palavras que compõem o pensamento ou a verdade de Jesus nos causam surpresa e até espanto. Para algumas pessoas, tais palavras são causa de escândalo e até confusão. O versículo acima é uma verdade que não é aceita por muita gente, apesar de serem palavras de Jesus. Muitas pessoas as aceitam superficialmente, porque na prática cotidiana das relações interpessoais julgam ou condenam os publicanos e as prostitutas de hoje. Tais palavras traduzem a verdade que se contrapõe ao tradicional pensamento puritano de muitas pessoas que pensam estar seguindo Jesus.

Na Igreja temos muitas pessoas que odeiam e se distanciam daquelas que são consideradas impuras pela sociedade: prostitutas, homossexuais, ladrões, beberrões etc. Na maioria dos casos são católicos praticantes daquilo que denominamos pietismo. Quem são as pessoas pietistas? São aquelas que aderem às práticas religiosas de forma alienada. Os pietistas são amigos da “lei da pureza” que prega o puro e o impuro, ou seja, que ditam para as demais as regras de conduta moral que não podem ser quebradas e as que se desviam são excluídas da convivência religiosa.

Os pietistas costumam dizer com a boca que odeiam o pecado. Quase tudo no mundo é pecado! Para eles, Deus é o Juiz severo que não dorme, nem cochila; é o guarda que não perde a oportunidade para corrigir ou punir com severidade aqueles que se desviam de sua lei. Tais pietistas costumam se confessar muito com os presbíteros, pois possuem uma noção negativa do pecado, ou seja, pensam que pecam gravemente contra Deus a todo o momento. Professam e anunciam que este mundo está perdido e só perde as pessoas, e que o seguimento de Jesus se reduz à vida ascética de penitência e oração. A participação constante na Missa, na Eucaristia e no Sacramento da Reconciliação é algo fundamental para a vida ascética dos pietistas.

“Tiago, ele não foi a Missa na semana passada e agora quer ir e comungar. Como pode isto? Antes, precisa se confessar, pois faltar a Missa é um pecado grave!”, me dizia uma senhora que confessa assistir à formação do professor Felipe Aquino toda semana pela TV Canção Nova. Os pietistas costumam se julgar melhor do que os outros. Nas Igrejas denominadas “evangélicas” costumam anunciar que já estão salvos no nome de Jesus. Para elas o compromisso com a justiça do Reino de Deus não existe, pois a ação do cristão resume-se à adesão das práticas religiosas (penitências, orações, sacramentos etc.), a fim de serem arrebatadas para o céu. O pietista só pensa no céu. Por isso, precisa se “purificar” constantemente, preparando-se para a parusia do Senhor.

No tempo de Jesus estes alienados já existiam. Aliás, eles existem desde que o homem inventou a religião. Levando em consideração a Boa Nova anunciada por Jesus, tal alienação religiosa é muito prejudicial. Podemos elencar alguns males do estado pietista de muitos “cristãos”: Não conseguem viver a comum-unidade, pois não conseguem ter vida comum com os demais pecadores, nem viver unidos com eles; não constroem o Reino de Deus, pois só pensam na salvação da própria alma; não visam a transformação da sociedade, pois pensam ser responsabilidade somente do Governo sem a contribuição da religião; promovem a desunião, pois costumam formar “guetos” (grupos seletos, farisaicos) dentro da Igreja etc.

O Concílio Vaticano II, que pensou a Igreja enquanto Povo de Deus tentou desmistificar o pietismo, pois antes do Concílio a Igreja estava voltada totalmente para si mesma e separada do mundo dos homens, ou seja, não se compreendia a Igreja dentro do mundo, mas fora dele. O culto era um momento celeste na terra. As leis e os rituais eram rígidos. Para aproximar-se do recinto sagrado, o fiel precisava se purificar. A linguagem do pecado estava constantemente presente na pregação dos presbíteros. Estes eram considerados seres especiais e separados, pois eram destacados externamente e não podiam se misturar, tidos como servos conhecedores e detentores dos mistérios de Deus.

Com a progressiva queda de tal espiritualidade, que mais oprimia do que libertava, a Igreja aos poucos se volta para o mundo e para a acolhidos dos pecadores. Trata-se de um voltar-se com misericórdia, pois se descobriu que a linguagem ameaçadora do pecado não funciona mais, dado o avanço da consciência cristã dos que aderem à fé. Expressar a verdade evangélica de forma misericordiosa significa acolher as pessoas e levá-las ao seguimento de Jesus. Não se trata de enquadrá-las nas leis e exigências canônicas, mas de conscientizá-las da necessidade da construção do Reino de Deus no seguimento de Jesus. Tudo isto é um caminho de liberdade.

É perceptível a resistência de muitos ordenados, consagrados e leigos às mudanças apontadas pelo evento Vaticano II. Infelizmente, há uma “cultura do retorno” ao modelo de Igreja construído pelo Concílio de Trento. Tal retorno não é possível porque a grande maioria do povo não aceita. O povo não fala com discursos, pois não entendem a linguagem eclesiástica, mas fala com posturas e atitudes. Antigamente, a hierarquia falava e o povo obedecia. Hoje, a hierarquia fala e o povo vai pensar se aceita. Por isso, a Igreja precisa repensar sua pregação, pois por mais que pensemos que as pessoas balançam positivamente a cabeça diante de nossa pregação, elas estão analisando se tal pregação tem sentido para a vida concreta delas.

As prostitutas e os publicanos precisam ser acolhidos. Estas pessoas formam uma grande parcela de nossa sociedade. Esta exclui e condena tais pessoas, mas evangélica e misericordiosamente a Igreja precisa acolhê-las. É isto que Jesus nos pede. Enquanto membros do caminho de Jesus precisamos acolher aquelas pessoas para as quais Jesus veio, os pobres e os pecadores públicos. Os santos são aquelas pessoas que acolhem como Jesus acolheu. É verdade que não é tarefa fácil, mas é nossa missão. É preciso tomar cuidado para não nos excluirmos a nós mesmos do Reino de Deus excluindo de nossa convivência e de nossa amizade as prostitutas e os publicanos de nossos dias. O Reino de Deus pertence aos excluídos e marginalizados. Que o Deus da vida nos liberte dos pecados da omissão e da exclusão.


Tiago de França

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

As favelas, as chuvas e os pobres


As favelas fazem parte dos grandes centros urbanos do país. Quem são os moradores das favelas? Os pobres. Discriminadamente, fala-se que a favela é lugar de gente “ruim”, de pessoas perigosas, que ameaçam a ordem social. Tudo mentira! Não existe gente ruim, nem gente boa; mas existem pessoas que fazem o mal e o bem. Rotular as pessoas e discriminá-las nas categorias da bondade e da maldade é um equívoco gravíssimo. Antes de qualquer ação, todos são pessoas e na dignidade de pessoa todos devem ser respeitados. Na sociedade humana e social toda pessoa tem direitos e deveres. Quando há harmonia entre os direitos e os deveres, a sociedade vai bem, do contrário, a desordem torna-se presente e os que mais sofrem são os pobres, que numa sociedade injusta têm os seus direitos desrespeitados. Não há pessoas perigosas ou que ameacem o convívio social, afinal de contas, toda pessoa é dotada de razão; mas existem pessoas que são violentadas em sua dignidade e respondem violentamente a tal violência.

Além de serem vítimas da violência desenfreada, os pobres favelados também sofrem gravemente com as chuvas, pois a localização geográfica das favelas é totalmente desfavorável. As favelas não se encontram nos centros das grandes cidades, salvo raras exceções. Para citar somente uma exceção cito uma pequena favela que há no coração do bairro Aldeota, na cidade de Fortaleza – CE. As pessoas mais ricas desta cidade moram na Aldeota e nesta há um pequeno aglomerado de pobres que resistem em morar em pequenos cubículos. Segundo a Defesa Civil do Estado de São Paulo, aproximadamente 60 mil pessoas moram em favelas. São as grandes periferias da cidade, situadas em morros sujeitos a deslizamentos. Quando estes acontecem, os pobres ficam sem casa para morar. São lugares que não oferecem a mínima condição para a sobrevivência de seres humanos, pois faltam moradia, saúde, saneamento básico, educação, segurança, lazer, trabalho e alimentação de qualidade.

Os pobres que residem em tais circunstâncias têm suas vidas marcadas pela marginalização social. Esta é caracterizada pelo esquecimento governamental. Investem-se milhões de reais em gastos com construções de avenidas, estádios de futebol etc. para receber os jogos olímpicos e a copa do mundo e se esquecem de investir na qualidade de vida das pessoas e na erradicação das favelas. Na verdade, não se trata de esquecimento, mas de má vontade política, pois a grande parcela de nossos governantes está preocupada em criar novas estratégias para desviar as verbas públicas, como é o caso do democrata Arruda e companhia, em Brasília, DF. E para mostrar que são “religiosos”, no ato do crime ousam invocar o nome de Deus para elevar aos céus uma prece de ação de graças pelo bom êxito da operação criminosa. O que desperta a esperança é a certeza evangélica que ensina duas verdades para este caso: a primeira, é “que nada é oculto que não se descubra”, a segunda é que a justiça do Reino de Deus não faltará aos pobres.

É preciso analisar as causas e estudar soluções para a situação dos favelados. A estrutura das favelas não permite o oferecimento de boa qualidade de vida aos pobres, ou seja, é preciso erradicar as favelas das grandes cidades através da construção de moradias dignas para o povo. A moradia é um direito constitucional. Não cabe à religião, nem às organizações não governamentais a construção de tais moradias, mas ao Poder Público. Os desvios de verbas e os grandes investimentos provam que não falta dinheiro público para se investir em moradias dignas para a população carente. Repito: O que falta é boa vontade política. Diante da situação, que é emergente, a sociedade é chamada a se organizar e reivindicar seus direitos. As Igrejas são também chamadas a apoiar as iniciativas de defesa e promoção da dignidade da pessoa humana, abandonando as pregações alienantes e capitalistas, que em nada contribuem para a libertação integral das pessoas.

Por trás da destruição das favelas, que se dá por causa dos deslizamentos ocasionados pelas chuvas encontra-se o clamor da natureza que não suporta mais as agressões constantes por parte do ser humano. Agressões que se manifestam através de queimadas, poluição de mares, rios e lagos, desmatamentos, emissão de gás carbônico etc. Começa hoje, dia 07/11, a Conferência de Copenhague, que conta com a presença de delegações de 193 países. Estes terão seis dias de reuniões técnicas para encontrar e aprovar soluções práticas para a situação ambiental do planeta. Torçamos para que os maiores poluidores do planeta, EUA e China, possam se sensibilizar com a terrível situação ambiental da Terra e tomar iniciativas efetivas em favor da vida da natureza.


Tiago de França

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Fazer a vontade de Deus


“Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos céus,
mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus”
(Mt 7, 21).

Estas palavras de Jesus são seríssimas e serve de advertência para todos os cristãos de todas as Igrejas, pois sugerem responder a seguinte indagação: O que o Cristianismo está dizendo à humanidade hoje? Esta indagação pergunta pelo testemunho dos cristãos. Jesus ainda aponta para os que irão ser salvos. Ainda podemos indagar: Qual é a vontade de Deus? Certamente ninguém conhece os pensamentos de Deus, mas ao longo da história da salvação nos revelou sua vontade.

A Sagrada Escritura nos ensina que a glória de Deus é o povo livre. Desde o Gênesis ao Apocalipse encontramos a Trindade libertando o ser humano de seus pecados e da opressão. Por isso, o Deus dos cristãos é o Deus da liberdade, da libertação, é o Deus libertador. Em Cristo Jesus, Deus nos fala da alegria da vida. Ele se identifica com a vida, porque é a Vida por excelência. Toda vida procede de Deus, pois é a fonte da vida do homem e do universo inteiro.

Arrisco-me em dizer que o mundo de hoje, assim como o mundo de todos os tempos sempre careceu de vida e de liberdade. O homem em suas ações e relações se desviou da vida e da liberdade. É o próprio que ao longo da história vai produzindo a morte e a escravidão, pois estas não são oriundas do acaso, nem da ação diabólica, mas são coisas do homem mesmo. Sem saber fazer uso do livre arbítrio concedido pelo Criador, ele se destrói e torna-se escravo de si mesmo.

Com Jesus no meio de nós, Deus está nos dizendo que não desistiu de sua criação, nem se deixa temer pelas forças do mal, pois está acima de todas as coisas. Ele poderia libertar o homem de uma vez por todas “num passe de mágica”, mas o desenrolar da história tem provado que tal libertação acontece tendo o homem como coadjutor, ou seja, Deus está conosco no processo de nossa libertação. A libertação acontece na comum-unidade, tendo a Deus como guia e força maior que motiva e colabora sem cessar.

A citação acima revela claramente que o Reino de Deus é daquelas pessoas que procuram fazer a vontade divina. É engano nosso pensar que podemos fazer plenamente a vontade de Deus. A nossa condição de pecadores nos ensina que isto não é possível. Penso que Deus não nos pediu isto, ou seja, com tal afirmação Jesus quer nos ensinar que só fará parte do Reino de Deus as pessoas que trabalharem na sua construção. E como ficam as pessoas que passaram toda a vida dedicada somente ao culto divino? Pelo que disse Jesus, para elas não há lugar.

Não é que o número dos que serão salvos seja limitado, ou que foram excluídas do Reino de Deus, mas simplesmente porque se recusaram a construir o Reino. Certamente, a oração deve fazer parte da vida do seguidor de Jesus. A oração é necessária, pois é uma das formas de encontro amoroso com Deus. É preciso praticar a verdadeira ORAR – AÇÃO. Quem sabe orar participa da construção do Reino, pois o orar sem a ação é incompleto.

A efervescência do pentecostalismo de pessoas da Igreja Católica e das demais denominações religiosas é um fenômeno presente em nossos dias. Tais práticas religiosas só são prejudiciais se não levar em conta a realidade da vida das pessoas, preferencialmente das que sofrem, ou seja, quando aliena e escraviza as pessoas, tais cultos se tornam abomináveis aos olhos do Deus da vida e da liberdade revelado por Jesus. Por isso, o Cristianismo é chamado a rever sua caminhada, a fim de poder contribuir com a autêntica libertação do gênero humano no mundo. Não podemos reduzir o Cristianismo às práticas religiosas que não contribuem com a salvação integral do ser humano.

O caminho ensinado por Jesus é de vida e liberdade para todos. A mensagem de Jesus está para a vida do homem. A missão do Cristianismo é anunciar ao mundo tal mensagem, fazendo com que todos os homens se reconheçam como irmãos no amor. Foi isto que Jesus nos pediu, que pelo amor reencontremos o caminho da vida e da liberdade. Se não revisarmos a nossa maneira de pensar e de agir no mundo, particularmente vejo que a humanidade não terá futuro. O nosso futuro está em crermos no amor que nos salva.


Tiago de França

sábado, 28 de novembro de 2009

Advento: Tempo de esperança e de alegria


“Bendito sejais, Deus bondoso, pela luz de Cristo,
sol de nossa vida, a quem esperamos com toda a ternura do coração”
.

O Tempo do Advento dá início ao Ano Litúrgico da Igreja. Há relatos de que o Advento começou a ser vivido pelos cristãos entre os séculos IV e VII em vários lugares do mundo como preparação para o Natal. Na Gália (atual França) do século IV e na Espanha, o Advento tinha caráter ascético com jejum e penitência e duração de seis semanas como na Quaresma. Com a reforma litúrgica, passou a ser celebrado durante quatro semanas. Durante este Tempo não se canta o Hino de Louvor nas Celebrações da Palavra e da Eucaristia; a cor litúrgica é roxa; usa-se a coroa do advento com as quatro velas e as principais figuras que aparecem na Liturgia da Palavra são: os profetas Isaías e João Batista, São José e sua esposa Maria, e Jesus, que é o centro e o sentido maior da celebração de todo o ano litúrgico.

A espera, a expectativa, a alegria e a conversão formam o conjunto temático do Tempo do Advento. Os judeus esperavam o Messias prometido. Ele veio e eles não o receberam (cf. Jo 1, 11). Desde a subida de Jesus aos céus, após a ressurreição dentre os mortos, os cristão esperam sua parusia, ou seja, a sua volta gloriosa. É um tempo de expectativa porque não sabemos o dia, nem a hora em que Jesus virá. É um mistério insondável. Ninguém sabe, a não ser o Pai (cf. Mc 13, 32). É um tempo de alegria porque não somos chamados a viver a penitência quaresmal, mas a alegria da vinda definitiva de Jesus. A conversão também é característica do Advento, porque este também é um tempo de preparação. Preparamo-nos para celebrar o nascimento daquele que veio com a missão de inaugurar o Reino de Deus e ser nosso Salvador.

Advento também é tempo de esperança. A vinda de Jesus ao mundo é sinal de que Deus não decepciona a esperança humana. Ele cumpre com sua palavra e envia-nos o socorro maior, seu amado Filho Jesus Cristo. A esperança vivida pelos seguidores de Jesus não é qualquer esperança, mas uma esperança que não decepciona (Rm 5, 5). Trata-se de uma esperança que os leva a lutar contra toda desesperança. É uma força que move-nos para a construção do Reino. Somente alimentados pela esperança é que somos capazes de sobreviver às aflições e aos desesperos a que estamos submetidos nos últimos tempos. A vivência da fé cristã restaura-nos para a vivência da esperança.

Estamos diante do aumento da fome, da violência, da corrupção e da crise de humanidade que explica a origem de todas as demais crises. As pessoas estão cada vez mais depressivas, impacientes, insensíveis, egoístas e individualistas. Os aspectos religiosos e o sagrado da dimensão humana estão cada vez mais banalizados. Há certo desespero tomando conta das pessoas, levando-as, no caso de muitas delas, à descrença no valor e sentido da vida. Falar e viver a esperança neste contexto de sobrevivência é de extrema importância e é justamente aqui que aparece a Boa Notícia do Advento. As pessoas precisam saber e crer que o Deus da vida, que é plena bondade e misericórdia, não abandonou o gênero humano na destruição e na morte.

Diferentemente do que muita gente pensa, o nosso Deus está presente e vive conosco a história sofrida de cada dia. Quem acredita em Jesus precisa anunciar a experiência do amor, pois somente esta é capaz de salvar o mundo da destruição que se aproxima. Os homens precisam se conscientizar da necessidade de viver e permitir que outras gerações vivam no futuro. O cuidado com a vida é manifestação do amor que temos pela vida de nosso semelhante e pelo Deus de nossa fé. Quando promovemos e preservamos a vida da pessoa e da natureza estamos provando que realmente amamos a Deus. Ninguém pode dizer que ama a Deus se não cuida da vida do outro. Cuidar da vida do outro é cuidar da própria vida, porque somos irmãos em Cristo, filhos de um mesmo Pai que nos ama.

Percebe-se que o ódio e a vingança entre as nações e entre as pessoas estão aumentando cada vez mais. Por que isto? Porque o amor está sendo deixado de lado, e os interesses mesquinhos estão tomando conta das relações sociais e interpessoais. As pessoas estão se tornando intensamente estranhas umas às outras. O espírito de eliminação daqueles que são considerados “inválidos” para o convívio social está tomando conta do pensar e do agir das pessoas. O ser humano só vale quando produz e quando tem poder aquisitivo para comprar aquilo que é supérfluo, do contrário, precisa ser eliminado porque não serve e só atrapalha o falso desenvolvimento e a falsa harmonia do mercado e das relações entre as pessoas. Isto tudo pode ser chamado de cultura de morte, porque só tende para a destruição da dignidade da pessoa humana.

O autêntico seguidor de Jesus é chamado a combater a cultura de morte que impera no mundo atual e tal combate se dá pelo anúncio do Evangelho de Jesus, que é vida e liberdade para todos. Valores como justiça, solidariedade, partilha, perdão, compreensão, tolerância, amizade entre tantos outros, ajudam na construção de um mundo melhor. Independentemente de qualquer coisa ou circunstância precisamos acreditar no ser humano e a partir dele construirmos um mundo de paz e justiça. Somente quando a justiça fizer parte das relações entre os homens é que teremos um mundo de acordo com a vontade de Deus. É preciso constatar e valorizar as pessoas e as organizações que se comportam justa e coerentemente na luta por uma sociedade justa e solidária, por isso, intensifiquemos esta luta e finalmente viveremos em paz.

Preparar-se para a Celebração do nascimento de Jesus não é só recordar que ele veio até nós, mas assumirmos em nossa vida seu projeto de justiça, de amor e de paz. O desafio é grande, mas não é impossível. Sabemos de nossas limitações, mas em meio a elas e com a ajuda da graça divina podemos fazer a vontade de Deus na construção de seu Reino entre nós. Não nos deixemos vencer pelo medo da morte, nem pelas forças que ameaçam a vida, pois Jesus é o Emanuel, ele está conosco e mais intimamente unido às pessoas que padecem por causa do sofrimento e da perseguição. O nosso Deus é justo e fiel e jamais nos abandonará nas mãos da morte que impiedosamente nos amedronta. Vivamos, pois, intensamente, este santo tempo de graça e salvação e que Jesus renasça no mais íntimo de nosso ser e revigore nossas forças, a fim de que não recuemos diante das dificuldades da vida presente. Que Jesus nos liberte da cegueira que nos impede de vê-lo na vida de nossos irmãos e irmãs que sofrem. Vigiemos!


Tiago de França

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ver o essencial


"Só se vê com o coração. O essencial é invisível aos olhos".

(Antoine Saint-Exupéry)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

O Conselho de Ética do Congresso Nacional


A Resolução nº 20, de 1993 instituiu o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal. Na Câmara dos Deputados o mesmo foi criado em 2001. O que é o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar? “É o órgão encarregado do procedimento disciplinar destinado à aplicação de penalidades em casos de descumprimento das normas relativas ao decoro parlamentar”, informa o portal da Câmara dos Deputados na Internet. O Conselho pode aplicar as seguintes penas aos parlamentares:

- advertência: que pode ser aplicada pelo Presidente da Casa Legislativa, do Conselho ou pelo Presidente de uma Comissão;
- censura: é aplicada, por exemplo, quando um parlamentar desacata outro parlamentar;
- suspensão: é a perda temporária do mandato, que é decidida pelo Plenário, em votação secreta, por maioria simples. É aplicada, por exemplo, quando um parlamentar faltar a 10 sessões ordinárias consecutivas sem motivo justificado;
- perda de mandato: é decidida pelo Plenário em votação secreta e exige maioria absoluta (41 votos, no caso do Senado). É aplicada, por exemplo, quando um parlamentar cometer “atos contrários à ética e ao decoro parlamentar capitulados nos artigos 4º e 5º da Constituição”.

Percebe-se que a estrutura e composição do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar de ambas as Casas Legislativas Federais são muito inteligentes e organizadas. Parece tudo perfeito, mas infelizmente não funciona. O erro mais vergonhoso cometido pelo Conselho de Ética do Senado foi o arquivamento de onze processos contra o Senador e Presidente do Senado Federal, José Sarney (PMDB – AP). O problema não está na estrutura e composição jurídicas do Conselho em si, mas na falta de idoneidade e ética por parte de boa parte de nossos parlamentares, tanto no Senado quanto na Câmara. Arquivam-se, descaradamente, diante dos olhos de toda a nação processos contra a corrupção explícita de parlamentares que só mancham e envergonham a política brasileira.

A edição de ontem (23/11) do Jornal Nacional retratou a corrupção por parte de parlamentares que se utilizam de notas “frias” para justificar os gastos da verba indenizatória (15 mil reais por mês). Os corruptos sabem tanto que as CPIs e o Conselho de Ética não funcionam, que aparecem na reportagem com justificativas mentirosas, tentando enganar a nação brasileira. No fim da reportagem, o corregedor da Câmara dos Deputados, deputado ACM Neto (DEM – BA), querendo aparecer como um político “justo”, mandou seu recado afirmando que quem não comprovasse licitamente os gastos seria levado ao Conselho de Ética da Câmara. O neto de um dos maiores corruptos da história política brasileira falando em Ética parece até piada!... Os políticos brasileiros são os mais bem pagos do mundo, visto que, além do salário mensal, que por si já é um absurdo, ainda têm verba indenizatória e todas as despesas pagas pelo Estado (transporte, alimentação, moradia, material gráfico, segurança etc), além dos suplementes e do foro privilegiado junto ao Poder Judiciário. Os políticos criminosos são especiais, não podem ser julgados pela justiça comum, mas somente por eles mesmos!

Diante disso, pergunto: Até quando, nós, brasileiros, vamos tolerar uma aberração dessas? Perderemos tempo e dinheiro se esperarmos que os próprios parlamentares cortem tais regalias injustas. É verdade que o que salva a política brasileira é o pequeno número daqueles, que apesar do sistema corrupto, se mantêm firmes na busca do bem comum da nação, como é o caso, por exemplo, do deputado Chico Alencar (PSOL – RJ) e da senadora Marina Silva (PV – AC), frutos da ação política de eleitores conscientes da importância do voto e da política para a vida social do país. O regime democrático exige de cada cidadão a crença na política. Precisamos acreditar na possível arte de governar em vista do bem comum da população. É verdade que as estruturas políticas e partidárias não favorecem, pois os interesses particulares e grupais estão acima dos interesses do povo, mas os testemunhos de homens públicos como do falecido senador Jefferson Peres (PDT – AM) e do senador Cristovam Buarque (PDT – DF) demonstram que a política em nosso país tem jeito de ser reorientada.

A reflexão ética convida-nos a pensarmos na atual situação política de nosso país. Penso que o regime democrático é possível quando contamos com representantes políticos comprometidos com as grandes causas sociais. Precisamos resgatar a ética, a honestidade, a responsabilidade e o autêntico compromisso com aquilo que pertence ao povo na política de nosso país. A sociedade precisa se organizar cada vez mais em torno das discussões de questões de interesses nacionais. Todo cidadão é um sujeito político e todos são responsáveis pela situação do país. A omissão não pode fazer parte da cultura política dos brasileiros. Indico o Portal Transparência do Governo Federal (http://portaltransparencia.gov.br), lançado em 2004, como sugestão de leitura e informação. Através deste recurso, o cidadão pode acompanhar a execução financeira dos programas do governo. O Portal Transparência é uma iniciativa da CGU – Controladoria Geral da União, órgão que fiscaliza os gastos públicos.

Costumamos criticar nossos governantes. Isto é justo e necessário. Não podemos aceitar os desvios de verbas e de conduta moral de políticos que não governam em favor do povo. O que não é justo é desconhecermos a administração da máquina pública e das ações governamentais em favor da população e ficarmos apresentando críticas infundadas e preconceituosas. A crítica só constrói quando está fundamentada na verdade dos fatos, sendo assim desprendida de falsas acusações e do sensacionalismo midiático, que mais confunde do que esclarece. O cidadão precisa ler, pesquisar e informar-se; escutar o noticiário e discernir a verdade das circunstâncias apresentadas, do contrário, continuaremos tendo um povo ignorante que não sabe tomar decisões políticas, nem avaliar a situação conjuntural que se manifesta.

Tiago de França

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido


Paulo Freire, educador brasileiro e considerado cientista da educação, escreveu a obra Pedagogia da Esperança, que considerada como um “re-dizer” e um reencontro com a Pedagogia do Oprimido, obra escrita e publicada por ele em 1967. Trata-se de releitura crítica onde o autor se reencontra com o primeiro texto. Ele reler a partir das transformações que se dão na realidade e a partir também das críticas recebidas por aqueles que não entenderam a Pedagogia do Oprimido ou discordaram dela.

A centralidade da proposta educacional de Paulo Freire está na ligação que ele faz da educação com a transformação da sociedade. Ele defende a idéia de que a educação tem um papel importantíssimo com o processo de libertação da pessoa humana. Partindo da idéia de que vivemos num estado de opressão constante, os sujeitos que promovem a educação devem utilizá-la como instrumento eficaz de transformação.

A Pedagogia da Esperança se apresenta como um aprofundamento da obra anterior, a que faz referência durante todo o texto. Ele reafirma as primeiras convicções, buscando responder com mais clareza os pontos principais e relevantes. A pedagogia construída por Paulo Freira é uma pedagogia que se constrói a partir da realidade das massas oprimidas. Por isso, ele defende a idéia de que a realidade sofrida das massas é o lugar da construção do saber popular. Um saber que tem cientificidade, mas que está intimamente ligado com a praticidade da vida comum do povo simples.

Ele fala que a esperança é uma “necessidade ontológica” do ser humano. Este precisa da esperança e do sonho para viver e construir um mundo melhor. A educação tradicionalista (pragmática) não leva em consideração o sonho e a esperança; antes, desmerece plenamente o autêntico sentido e valor de ambos, anulando assim a possibilidade do conhecimento transformador. A educação pragmatista promove a adequação do sujeito à ordem social, ou seja, simplesmente ajuda o sujeito a se conformar com aquilo que está estabelecido.

Não se trata de qualquer esperança, mas de uma “esperança crítica”, ou seja, uma esperança que não torna a pessoa estática (paralisada, alienada no tempo), mas que leva para a ação. É uma esperança não-saudosista, uma esperança que faz a pessoa enxergar o opressor “fora de si”, levando-a, ainda, a reinventar a própria realidade e reconfigurar a vida. Desta forma, a educação é como que um “motor” de transformação social, mas que sozinha não pode transformar. A transformação só é possível quando a educação está atrelada à prática política do sujeito. Aqui entra o aspecto da democratização da escola pública, do ensino e de todo o processo ensino-aprendizagem.

A escola precisa falar para o mundo e não para si mesma. Ela precisa levar a pessoa a entender a palavra, mas antes desta, o mundo que o circunda. Ele diz enfaticamente que “a leitura do mundo é anterior à leitura da palavra”, por isso, que no seu método, Paulo Freire defende uma leitura do mundo do estudante, antes de levá-lo ao encontro do puro saber teórico. A realidade crua e nua precisa ser enfrentada pelo educando, que auxiliado pelo educador aprende a fazer uma leitura da realidade pelo viéis da esperança. Esta o leva a superar aquilo que Paulo Freire chama de “situações-limite”.

Ele também fala da importância da linguagem e defende a idéia de que esta é o caminho para a invenção da cidadania. A linguagem tem um papel muito importante na história, pois ela consegue formular e desmascarar as ideologias opressoras e alienantes. O educando, chamado a ser sujeito cognoscente, é um ser de linguagem. A linguagem proporciona a compreensão do pensar e este é chamado a repensar o homem também como ser relacional.
A obra fala ainda da superação dos sectarismos através do ato de educar. Só que não é qualquer ato educacional, mas o ato de educar politicamente. A importância política do ato de educar leva o educando a assumir-se a si mesmo como indivíduo e como classe, libertando-o do “medo da liberdade”. O papel do educador neste processo é de extrema importância, pois a prática educativa que leva em conta o espírito político ou o sujeito como ser social e política é uma prática que também considera o “senso comum” como fonte de saber, pois este revela o que povo pensa e faz, revela a realidade do povo.

Paulo Freire explica ainda o ato de ensinar. O que é ensinar, segundo ele? A resposta é simples: “Ensinar é um ato criador, um ato crítico, não mecânico”. O ato criador de ensinar revela que o educador não pode pensar que é o sabedor de todas as coisas ou que ele leva o saber aos educandos. Isto é pragmatismo. O educador precisa entender que o educando tem um saber a oferecer, pois este não é uma “tábua rasa”, vazia, sem conteúdo. A educação conteudista pensa justamente isto: pensa que o educando não sabe de nada e que veio à escola somente para aprender.

O ato crítico de ensinar revela que toda realidade precisa se compreendida. Nada ocorre por acaso. Tudo tem lugar, personagem, destinatários, causas. Assim, o educador precisa levar o educando a “desconfiar” das coisas tais como se apresentam, pois não há compreensão da realidade sem uma prévia compreensão. O olhar crítico do educando não é o olhar crítico do educador, ou seja, o educando não pode pensar ou ser induzido a pensar conforme o educador. Isto é enquadramento. O educando precisa ser despertado para o pensar e neste encontro fazer o confronto da teoria com a prática social.

Quando o educando pensa sua realidade e a realidade do mundo, tal como este se organiza e funciona, com sua dialética e seus sistemas elaborados, também passar a compreender a história como possibilidade. A história não está pronta, mas é constantemente construída pelos sujeitos sociais e históricos. Nesta construção a luta entra como categoria histórica. Paulo Freire ensina que “é preciso transformar a vida em existência”. Nós existimos. Nós somos. Eu não sou e você não é, mas nos construímos em sociedade. Ele diz a este respeito o seguinte: “Não sou se proíbo você de ser”.

Finalmente, ele fala sobre o medo na vida do oprimido. O medo “paralisa” o oprimido diante do opressor e da opressão. É justamente diante do significado do medo paralisante que ele reforça o conceito de esperança, como elemento fundamental para se recuperar a utopia como sonho possível. O medo é vencido pela esperança que move o ser humano para a luta incansável de um futuro melhor. A leitura crítica da Pedagogia da Esperança nos faz repensar o projeto educacional brasileiro. Trata-se de uma leitura que nos leva a repensar o conceito e o método educacional. Esta magnífica obra de Paulo Freire denuncia a falta de prioridade dos governos brasileiros no que refere à educação de sua gente. Fora da educação libertadora não temos sujeitos conscientes nem transformadores.

Tiago de França

Referência bibliográfica

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 245 p.

Obs.: Esta resenha crítica foi apresentada à disciplina de Didática II do Curso de Licenciatura em Filosofia no Instituto Santo Tomás de Aquino.

domingo, 22 de novembro de 2009

Cristo, rei do universo?


“Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade.
Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”
(Jo 18, 37).

O ano litúrgico na Igreja termina com a Solenidade de Cristo rei do Universo. Esta solenidade foi instituída pelo Papa Pio XI no ano de 1925. Esta Solenidade se parece muito com o Papa que a criou, pois foi Pio XI que assinou junto ao fascista Mussolini o Tratado de Latrão, que criou o Estado do Vaticano, em 1929. Pio XI se tornou o primeiro Chefe do Estado do Vaticano. Ele era um Papa muito preocupado com os interesses políticos da Igreja e tinha uma visão política da pessoa de Jesus, ou seja, segundo ele, Jesus deveria reinar sobre todos os reinos deste mundo e sendo o Papa o Pontífice e Soberano, detentor do poder espiritual, que supera todos os poderes temporais deste mundo. Em outras palavras, com tal Solenidade o Papa pretendia dizer ao mundo que todos deveriam escutar a Igreja, pois ela foi fundada pelo Rei do Universo. Por isso que a pretensão “fora da Igreja não há salvação” se disseminou facilmente no seio da Igreja com o documento Christus dominus, decreto publicado no pontificado de Paulo VI. Esta é uma visão breve do sentido histórico da Solenidade.

O novo dicionário Aurélio apresenta as seguintes informações sobre a palavra rei: 1. Soberano que rege ou governa um Estado monárquico; 2. Em certos casos, título do marido da rainha; 3. Indivíduo que se distingue entre outros; 4. Aquele que detém poder absoluto. Jesus não se encaixa em nenhum destes significados. A história do reinado de Herodes e dos reis romanos retrata algumas características dos reis: opressores, mentirosos, assassinos etc. Na categoria de opressor se encontra o explorador, o tirano, o manipulador etc. Tudo isto se resume num sistema em que o povo não é livre e plenamente explorado. Quem se opor à vontade do rei é perseguido e assassinado. Todos os membros do reino são súditos do rei. Ele é o senhor. E com o desenrolar da história o rei é coroado pelo Papa em nome de Deus. Diante destas informações, perguntamos: Jesus foi mesmo rei? Estamos certos de que Jesus não tinha nenhuma das características do perfil de rei acima mencionadas.

Jesus não nasceu na corte imperial, mas numa manjedoura de Belém, terra de Judá. O rei é um homem rico e dominador, Jesus nasceu pobre, viveu pobre e morreu pobre, não tinha poder sobre ninguém. Jesus era livre em relação a todos e todos eram livres em relação a Jesus. A autoridade imperial era lembrada constantemente e temida por todos, Jesus não tinha, humanamente falando, autoridade nenhuma. Não podia nada. Jesus nunca se autoproclamou rei dos judeus, nem se impôs como Deus. Alguns pensavam que ele iria reinar neste mundo, tomando o poder de Herodes, mas sua entrega na cruz disse e mostrou o oposto. Jesus foi respeitado pela Boa Notícia que pregou e pelos milagres que fez. Os judeus não o aceitaram como o Messias prometido, nem como Salvador. Não aceitaram Jesus como Filho de Deus, é o que João diz no prólogo de seu evangelho (cf. Jo 1, 11). Nestas condições, pode-se afirmar que Jesus era rei?

Creio profundamente que Jesus até hoje continua sem ser compreendido. Colocaram na cabeça de Jesus uma coroa de ouro, sendo que a sua verdadeira coroa foi de espinhos. Certo dia, entrei na sacristia da Basílica Menor de Nossa Senhora das Dores, em Juazeiro do Norte – CE, e vi uma imagem do Cristo rei. Confesso que fiquei escandalizado e pensei imediatamente: “Meu Deus, tiraram as insígnias de Herodes e colocaram em Jesus”. Uma verdadeira deformação da pessoa de Jesus. Precisamos alimentar em nós o Cristo da manjedoura e da cruz. Como diz o teólogo jesuíta Jon Sobrino: “O Ressuscitado é o crucificado”. A partir do que Jesus fez, entenderam que ele queria ser o rei dos judeus e o acusaram disso. Na crucificação, acima de sua cabeça está escrito: “Jesus Nazareno, rei dos judeus”. Os doutores da lei e fariseus, diante do Sinédrio acusaram Jesus de ameaçar o poder de Herodes. De fato, a postura política de Jesus ameaçou qualquer poder opressor, pois ele denunciou as injustiças contra os pobres, mas a acusação tinha o tom de dominação, ou seja, eles acusaram Jesus de querer tomar o poder de Herodes.

É verdade que Jesus fala do Reino de Deus. De fato, ele o inaugurou, mas Jesus ainda não reinou neste mundo. Como poderia Jesus está reinando neste mundo se o mundo está desse jeito, repleto de males? Cremos na construção do Reino de Deus e na volta definitiva de Jesus. Aí, sim, ele reinará, pois haverá novo céu e nova terra, onde a justiça e o amor prevalecerão. Os homens reinam e governam tendo em vista seus interesses particulares. Jesus reinará na justiça, na verdade e no amor (cf. Is 11, 1 – 9). Ele diz a Pilatos o que veio fazer neste mundo: “dar testemunho da verdade”. Enquanto eles estavam preocupados com o poder, Jesus pensava na verdade. Em outro trecho do mesmo evangelista está escrito: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32). É a verdade que precisa reinar, pois libertos da mentira e da confusão construímos um mundo melhor. A realidade de nosso mundo mostra que a mentira e a falsidade fazem parte das relações entre os homens, enquanto seguidores de Jesus somos chamados a viver na verdade. Não há seguimento de Jesus fora da verdade, pois esta identifica o autêntico cristão.


Tiago de França

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Dia Nacional da Consciência Negra


No dia 20 de novembro de cada ano, os brasileiros são convidados a refletir sobre a Consciência Negra. Os negros fazem parte da história e da formação do povo brasileiro. Todo brasileiro é fruto da mistura de brancos, índios e negros. Ninguém escapa disto. O sangue que corre em nossas veias é sangue de branco, de negro e de índio. Somos um povo miscigenado. Somos uma raça misturada. Somos uma diversidade de costumes e culturas. Tudo é muito rico e precisa ser valorizado, pois a miscigenação constitui a nossa identidade cultural.

Houve tempos no Brasil e também no mundo, em que havia duas raças: a do branco e a do negro. A vocação do branco era para ser senhor e a do negro ser escravo. Somente o branco é que podia ser padre, prefeito e doutor. Negro só servia para o serviço braçal, para servir às mesas, para a limpeza da casa e do serviço da cozinha, para cuidar dos animais e para cultivar a terra do patrão. O negro não precisava de documento, pois era vendido como mercadoria no mercado de escravos. O cidadão era o homem e a mulher brancos.

Para amenizar a dor e o sofrimento de sua condição, o negro dançava a capoeira e praticava o candomblé. Na invocação aos espíritos e entidades, procuravam alívio e sentido para a existência. Nas fazendas dos brancos católicos, o padre celebrava a Missa para que os negros pudessem ser dóceis com seu senhor. Não o senhor Deus, mas o senhor de engenho! Todos eram batizados e obrigados a professar a fé católica, mas como não se identificavam com a difícil e complexa doutrina católica, os negros se mantiveram fiéis ao candomblé e às demais práticas religiosas condenadas pela Igreja como “obras das trevas” e “satânicas”.

No século XVII, antes mesmo da princesa Isabel assinar a Lei Áurea, decretando a abolição da escravatura no Brasil, viveu em Alagoas a extraordinária e intrigante figura de Zumbi dos Palmares. Este era líder do Quilombo dos Palmares, comunidade que chegou a reunir mais de trinta mil escravos fugitivos de vários engenhos da região. Tratava-se de uma experiência de liberdade, vivida por homens e mulheres que não suportando mais o regime de escravidão, reuniam-se na vida comunitária formando uma realidade que ameaçou à ordem social vigente e incomodou os senhores de engenho. Aos vinte e cinco anos de idade, Zumbi se tornou líder da Comunidade quilombola e aos quarenta anos foi executado pelo bandeirante Domingos Jorge Velho a mando do Governador da Província de Pernambuco, no dia 20 de novembro de 1695.

Zumbi é símbolo da coragem, da ousadia e da liberdade. É símbolo de resistência na luta contra a escravidão, a discriminação e o preconceito raciais. A liberdade é constitutiva do ser humano e este só se realiza na liberdade. Todo homem e toda mulher deve ser livre. Ninguém deve ser escravo. Todo e qualquer tipo de escravidão contraria e fere a condição humana. É inaceitável o racismo e o preconceito contra toda e qualquer pessoa humana, seja ela branca ou negra. Não somos várias raças de seres humanas, mas somente uma, pois não há várias espécies de seres humanos, mas somos uma única espécie animal-racional. A Constituição do país é clara ao afirmar que todos são iguais perante a lei, apesar da violação dos direitos humanos. A intolerância nas relações sociais entre os seres humanos de diferentes cores e culturas é intolerável. As diferenças que se manifestam na diversidade cultural não podem gerar indiferenças.

A história prova que também a Igreja praticava o racismo e a discriminação contra os negros. Somente após o Concílio Vaticano II é que os negros puderam se tornar clérigos (padres, bispos e cardeais). É verdade que muitas vozes na América Latina levantaram-se contra a escravidão dos negros antes do Vaticano II. Podemos citar o Bispo de Chiapas (México, séc. XVI), o dominicano Bartolomeu de Las Casas. Mas diante da opressão, geralmente, a Igreja a legitimava covardemente por considerar “coisa normal” da época. Depois de muita reflexão, a Igreja optou por denunciar o racismo e se opor veementemente contra o preconceito racial. Há vinte anos foi fundada na Igreja a Pastoral Afro-brasileira, que visa “dar uma organicidade às diferentes iniciativas dos negros católicos que marcam presença na vida e na missão da Igreja” (cf. Site da CNBB, pastoral afro-brasilera). No Governo Lula também foi criada em março de 2003 a Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial, órgão da Presidência da República que coordena políticas afirmativas de proteção aos direitos de indivíduos e de grupos étnicos e raciais afetados por discriminações e outras formas e intolerância, com ênfase na população negra.

A luta dos negros por igualdade de direitos e deveres é uma luta por libertação. O testemunho da Sagrada Escritura mostra claramente que Deus não faz distinção de pessoas. Deus é de toda humanidade, raça de muitas cores e culturas. O autêntico seguidor de Jesus não pode praticar o racismo e/ou a preconceito racial, mas sentir-se e ser igual a todos, e lutar pela igualdade de todos. Os negros são chamados a não se sentirem inferiores aos brancos, pois não deve haver superioridade de cor entre os humanos. Se houvesse no Brasil uma consciência autenticamente formada, não precisaríamos reservar cotas para os negros ingressarem nas universidades, pois o negro não é inferior ao branco em matéria de inteligência e/ou capacidade intelectual. Um exemplo disso é o negro Joaquim Barbosa, Ministro do Supremo Tribunal Federal, mineiro de família pobre, que sempre estudou em escola pública e fez mestrado e doutorado em Direito pela Universidade de Paris, França.

Lutemos para que a justiça prevaleça em nosso país. Que os negros e os demais homens e mulheres de todas as cores e culturas aprendam a viver tolerantemente suas diferenças. Não somos melhores ou piores do que os outros, somos apenas diferentes. Que o amor, que supera toda e qualquer indiferença, nos faça viver unidos na diversidade e nas diferenças.


Tiago de França

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Uma assembléia


Contam que, em uma marcenaria, houve uma estranha assembléia.

Foi uma reunião onde as ferramentas juntaram-se para acertar suas diferenças.

Um martelo estava exercendo a presidência, mas os participantes exigiram que ele renunciasse.

A causa?

Fazia demasiado barulho e além do mais, passava todo tempo golpeando.

O martelo aceitou sua culpa, mas pediu que também fosse expulso o parafuso, alegando que ele dava muitas voltas para conseguir algo.

Diante do ataque o parafuso concordou, mas por sua vez pediu a expulsão da lixa.

Disse que ela era muito áspera no tratamento com os demais, entrando sempre em atritos.

A lixa acatou, com a condição de que se expulsasse o metro, que sempre media os outros segundo a sua medida, como se fosse o único perfeito.

Nesse momento entrou o marceneiro, juntou todos e iniciou o seu trabalho.

Utilizou o martelo, a lixa, o metro, o parafuso...

E a rústica madeira se converteu em belos móveis.

Quando o marceneiro foi embora, as ferramentas voltaram à discussão.

Mas o serrote adiantou-se e disse:

- Senhores, ficou demonstrado que temos defeitos, mas o marceneiro trabalha com nossas qualidades, ressaltando nossos pontos valiosos...

Portanto, em vez de pensar em nossas fraquezas, devemos nos concentrar em nossos pontos fortes.

Então a assembléia entendeu que o martelo era forte, o parafuso unia e dava força, a lixa era especial para limpar e afinar asperezas, e o metro era preciso e exato.

Sentiram-se como uma equipe, capaz de produzir com qualidade; e uma grande alegria tomou conta de todos pela oportunidade de trabalharem juntos.

O mesmo ocorre com os seres humanos.

Quando uma pessoa busca defeitos em outra, a situação torna-se tensa e negativa.

Ao contrário, quando se busca com sinceridade os pontos fortes dos outros, florescem as melhores conquistas humanas.

É fácil encontrar defeitos...

Qualquer um pode faze-lo !

Mas encontrar qualidades?

Isto é para os sábios !

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Algumas afirmações sobre Jesus de Nazaré


No domingo passado (15/11) fui convidado para falar sobre Jesus de Nazaré para um grupo de crismandos em um retiro. Então, diante do Evangelho de Jesus resolvi fazer algumas afirmações a respeito da pessoa e da vida de Jesus de Nazaré. Comentei sobre cada uma destas afirmações com os jovens. Eles ficaram um pouco “escandalizados”, pois, como esperava, percebi que eles tinham e/ou ainda têm uma imagem equivocada sobre Jesus. Cada afirmação merece um estudo aprofundado, mas por agora prefiro simplesmente partilhar tais afirmações. Na medida em que for lendo, convido-o a pensar sobre cada uma delas. Ei-las:

- Iniciemos com uma indagação: Qual a imagem que tenho sobre Jesus? Jesus não é uma idéia na história, mas uma pessoa.

- Outra indagação: O que se diz sobre Jesus? O Evangelho é a fonte segura de informações sobre Jesus (cf. Mc 15, 39).

- Jesus nasceu na pobreza de Belém, viveu pobremente no meio do povo pobre e morreu pobre na Cruz.

- Jesus foi enviado pelo Pai com a missão de inaugurar o Reino de Deus.

- Jesus foi igual a nós em tudo, exceto no pecado (cf. Hb 4, 15).

- Jesus foi amigo dos pecadores e comia com eles (cf. Mt 11, 19).

- Jesus não era sacerdote, nem levita, nem doutor da lei, mas filho de carpinteiro. Não exercia função importante na sociedade.

- Jesus realizou milagres para manifestar a presença de Deus (cf. Jo 9, 1 – 3). Ele não fazia para chamar a atenção, ou para ficar famoso e ser temido, mas para dizer que Deus é libertador.

- Jesus não era rei. Nunca se afirmou superior aos homens, apesar de sê-lo.

- Jesus não veio ao mundo para satisfazer os desejos das pessoas.

- Jesus nunca pediu para ser adorado pelos homens, mas pediu para que o seguissem.

- Jesus não veio para algumas pessoas, para uma religião ou para algum grupo, mas para toda a humanidade.

- Jesus não tem recompensa material para dar as pessoas. Ele não veio ao mundo para solucionar os problemas materiais e espirituais das pessoas.

- Jesus está no mundo, no meio do povo, presente na luta dos pobres (cf. Mt 28, 20).

- Jesus era livre e defendeu e promoveu com a própria vida a liberdade do ser humano.

- Jesus é centro da fé, da espiritualidade cristã e da vida do cristão. Crer nele é segui-lo dentro ou fora do Cristianismo.

- Jesus não é o Salvador das almas, mas da pessoa humana e de toda a Criação.

- Jesus é igual a Deus. Deus é amor. O mandamento de Jesus é o amor.

- Quem praticar o mandamento do amor será salvo, tendo prática religiosa ou não.


Tiago de França

sábado, 14 de novembro de 2009

Os sinais dos tempos


“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13, 31).

Não basta ao homem ser culto ou inteligente para ler os sinais dos tempos. A sabedoria meramente humana não leva o homem a enxergar o que o Espírito do Senhor revela na história. Enxergam-se e compreendem-se os sinais de Deus na história com os olhos da fé e com a iluminação do alto. Por isso mesmo, os homens de hoje, mesmo dotados da tecnologia e do avanço das ciências, estão como que perdidos sem saber que rumo tomar para a história.

A confusão de nossos dias, a insegurança do amanhã e a dispersão da comunidade humana são sinais vivos do esquecimento de Deus. É inegável a contribuição eficaz das ciências e dos frutos da inteligência humana para a qualidade de vida e o conforto para o corpo, mas é inadmissível que tenhamos tudo e percamos o fundamento de nossa existência. Deus é o fundamento de nossa existência.

Estamos no tempo do desespero da crise econômica, que aos poucos se acalma; da crise ambiental que se acentua; na trilha sem volta de um fim trágico. Falar de esperança e vivê-la nos dias de hoje é como que a água fecundando a terra seca. A terra sem a água fica como que infértil, sem vida. Assim é o homem que resolveu não mais acreditar na esperança que o impulsiona para a vida, fica seco, sem motivação para nada, torna-se pessimista e insuportável.

O Espírito do Senhor revela-nos o sentido e o valor da vida humana. Na criação do mundo, tudo foi criado pela palavra de Deus. Quando deu vida ao homem, Deus soprou-lhe as narinas e o homem se tornou um ser vivente. Nós somos seres vivos e não podemos viver como mortos. Ultimamente, a morte tem se manifestado tragicamente entre nós. Ela parece nos amedrontar, querendo nos imobilizar diante da vida. Mas não desesperemos, pois ela só tem aspectos que nos causam medo, mas a vida é maior. A vida é simples e está acima de todas as coisas. A vida do planeta, a vida do homem, a vida do cosmos é insuperável.

Encontro idosos, que diante do desespero das pessoas, desejam morrer. Encontro crianças, que olham para o futuro e não sabem o que querem ser. Encontro jovens, que desorientados no meio da confusão, desistem dos sonhos e mergulham na ficção do cinema norte-americano, no mundo das drogas e no pessimismo paralisante. Como poderá o mundo ter futuro se seus habitantes agem desta forma? Renovar a esperança que nos salva e que nos revigora diante dos sinais de morte que ameaçam a vida é urgentemente necessário. Anunciar e acreditar no Evangelho de Jesus hoje é anunciar e crer na esperança de um mundo melhor e possível.

No meio do barulho que nos ensurdece, resistindo ao sensacionalismo da mídia que pode nos alienar e crentes de que no mais profundo de nós o querer viver e viver dignamente está mais vivo do que nunca, nos unamos na esperança de um futuro melhor. Engajemo-nos nas iniciativas de promoção da vida. O Deus da esperança e da consolação está conosco. Ele é a vida plena e nos ama profundamente, muito mais do que ousamos pensar.

A Palavra revela que o desejo do coração de Deus é a vida plena da humanidade. As palavras dos homens passam, mas a certeza e a esperança que a Palavra gera em nós, jamais passarão. Acreditemos na Palavra de Deus, pois ela é a nossa salvação. O amor tudo pode e tudo transforma. Acreditemos no amor. Acima e apesar de tudo, amemos, pois fora do amor estamos perdidos.


Tiago de França

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Festa da Vida: Identificar, contemplar e celebrar


A sociedade capitalista de nossos dias é mercada pelos inúmeros sinais de morte que nos causam medo e angústia. O medo e a angústia imobilizam o ser humano na defesa e promoção da vida. Há duas violências que maltratam impiedosamente a humanidade hoje: a violência urbana e a violência ambiental. Para combatermos tais violências é preciso diagnosticá-las. VER a realidade crua e nua, JULGAR a partir da fé e do testemunho cristão e AGIR conforme o Evangelho de Jesus.

As estatísticas mostram que a violência está presente em todos os setores e realidades da vida humana. O homem, com o passar do tempo, está cada vez mais violento. Será isto fruto do acaso? De jeito nenhum! Todo e qualquer tipo de violência têm causas, personagens e lugares de atuação. Por isso, o cristão precisa se conscientizar da necessidade de ver bem tais realidades, a fim de que não possa se deixar alienar e pensar que é coisa do acaso ou do destino. Não há acaso, nem destino, quando se trata de violência; o que há é uma sociedade doente, internada na “UTI do descaso” e mergulhada nas injustiças sociais.

As injustiças de ordem política, econômica, cultural, religiosa e social causam a morte do homem na Terra. Governantes descomprometidos com verdadeiras políticas públicas de educação, saúde, segurança, moradia etc.; o racismo e o preconceito contra as minorias negras, analfabetas e pobres; a disputa ingênua e desrespeitosa entre as Igrejas e denominações e as profundas desigualdades sociais desumanizam a pessoa, tirando-lhe a vida. Todos querem viver, mas as condições básicas para a manutenção da vida é escassa e a falta de respeito para com o homem e o planeta é vergonhosa.

Diante de tantas injustiças, o cristão e o cidadão precisam mergulhar na luta por libertação. As reclamações, as denúncias, as insatisfações, as revoltas, as críticas e o número acentuado de desesperados são muitos, mas a sociedade carece de iniciativas radicais e revolucionárias para a transformação da realidade. É urgente que os poderes estabelecidos e reconhecidos se sensibilizem com as verdadeiras causas dos que padecem as injustiças. Os poderes públicos são responsáveis, segundo a Constituição do país, de defender e promover a vida e os direitos de todos os brasileiros. Se isto não ocorre, é necessário que a população tome conhecimento de seus direitos e reivindique pelo diálogo e pelo voto o cumprimento dos direitos já reconhecidos.

A participação na vida pública é deve do cidadão consciente que almeja um país melhor. A vida é publica e não particular. Todos merecem viver dignamente. Isto é um direito. Se o direito à vida está sendo violado é porque os sujeitos agredidos não movem suas forças na luta por libertação. A sociedade brasileira precisa acordar do “sono alienante” a que está submetida. Os direitos humanos precisam ser respeitados e revigorados, mas para que isto aconteça é necessário que todo cidadão mergulhe sem medo na discussão pública dos direitos e exija participar das decisões e dos rumos traçados para o país. Precisa-se urgentemente de uma democracia participativa, pois sem a participação do povo nos atos governamentais é impossível a construção da cidadania. Os governantes se mostram cada vez mais insensíveis e corruptos graças à falta de consciência política do povo brasileiro, que não sabe eleger mulheres e homens dignos da vocação política.

A sociedade civil organizada é motivo de ameaça para governantes descomprometidos com a trágica situação social, pois a organização dos membros da sociedade gera consciência e mobilização em favor da justiça e da verdadeira ordem social. Os poderosos da nação, proprietários do capital especulativo e opressor buscam sempre anular e incriminar a luta dos pobres por libertação. Um exemplo disso é o que está acontecendo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, que está sendo incriminado por segmentos políticos e latifundiários, insatisfeitos com as conquistas dos pobres em matéria de Reforma Agrária. O brasileiro precisa fazer uma leitura crítica da ação mentirosa e danosa dos detentores corruptos do poder, pois usam a lei e o discurso moralista para inviabilizar a luta dos oprimidos por libertação.

Diante desta calamitosa situação, o que a Igreja e demais Igrejas podem fazer para ajudar os pobres a ter mais vida e vida em abundância, como aponta-nos o Evangelho de Jesus? O Concílio Ecumênico Vaticano II afirmou enfaticamente: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para comunicá-la a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história” (Gaudium et Spes, n. 1).

O discípulo é toda pessoa que, pelo batismo e pela fé, aderiu ao projeto salvador de Jesus de Nazaré. O seguidor de Jesus deve permanecer unido ao clamor dos injustiçados, pois foi para os oprimidos que Jesus veio a este mundo. Ele veio para que todos possam ter vida e vida em abundância (cf. Jo 10, 10), e preferencialmente os pobres (cf. Lc 4, 18). E a Igreja, que busca ter uma fidelidade constante a Jesus, deve também fazer a opção de Jesus. O texto evangélico prova claramente que Jesus optou pelos pobres, pois nasceu, viveu e morreu pobre entre os pobres. Quando nasceu, não tinha onde nascer; quando viveu, não tinha onde reclinar a cabeça e quando morreu, não tinha onde ser sepultado. Desta forma, é inegável que, pelo desígnio do Pai, Jesus abraçou com alegria a condição dos pobres.

Nos documentos conferenciais do CELAM - Conselho Episcopal Latino-americano e do Caribe, desde Medellín até Aparecida, a Igreja resolveu, a exemplo de Jesus, fazer a opção preferencial pelos pobres. Assim diz o Documento de Aparecida, n. 397: “Nesta época costuma acontecer de defendermos de forma demasiada nossos espaços de privacidade e lazer, e nos deixemos contagiar facilmente pelo consumismo individualista. Por isso, nossa opção pelos pobres corre o risco de ficar em um plano teórico ou meramente emotivo, sem verdadeira incidência em nossos comportamentos e em nossas decisões. É necessária uma atitude permanente que se manifeste em opções e gestos concretos228, e evite toda atitude paternalista. É solicitado que dediquemos tempo aos pobres, prestar a eles uma amável atenção, escutá-los com interesse, acompanhá-los nos momentos difíceis, escolhê-los para compartilhar horas, semanas ou anos de nossas vidas e, procurando, a partir deles, a transformação de sua situação. Não podemos esquecer que o próprio Jesus propôs isso com seu modo de agir e com suas palavras: “Quando deres um banquete, convida os pobres, os inválidos, os coxos e os cegos” (Lc 14,13).

Ao mesmo tempo em que a Igreja reconhece a necessidade de se fazer a opção preferencial pelos pobres, também reconhece que tal opção ainda não foi feita plenamente. A opção preferencial pelos pobres é muito importante na defesa e promoção da vida, pois os pobres são, desde sempre, as maiores vítimas das injustiças sociais. É a vida dos pobres que está ameaçada. Optar pelos pobres não é somente assisti-los em suas necessidades materiais e espirituais, por meio da caridade evangélica, mas aderir às suas lutas por libertação. Neste sentido, a Igreja no Brasil tem feito um trabalho exemplar nas várias pastorais e organismos que compõem a ação laica da Igreja, mas diante da terrível situação a que assistimos a ação da Igreja é como que uma gota d’água no oceano. É preciso valorizar o que já se tem feito e intensificar cada vez mais a ações em favor da vida.

É verdade que não cabe somente à Igreja resolver os problemas sociais, pois temos governantes e Estados de Direitos constituídos, cuja responsabilidade na promoção humana é total. Na sociedade democrática e na vivência eclesial da fé todos somos responsáveis pelo respeito e promoção à dignidade da pessoa humana. Enquanto cristãos, Jesus se apresenta como o modelo de homem justo, pois seu testemunho foi pautado na prática da justiça. E como somos chamados a segui-lo, faz-se urgentemente necessário que a justiça faça parte do cotidiano de nossas vidas. É impossível seguir Jesus fora do caminho da justiça, conseqüentemente, é impossível construirmos uma sociedade nova sem o contributo da justiça. O Deus de Jesus e nosso Deus é o Deus da justiça, da verdade e da vida, para crermos nele precisamos viver a justiça e a verdade, pois só assim teremos vida.

É acreditando que a vida está acima de todas as coisas, que a Arquidiocese de Fortaleza, depois de ter celebrado a Campanha da Fraternidade de 2008, que teve como tema: “Escolhe, pois, a vida”, resolveu promover uma grande Festa pela Vida, que ocorrerá no dia 12 de dezembro do corrente ano, no CEU – Condomínio Espiritual Uirapuru, com o objetivo de identificar, contemplar e celebrar o sentido e o valor da vida, os sinais e a ações em favor da vida presentes nas comunidades eclesiais. Roguemos ao Deus da liberdade e da vida que torne os nossos corações sensíveis à dor e ao sofrimento de nossos irmãos e irmãs que padecem a violência das injustiças e que o Espírito que habita em nós nos impulsione à ação.

Tiago de França

Obs.: O presente artigo foi escrito a pedido do Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Fortaleza, Dom José Luiz, por ocasião da Festa da Vida.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Saber amar


"Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar".

(Machado de Assis)

domingo, 8 de novembro de 2009

Relatório da ONG Save the Children


Mais uma vez as notícias sobre a situação climática do planeta não são boas. Lendo o caderno Ciências do jornal Diário de Minas, edição deste domingo (08/11), encontrei o resultado sintetizado do relatório Feeling the heat – child survival in a chanching climate (sentindo o calor – a sobrevivência das crianças nas mudanças climáticas) da ONG Save the Children, lançado em Barcelona sobre as mudanças climáticas. Antes de apresentá-lo, peço ao leitor que não perca a esperança, pois, apesar das notícias não muito boas, precisamos continuar acreditando na vida. Acreditar na vida é alimentar a esperança que nos leva a posturas éticas em nosso relacionamento com o meio ambiente. Os números abaixo retratam nossa realidade. Não nos excluamos, nem fechemos os olhos diante dela. Os números denunciam a falta de consciência do homem na sua relação com a mãe natureza.

- 2 milhões de crianças com menos de 5 anos morrem anualmente por causa de doenças de fácil prevenção e tratamento. Cerca de 85 mil óbitos estão relacionados com as mudanças climáticas;

- Os casos de diarréia deve aumentar entre 2 e 5 por cento em 2009 nos países com renda per capita anual menor que US$ 6 mil. Em algumas partes da África, o aumento poderá ser de 10%;

- A malária já é responsável pela morte de 1 milhão de crianças por ano, sendo que 80% têm menos de 5 anos. Na África, a cada 30 segundos, uma criança morre em decorrência da picada do mosquito transmissor;

- Estima-se que, em 2050, 25 milhões de crianças estejam subnutridas;

- 45 milhões de pessoas passam fome no mundo como resultado direto da mudança do clima. A previsão é de que esse total aumente entre 80 e 210 milhões nas próximas décadas;

- 325 milhões de pessoas já são seriamente afetadas pela mudança climática. Quatro bilhões de pessoas estarão vulneráveis no futuro e 500 milhões se encontrarão em risco extremo;

- O percentual de territórios que sofrem severos períodos de seca passou, nos últimos 10 anos, de 1 para 3 por cento. A estimativa é que o índice chegue a 8% em 2020 e a 30% no fim do século;

- As safras de alimentos devem diminuir por volta de 50% na África em 2020. Em algumas partes da Ásia, é esperada a queda de 20%,

- Fontes de água potável vão secar, deixando 1,8 bilhão de pessoas a mais sem acesso à água por volto de 2080.

A tomada de posição por parte dos países emissores de dióxido de carbono é urgente, principalmente os EUA, que são os maiores poluidores. Se estas informações passarem despercebidas, não sei o que será do futuro da humanidade.


Tiago de França

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A esperteza e os espertos


O mundo é dos espertos
Mas também dos que não são
Os que são, pensam que vivem melhor
Vivendo na ilusão

A esperteza é amiga da vantagem
Esta é amiga do tirar proveito
Este é amigo daquilo que é bem feito
Das incertezas e dos jeitos

Desvantagens são para os lerdos
Que vivem dormindo na lentidão
De uma vida que passa despercebida
Aproveitada pelos espertos de plantão

Vantagens e desvantagens
Esperteza e lerdeza
Ilusão e realidade
Qual a vantagem da esperteza?

Na vida temos as circunstâncias
Onde o eu pode ser encontrado
Dependendo de cada ocasião
O esperto pode ser encontrado

A vida é um só dilema
Para espertos ou não
Uns sofrem mais, outros menos
O padecer e a finitude, a esperteza não transforma em ilusão

Lerdos ou espertos
Na vantagem ou na desvantagem
Todos os homens são iguais
Porque tudo o que é vivo
Morre


Tiago de França

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Viver


Nasci e comecei a morrer
Comecei a nascer
Morrendo

Morri e comecei a nascer
Comecei a morrer
Nascendo

Nascer
Começar
Morrer

Morro
Quando começo
A nascer

Esta é a dialética do vir-a-ser, viver.


Tiago de França

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Renunciar por amor


“Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim não pode ser meu discípulo.
Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem,
não pode ser meu discípulo!”
(Lc 14, 27.33)

A renúncia é uma das exigências do seguimento de Jesus de Nazaré. Sem renúncia é impossível segui-lo, pois optar por ele é renunciar a tudo o que se opõe ao Evangelho. Toda renúncia exige um esforço humano para ser realizada, juntamente com a graça de Deus que colabora no desprendimento daquilo que impede a pessoa de seguir Jesus. A graça não substitui a ação humana, mas colabora gratuitamente. É a ação divina na vida da pessoa que crer naquele que é a Vida. A graça divina não faz distinção de pessoas, mas age em toda pessoa que implora o auxílio divino na vivência dolorosa da experiência humana neste mundo. A ação divina em nós é silenciosa, humilde e oculta. Pela graça entramos em comunhão com Aquele que deseja ardentemente permanecer em nós e nos move para o bem. Este mover-se para o bem é a renúncia a todo o mal do mundo. É a ação de Deus em nós que nos capacita a fazermos o bem e evitarmos o mal.

O versículo 27 do capítulo 14 de Lucas como se pode conferir acima, apresenta Jesus com a exigência de se carregar a cruz. Trazendo para o hoje de nossa vida, quero transcrever um pensamento de um amigo professor do Seminário da Prainha: “É muito fácil e apetitoso trair Nosso Senhor pelo dinheiro ou pela fama, o difícil é abraçar sua cruz com amor”. Recebi recentemente por e-mail este pensamento. O autor estudou para ser padre, mas depois de concluída a formação do Seminário, optou pelo sacramento do matrimônio e hoje faz parte das Equipes de Nossa Senhora, movimento cristão que reflete sobre a realidade matrimonial. O autor do pensamento acima optou pelo matrimônio não por causa do celibato exigido pela Igreja, mas por causa da pobreza do ministério presbiteral. Quando estudava com ele História da Igreja e Economia e em nossas conversas informais, explicava-me que o presbítero e o bispo na Igreja devem ser homens pobres, e que somente a Igreja sendo pobre é que poderá ser escutada pelos pobres. Recordo-me de Dom Hélder Câmara que sonhava com a “Igreja dos Pobres” e que ensinava que quando a Igreja tornar-se pobre, o povo seria verdadeiramente Igreja e a Igreja verdadeiramente Povo de Deus.

Abraçar a cruz de Nosso Senhor com amor nos moldes da Igreja e da sociedade atual é algo dificílimo, porque tudo converge para o poder que se manifesta nas estruturas. O dinheiro e a fama, valores do capitalismo neoliberal, juntamente com o poder e a vaidade, também se infiltraram na vida da Igreja. Não preciso citar nomes de padres e bispos carreiristas, que só pensam na fama, no dinheiro, no poder e na vaidade; que são anti-valores evangélicos, que somente atrapalham na edificação do Reino de Deus entre nós. Abraçar a cruz de Nosso Senhor com amor é renunciar a tudo isto. Renunciar é uma experiência desagradável, humanamente falando, uma vez que somos seres tendenciosos. As influências de nossa sociedade doentia afloram as más tendências que há no homem tornando-o escravo de si mesmo e dos outros. Inebriado pelo poder, o homem se esquece do amor de Deus e do cuidado para com seu semelhante. Por isso que comecei esta reflexão falando do papel da graça em nós, pois sem ela não conseguimos agradar a Deus, nem nos libertarmos do fascínio do poder.


O versículo 33 do capítulo 14 de Lucas apresenta Jesus exigindo a renúncia de tudo o que se tem. É impossível negarmos que este versículo se refere às pessoas ricas, àquelas que detêm o poder financeiro. Os pobres, financeiramente, não têm nada para renunciar. É verdade que muitos pobres precisam renunciar a falta de união, de perseverança na luta pela libertação e a ambição pelo ter e pelo poder, pois temos muitos pobres que desejam ardentemente riquezas e poder, e quando conseguem ficar ricos passam da condição de explorados para a condição de exploradores. Um exemplo disso são muitos de nossos governantes, que desejaram e conseguiram ser eleitos tendo em vista somente os altos salários e mordomias, além dos desvios de verbas públicas. Na política, enveredar pelos caminhos da corrupção é mais cômodo e mais fácil que pelos da justiça e retidão. A situação é tão viciosa que muitos afirmam que político justo não existe e se existir não dura por muito tempo!

Para concluir e ilustrar esta reflexão apresento brevemente dois nomes que retratam muito bem o testemunho da renúncia ao poder e às riquezas. Trata-se de um Padre e de um Bispo. O Pe. José Antônio de Maria Ibiapina, mais conhecido como Padre-mestre Ibiapina, nasceu em Sobral, CE, em 1806 e faleceu em 19 de fevereiro de 1883, em Santa Fé, PB. Em 1832 recebe o título de Bacharel em Direito pela Faculdade de Olinda, PE, tornando-se em seguida professor da mesma. Em 1834 e 1835 foi nomeado Juiz de Direito de Quixeramobim, CE. De 1834 a 1837 foi Deputado Estadual da Província do Ceará. Concluído o mandato, resolveu regressar para o Recife, onde começou a advogar em favor dos pobres que não tinham condições para pagar advogados. Exerceu a mesma profissão na Paraíba, entre os anos 1838 e 1839. Depois disso, resolveu se recolher num retiro espiritual de três anos consecutivos para uma reflexão sobre a própria vida. Logo após, decidiu-se pelo ministério presbiteral. Tendo estudado Teologia, é ordenado por Dom João da Purificação Perdigão, Bispo de Pernambuco, em 26 de julho de 1853. Devido à aguçada inteligência, Dom João o nomeia Vigário Geral, Provedor do Bispado e professor de Eloqüência do Seminário de Olinda, mas não se deixando seduzir por tais ofícios honrosos, o Padre-mestre Ibiapina resolveu ir ao encontro dos pobres do Nordeste, como missionário. Não foi recebido em algumas dioceses, devido à inveja dos Bispos, mas foi bem acolhido pelos prediletos de Jesus, os pobres, a quem serviu pela prática da caridade. Faleceu com fama de santidade em sua Casa de Caridade preferida, em Santa Fé, PB, rodeado por suas santas beatas, mulheres dadas à caridade evangélica. Seu processo de canonização já está aberto em Roma. O Apóstolo do Nordeste já é reconhecido pela Igreja como Servo de Deus, após documento emitido pela Santa Sé em fevereiro de 1992. Padre-mestre Ibiapina é um exemplo de homem humilde e simples, de seguidor de Jesus de Nazaré junto aos pobres.

O segundo nome é mais conhecido ainda, pois viveu entre 1909 a 1999. Dom Hélder Pessoa Câmara nasceu em Fortaleza, CE e morreu em Recife, PE. Foi um dos maiores profetas do século XX, o maior da Igreja do Brasil. Fundador da CNBB e do CELAM, trabalhou incessantemente pela conversão da Igreja. Foi poeta, escritor, místico e santo. Quem o conheceu de perto sabe de sua sensibilidade e humildade para com os sofredores da sociedade de seu tempo. Dotado de um espírito crítico e perspicaz estava atento aos problemas sociais que assolavam a vida dos pobres. Homem de extraordinário poder de comunicação denunciou corajosamente a ditadura militar dentro e fora do Brasil. Amigo da verdade e da transparência ajudou a Igreja a repensar o processo de evangelização no Brasil. Identificado com a simplicidade, morreu pobremente entre os pobres em Recife, PE. Dom Hélder foi exemplo de cristão e de Bispo para a sociedade e para a Igreja. Tocados por tais exemplos possamos também trilhar o caminho de Jesus de Nazaré, que passa pela renúncia a toda espécie de poder opressor, portanto, contrário ao Evangelho da vida e da liberdade.


Tiago de França