domingo, 27 de setembro de 2020

São Vicente de Paulo: amigo dos pobres

 


       Sacerdote francês, nasceu em 1581, e morreu em 27 de setembro de 1660. Inicialmente, pensava numa carreira promissora, para ajudar a família, que era pobre. Naquele tempo, para muitos, o sacerdócio era como um "meio de vida", ou seja, caminho certo para ganhar dinheiro, prestígio e poder na Igreja e na sociedade.

         Mas o Pe. Vicente de Paulo, após inúmeros insucessos, percebeu que Deus o chamava para ser aquilo que todo padre é chamado a ser: Servidor. Diante do estado humilhante e deplorável em que se encontravam os pobres na França daquela época, o Pe. Vicente de Paulo logo se deu conta de que Deus o chamava para servir aos pobres.

Em 1625, fundou a Congregação da Missão (Padres e Irmãos Lazaristas), com a missão de evangelizar os pobres. Esta é a destinação especial e exclusiva da Congregação. Com a valiosa colaboração de Santa Luísa de Marillac, em 1633, fundou a Companhia das Filhas da Caridade, com a mesma finalidade: Evangelizar os pobres.

O Pe. Vicente de Paulo foi canonizado em 1737, pelo Papa Clemente XII. Posteriormente, em 1885, foi declarado Patrono universal de toda as obras de caridade. São Vicente passou toda a sua vida fazendo o que Jesus fez: Com palavras e obras, evangelizou os pobres. Pela primeira vez na história da Igreja, uma Congregação religiosa de padres e irmãos nasceu para evangelizar, somente, os pobres. O mesmo se diga da Companhia das Filhas da Caridade, formada por mulheres simples, inicialmente camponesas, para o cuidado dos pobres.

O carisma vicentino tem na pessoa de Jesus o seu centro. São Vicente era profundamente cristológico. Muito preocupado em formar padres que cuidassem dos pobres, incluiu no carisma da Congregação o empenho na formação do clero. Desde a sua época até os dias atuais, especialmente no período que vai da fundação da Congregação até a realização do Concílio Vaticano II, os Padres e Irmãos Lazaristas atenderam ao apelo de São Vicente, e contribuíram com a formação de milhares de padres diocesanos em muitas partes do mundo.

A celebração da memória de São Vicente é uma feliz oportunidade para recordar o lugar dos pobres na vida e missão da Igreja. Infelizmente, no seio da Igreja tem surgido inúmeros grupos e comunidades que se ocupam muito com a oração e pouco com a ação. A caridade exige serviço organizado e proximidade com os pobres. Não se trata de oferecer esmolas aos pobres, mas de se envolver com seus dilemas, ajudando-os a resolvê-los. Não se trata, também, de substituir os pobres em suas lutas por uma vida digna, mas de oferecer apoio, orientação, formação; ajudá-los a serem sujeitos da própria libertação. Foi isso que São Vicente ensinou a fazer.

Que o Espírito do Senhor nos torne sensíveis ao sofrimento dos mais pobres, pois, dizia São Vicente: "Os pobres são nossos mestres e senhores". Precisamos unir oração e ação, sendo, desse modo, contemplativos na ação. Do contrário, seremos uma Igreja de muita reza e pouca caridade.

São Vicente de Paulo, rogai por nós!

Tiago de França

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

A experiência libertadora do perdão


“Não existe cristianismo sem misericórdia” (Papa Francisco).
            A ninguém se deve negar o perdão. Esta regra da vida cristã enche de alegria o coração de Deus. Na oração do Pai nosso, o discípulo de Jesus pede ao Pai: “... e perdoa-nos a nossas dívidas como também nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12). É preciso não esquecer do pedido completo: Pedir perdão a Deus e perdoar o próximo. Não é correto somente pedir perdão a Deus e negar o perdão aos outros. O próprio Jesus diz isso, ao afirmar que se deve perdoar “de coração” aqueles que nos ofendem (cf. Mt 18,35).
            Perdoar de coração significa perdoar de verdade, sem falsificar o ato de perdoar; sem guardar rancor, nem ressentimento; sem ficar lembrando, nem resmungando. O perdão verdadeiro parte do coração. Este, sim, liberta a pessoa. Negar o perdão é uma experiência escravizadora. Quem assim procede não é livre, porque demonstra incapacidade de perdoar. Portanto, trata-se de uma experiência que não é possível sem o auxílio da graça de Deus.
            Para perdoar é necessário, também, superar o espírito de vingança presente no mundo. Pagar o mal com o mal não é atitude do seguidor de Jesus. Essa forma nociva de agir faz com que a violência cresça e domine as pessoas, os grupos e a toda a sociedade. O que seria do mundo se todas as pessoas pagassem o mal com o mal?... Não há nenhuma vantagem na vingança. No lugar desta deve existir a compaixão, porque “se não tem compaixão do seu semelhante, como poderá pedir perdão dos seus pecados?” (Eclo 28,4).
            A realidade tem mostrado que vivemos numa sociedade enferma, escandalosamente marcada pela cultura do ódio. Os discursos de ódio se multiplicam e enfraquecem as relações interpessoais, fragmentando e contaminando o tecido social. Esta cultura é marcada pela intolerância, desrespeito, preconceito, julgamento e condenação, demonização e perseguição. Cresce o clima de hostilidade e confusão. Estas formas de violência passam a ser consideradas como “normais”, e as pessoas vão se acostumando com as múltiplas formas de agressão que se cometem em praticamente todos os lugares.
            Também no seio do cristianismo, vergonhosamente, assistimos a esse estado de coisas. Pessoas e grupos, que se intitulam “religiosos”, alimentam a cultura do ódio em nome de Deus e da fé cristã. Não conseguem enxergar a contradição que há entre os discursos de ódio e a fé em Jesus. Praticam a violência usando a Palavra de Deus! Fazem o que a Palavra reprova: julgam, condenam, excluem, marginalizam, desprezam e agridem pessoas, grupos e instituições. Perdem facilmente o senso do ridículo, com palavras e gestos incompatíveis com a fé cristã.
            O perdão é uma necessidade do ser humano, e a comunidade cristã deve ser lugar de reconciliação. O cristianismo não deve ser sinal de discórdia no mundo, mas instrumento da misericórdia de Deus. Para isso, os cristãos precisam dar testemunho desta misericórdia, sendo misericordiosos uns com os outros.
O perdão é prático, simples e libertador. Não é uma teoria, um discurso ou uma ideia, mas um instrumento de aproximação, congregação e de unidade. A paz também é fruto do perdão. Na discórdia não há paz, mas consciência pesada, espírito abatido e desassossego. Quando verdadeiro, o perdão é capaz de tranquilizar o coração e silenciar o espírito, libertando da perturbação.
            Deus não se cansa de perdoar, e pede que façamos o mesmo. Não há limites, nem condições para o perdão. Deve-se perdoar os outros não porque estes merecem, mas porque Deus exige. A experiência de Jesus é exemplar para todo cristão: Na cruz, pediu ao Pai que perdoasse os seus algozes (cf. Lc 23,34).
O perdão é fruto do amor. Jesus muito perdoou, porque muito amou. O amor exige e gera o perdão: Quem muito ama recebe de Deus o perdão dos pecados (cf. Lc 7,47). Deus não olha, em primeiro lugar, os muitos pecados dos pecadores, mas espera o arrependimento sincero, de coração, e a disponibilidade para a conversão.
            Para fazer a experiência do perdão é necessário ter a humildade de reconhecer os próprios pecados, porque sem este reconhecimento ninguém pede, verdadeiramente, perdão a Deus. O orgulhoso e prepotente não recebe o perdão de Deus. É necessário se despojar de todo orgulho e espírito de superioridade e, batendo no peito, inclinar-se diante de Deus e pedir perdão.
É assim que o pecador inicia o seu processo de conversão. Sem o reconhecimento das próprias fraquezas não é possível agradar a Deus. O cristão é salvo por pura graça de Deus, sem mérito pessoal algum. Por isso, o caminho que conduz à vida passa, necessariamente, pela prática da misericórdia. Fora da misericórdia não existe salvação, porque Deus é misericórdia. Uma pessoa pode ser muito religiosa, mas se não for misericordiosa, vã é a sua religiosidade. Sejamos, pois, misericordiosos.

Tiago de França

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

A força transformadora da palavra de Deus


“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra (2Tm 3,16-17).
            A Igreja católica venera as Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, e sempre a considerou como regra suprema da sua fé (cf. constituição dogmática Dei Verbum, n. 21). Esta veneração mostra, claramente, a importância que a Igreja confere à palavra de Deus, considerada regra suprema da sua fé. Isto significa que nenhuma palavra humana, por mais religiosa que seja, é mais importante que a palavra de Deus. Somente a palavra divina permanece para sempre e pode ser aceita como norma suprema da fé da Igreja.
            Na liturgia, durante a celebração da Eucaristia, o fiel recebe o pão da palavra de Deus e do Corpo do Senhor, que constituem alimento para a sua vida e missão. Jesus está presente tanto na proclamação da palavra de Deus quanto na partilha do pão eucarístico. Ele é a palavra de Deus, enviada ao mundo para a salvação da humanidade (cf. Jo 1,1-2.14). Acolhê-lo é compromete-se com o que ele viveu e pregou. No centro de sua mensagem está o Reino de Deus, e quem o adere, compromete-se com este Reino. Ao anunciar Jesus, a Igreja anuncia a totalidade da sua mensagem, sem nada tirar, nem acrescentar.
            No cotidiano da vida cristã, a palavra de Deus deve ocupar lugar central. Sem a leitura e meditação da palavra não é possível se configurar a Jesus. Esta configuração é uma exigência do seguimento, porque seguir Jesus não consiste em admirá-lo. Segui-lo é tarefa, compromisso e adesão radical. A palavra de Deus leva o crente a esta tarefa, compromisso e adesão: esta é a missão da palavra de Deus ao ser enviada, porque ela é como a chuva e a neve que descem do céu e para lá não voltam, sem terem regado a terra, tornando-a fecunda e fazendo-a germinar (cf. Is 55,10-11). A palavra realiza a missão que Deus quer que realize, porque a dotou de uma força capaz de tornar realidade a sua vontade.
            O encontro com Jesus nas Escrituras deve ser cotidiano, humilde, fecundo e transformador. Cotidiano, porque o discípulo precisa escutar sempre o que o Mestre tem a dizer. A leitura e meditação do evangelho é experiência constante e amorosa de escuta e contemplação, de aprendizado e conversão. Jesus não se cansa de ensinar e orientar seus discípulos na caminhada rumo ao Reino definitivo. Humilde, porque o discípulo precisa ter humildade para reconhecer que sem a palavra de Deus não é possível caminhar com ele. Sem a palavra de Jesus os discípulos de Emaús não teriam despertado para a realidade salvífica da ressurreição de Cristo (cf. Lc 24,13-35). Fecundo, porque a palavra, uma vez acolhida, fecunda o coração humano, transformando a pessoa naquilo que Deus quer. Transformador, porque, tendo acolhido a palavra, o discípulo muda radicalmente de vida, e se coloca na fileira daqueles que trabalham, diuturnamente, para tornar este mundo mais justo e fraterno.
            Não é possível que o discípulo de Cristo leia e medite a palavra de Deus, e não tenha a sua vida transformada. Se nada acontece após o encontro com a palavra, então há algo de errado; certamente, uma grave indisposição em acolher o que a palavra ensina e exige. Portanto, não adianta somente ler, meditar, contemplar a palavra, e carregar consigo a Bíblia; mas é necessário, principalmente, comprometer-se com a palavra de Deus. Sem compromisso não há conversão, e sem conversão não há salvação. Acolher a palavra é deixar-se transformar por ela, e essa transformação é discreta, progressiva, marcada por altos e baixos, alegrias e angústias, frustrações e êxitos.
            Ao acolher a palavra, o discípulo vai sendo trabalhado por ela. A conversão não é automática nem espetacular. O Pai de Jesus não é o Deus do espetáculo, mas é o Pai que se revela na brisa suave (cf. 1Rs 19,12). No silêncio do coração, Deus revela a sua vontade, porque a sua palavra ressoa sem cessar, causando uma paz inquieta. Isto é possível porque o Espírito do Senhor prepara a mente e o coração do discípulo para que a palavra encontre acolhida. Este mesmo Espírito transforma o coração humano em campo fértil, lugar propício para que a semente da palavra germine e frutifique. Ninguém consegue acolher e praticar a palavra de Deus sem o auxílio do Espírito do Senhor.
            Tiago de França