sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

O silêncio e a união com Deus


          Vivemos em uma época marcada pelo barulho. Tanto as grandes quanto as pequenas cidades são marcadas por uma cultura do barulho. Falta o silêncio até nas realidades rurais. Com o êxodo rural, também assistimos ao fenômeno da perda do silêncio por parte de quem foi obrigado a se refugiar nos centros urbanos. As pessoas, uma vez habituadas ao barulho, já não mais suportam ficar em silêncio para pensar na vida. Também inúmeros crentes não escutam a voz de Deus. Há uma desorientação espiritual generalizada porque falta o exercício da escuta. A obediência a Deus vem da escuta, e para escutar precisamos silenciar.

            Há vários tipos de silêncio. Algumas pessoas silenciam por medo; outras porque são silenciadas; outras, ainda, porque são obrigadas pela força das circunstâncias. Há também as que se utilizam do silêncio para fugir da própria realidade, isolando-se do mundo e das pessoas. Nestes e noutros casos, temos o silêncio exterior, pois, interiormente, a pessoa está mergulhada no barulho que atormenta e tira a paz. Portanto, o domínio da língua é o primeiro passo; o segundo é o silêncio da mente e do coração.

            Independentemente do barulho externo, é possível estar em plena sintonia com Deus, ouvindo-o, silenciosamente. A experiência dos místicos cristãos, ao longo da rica e bela história do cristianismo, mostra que é possível viver em sintonia com Deus, com coração e mente em paz, mesmo diante do barulho ensurdecedor do mundo. Este barulho é um convite apelativo à dispersão e à confusão mental. Não há como enxergar com clareza as realidades complexas da vida sem o justo e necessário silêncio. Neste sentido, o silêncio pode ser uma opção espiritual de vida. Feita a opção, ele se torna como que uma espécie de alimento sem o qual não é possível manter-se sereno e em paz.

            A paz de espírito é fruto também do exercício do silêncio. Não nos parece possível a situação de uma pessoa que adotou o silêncio como lugar e oportunidade de encontro permanente com Deus e, ao mesmo tempo, mostrar-se violento e áspero com os outros. O silêncio cultiva na pessoa a graça da mansidão, tornando-a pacífica. Ser pacífico é diferente de ser passivo. Quem cultiva o silêncio para o encontro com Deus se torna desperto na vida. Espiritualmente, não dorme nem cochila, mas permanece atento aos sinais de Deus. Enquanto a multidão se ocupa com as imagens e sons produzidos pela cultura da dispersão, as mulheres e homens que vivem da contemplação divina permanecem com os olhos fixos em Jesus.

            Fazer silêncio não é tornar-se “mudo” nem adotar atitudes de desprezo às pessoas. Também é preciso ter cuidado para não alimentar o espírito mundano da superioridade em relação aos outros. Quem contempla a Deus não foge dos outros. Não existe chamado para a contemplação divina fora do mundo e numa constante atitude de distanciamento e/ou isolamento. O discípulo fiel, que aprende a amar na escuta amorosa do Mestre Jesus é alguém presente, e não um fariseu (separado). Jesus reprovou toda e qualquer atitude farisaica. Não agrada a Deus o fato de muitos se dedicarem à contemplação, desprezando os outros. Quem despreza os outros não está em sintonia com o Deus e Pai de Jesus.

            A mansidão e a ternura são frutos da ação do Espírito Santo. Este Espírito trabalha na vida daqueles que silenciam a mente e o coração para abrir-se à sua ação amorosa. Este silêncio também faz brotar outro dom extremamente necessário para uma vida espiritual saudável e fecunda: o discernimento. Para discernir bem é preciso silenciar, deixando Deus falar. Portanto, trata-se de uma atitude fundamental na vida cristã. Deus sempre aguarda a nossa decisão e nossa abertura. Ele nada faz sem que permitamos. Ele respeita a nossa liberdade e nossas escolhas. O exercício espiritual do silêncio é caminho fecundo de liberdade.

            Quem se torna íntimo de Deus por meio do silêncio, torna-se, simultaneamente, próximo das pessoas. O encontro com as pessoas é o lugar da manifestação do amor de Deus. O testemunho das Escrituras Sagradas, a experiência de Jesus e dos cristãos ao longo dos séculos mostram, claramente, que Deus está presente quando as pessoas se encontram e partilham a vida. Desse modo, ao cultivar o silêncio como lugar e oportunidade de encontro com Deus, o cristão precisa ter o devido cuidado para não cair na tendência que marca a nossa época: a do distanciamento entre as pessoas. É necessário se manter vigilante para não cair nesta tentação. O encontro com Deus faz o cristão tornar-se cada vez mais humano, e isto significa tornar-se próximo e acessível; alguém que trilha o caminho da conversão.

            Por fim, cabe-nos, ainda, dizer que o silêncio nos concede o dom da visão da realidade. Viver sem enxergar a realidade é terrível. Cego é aquele que vive enganado, mergulhado na ilusão. Mulheres e homens guiados pelo Espírito possuem, pela graça deste mesmo Espírito, o dom da visão. Mais do que enxergar a realidade para agir conforme a vontade de Deus, o cristão também passa a enxergar a ação amorosa de Deus, que tudo redime e transforma. Trata-se da busca de Deus em todas as coisas. Portanto, o silêncio gera a visão do Deus que é puro amor presente no mundo e na vida das pessoas.

            Nossas Igrejas cristãs hoje também estão como que contaminadas pelo barulho gerador da dispersão. Quase não encontramos silêncio nos templos religiosos. Com o aparecimento e fortalecimento cada vez mais crescente do neopentecostalismo, as pessoas se dirigem a Deus com muitas palavras e muito barulho. Acredita-se que as muitas palavras tocam o coração de Deus. Fala-se com Deus como se Ele necessitasse de muito barulho para ouvir e atender. Não foi isso que Jesus ensinou. Nesta hora difícil do peregrinar do cristianismo no mundo, torna-se cada vez mais urgente o exercício da escuta amorosa, em silêncio, para compreendermos e vivermos a nossa vocação no mundo.

Tiago de França

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

A segunda condenação do ex-presidente Lula


Saiu a segunda condenação do ex-presidente Lula. Já era esperada, pois na chamada "república de Curitiba", o ex-presidente é considerado, de antemão, um criminoso. Quando, previamente, há esta consideração, não adianta o trabalho da defesa. Permite-se a atuação da defesa somente para constar nos autos. Do contrário, o processo sofreria de nulidade.

Não há exagero nesta constatação. O que há de igual ou semelhante nas sentenças do ex-juiz Moro e da atual juíza do caso? Entre outros absurdos, existe a desconsideração dos elementos trazidos pela defesa aos autos do processo. Tudo o que a defesa trouxe aos autos foi simplesmente ignorado. Quando há o propósito de condenação é possível ignorar citando. É um modo inteligente de dizer que tudo foi visto e levado em conta. Mas a condenação mostra tudo.

O ex-presidente não é dono do sítio. Parece que neste ponto a juíza está de acordo. Então, qual o problema? O ex-presidente cometeu dois erros: primeiro, era amigo do dono. Isto não é crime, mas a sentença considerou como elemento coadjuvante da ação delituosa. Segundo, frequentou o sítio do amigo dono do sítio. Como a amizade era de longa data, e se tratava de uma figura ilustre ("o cara", como disse o Barack Obama, dos EUA), o dono do sítio deixou o amigo a vontade para visitar e usar o imóvel. A juíza viu nisso, acompanhando a acusação fantasiosa do MP, indícios de crime.

Mas o mais interessante são outros dois aspectos que, futuramente, farão o STJ e STF rever a condenação, se quiserem fazer justiça: a competência do juízo e a ausência de provas no que se refere ao benefício que o presidente teria recebido, sem ser o dono do imóvel, da empresa que fez as abençoadas reformas e/ou melhoramentos. Competência, no sentido jurídico-processual do termo, resolve a seguinte pergunta: Quem deveria julgar o processo? O sítio não está no Paraná. Por que, então, o processo foi instaurado lá? Qual a ligação do sítio com os desvios da Petrobras? O MP imaginou, não provou, e o juiz, que hoje é ministro de governo, se considerou competente para julgar. Parece uma clara eleição de juízo. O que a lei diz não parece ter importância.

Quem não tem noção de processo penal desconfia, e quem estudou esta matéria fica escandalizado. Mas, se analisarmos várias decisões prolatadas por inúmeros juízes no Brasil, veremos que o fato de ignorar a lei para julgar conforme anseios pessoais, grupais e populares virou moda. Em muitos casos, vale o que o juiz pensa, e não o que diz a lei e as provas dos autos.

Enquanto isso, onde está Michel Temer? E a situação do Aécio Neves, como fica? Quem matou Marielle Franco? E o Beto Richa, por que já está em sua confortável residência? E o pessoal da máfia dos ônibus coletivos do RJ? O que estão fazendo para dar um basta nos milicianos que atuam no RJ? E o Queiroz com o filho do Bolsonaro? Todos esperando o tempo passar, para gozar dos benefícios do esquecimento e da prescrição.

Mas as altas autoridades da República, nos três poderes, dizem: "As instituições estão em pleno funcionamento. Vivemos numa democracia plena". Mas estão funcionando para quem? Que tipo de democracia temos? Até quando está situação vai perdurar? Por que as pessoas não se rebelam?

Tiago de França