“Vinde
em meu seguimento e eu farei de vós pescadores de homens” (Mc 1,
17).
1.
Introdução
O Senhor nos chama para
servir. Este é o significado da vocação específica do presbítero (padre) na Igreja,
vocação que nasce da vocação batismal, que é comum a todo o povo de Deus. O
presbítero integra o povo de Deus, investido da responsabilidade de servir.
Este serviço se manifesta no ensino, na santificação e na condução do povo de
Deus. Colocando-se como servidor e não como senhor, o presbítero é chamado a
ser como Jesus, Senhor e Salvador, que se apresentou como servidor, cumpridor
da vontade de Deus Pai, fiel até a morte de cruz.
Por ocasião do mês vocacional (agosto), queremos
discorrer, muito brevemente, sobre alguns aspectos da identidade e da missão do
presbítero nas circunstâncias atuais. O tema é vasto e complexo, mas pode ser
apresentado de forma sintética, a partir de seus elementos essenciais.
Identidade e missão constituem matéria de reflexão permanente, pois não são
realidades estáticas que perduram no tempo; mas realidades dinâmicas e abertas
a desdobramentos exigidos pela evolução dos tempos.
Tomaremos como referência o documento 93 da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que trata das Diretrizes para a Formação
dos Presbíteros da Igreja no Brasil, aprovadas na 48ª Assembleia Geral,
realizada em maio de 2010. Faremos um comentário breve sobre as dez exigências
que aparecem no número 73 do mencionado documento, número que se encontra na
primeira parte deste, cujo título é “Coordenadas da Formação Presbiteral”.
A leitura destas exigências, comentadas à luz da
realidade vivida pela Igreja no Brasil hoje, certamente nos ajudará a pensar e
conhecer mais um pouco a importância do presbítero para a vida eclesial, bem
como para o fecundo desenvolvimento da missão da Igreja no mundo. O presbítero
não é ordenado para servir aos anjos e arcanjos, mas ao povo santo de Deus,
profundamente marcado pelo sofrimento oriundo de tantas injustiças que assolam
hoje o mundo inteiro. O povo de Deus está no mundo, e o presbítero é chamado a
servir a Deus também no mundo.
2.
Exigências
O número 73 do
documento 93 da CNBB, acima referido, traz algumas exigências que falam da
identidade e da missão do presbítero hoje.
“1.
O testemunho pessoal de fé e de caridade, de profunda espiritualidade vivida,
de renúncia e despojamento de si”. O presbítero é chamado a ser
um homem de Deus. Para isso, é preciso ser um homem de fé e caridade. Não há
homem de Deus sem fé e caridade. Para cuidar do povo de Deus é necessário ter
uma caridade operosa, não meramente discursiva. Deve-se pregar e viver a
caridade evangélica. Portanto, não é possível que um presbítero seja uma pessoa
egoísta, mesquinha, indisponível e preocupada somente com o seu bem-estar.
A
caridade chama a atenção para o risco de o presbítero se colocar como um senhor
a ser servido. Presbítero não é senhor, pois um só é o Senhor: Jesus, o Filho
de Deus (Jo 13,13). Assim, o presbítero deve evitar posturas e falas que fazem
o povo enxergá-lo como alguém superior, digno de bajulação e subserviência.
Ter uma profunda espiritualidade significa ser homem de
oração. Não pode existir bons presbíteros que não sejam homens de oração. Um
presbítero que não reza é alguém vazio, desprovido de conteúdo espiritual. Sem
a intimidade com Jesus na oração, não há sacerdócio ministerial que resista.
Sem oração não há seguimento de Jesus. O presbítero deve ser, na comunidade
cristã, o primeiro exemplo de pessoa de oração. A comunhão com Jesus por meio
da oração imprimirá na sua pessoa o amor e a ternura de Jesus. O evangelho nos
fala de Jesus como homem de oração (cf. Mc 1,35). A este Jesus orante o
presbítero é chamado a seguir e a se configurar.
Um presbítero apegado aos bens materiais, lugares e
pessoas, prejudica a si mesmo e à missão da Igreja. É preocupante a situação
daqueles que se recusam a sair de paróquias e outras realidades eclesiais,
quando solicitados pelos seus bispos. Cria-se uma falsa consciência de que se
pertence, permanentemente, a determinada comunidade ou a determinado ofício. O
presbítero é ordenado para servir à Igreja (assembleia dos batizados e
enviados). A colocação em uma determinada função não confere o direito à posse
permanente da função. Por isso, a renúncia e o despojamento constituem
exigências do seguimento de Jesus (cf. Mt 16, 24).
Em várias ocasiões, o Papa Francisco tem criticado o que
passou a denominar “mundanismo espiritual”, que consiste na estética religiosa
que esconde desvios de toda ordem. Em outras palavras, presbíteros que
aparentam muita piedade e devoção, mas que são mundanos em suas vidas privadas.
No
livro “A força da vocação. A vida
consagrada hoje”, o Papa afirma: “Há padres, e também bispos, que usam
batina e, apesar disso, vivem numa grande hipocrisia, porque, no fundo, têm um
coração mundano”. A falsa piedade para esconder o apego aos bens materiais e
outros males é um perigo presente na vida da Igreja. O presbítero despojado de
si é um homem livre para a missão.
“2.
A prioridade da tarefa da evangelização, o que acentua o caráter missionário do
ministério presbiteral”. O Documento de Aparecida, praticamente
esquecido nos dias atuais, fala de um dos desafios que se apresentam à missão
do presbítero: a sua inserção na cultura atual (cf. DAp., n.194). Para que haja
verdadeiro anúncio do Evangelho, é necessário o conhecimento desta cultura,
para que nela se possa semear a semente do Evangelho; e para que haja
conhecimento é necessário estudar. A tarefa da evangelização deve ser
prioritária, ou seja, o presbítero não pode se ocupar com atividades que não
evangelizam, porque é um ministro do Evangelho de Jesus.
Quando a tarefa da evangelização é abandonada, o
presbítero perde o foco, se desvia da sua missão e se transforma em outra
coisa, desconfigurando-se. Assim como a Igreja nasceu para evangelizar, o
presbítero também é ordenado para ser um servidor do Evangelho. O anúncio deste
e a denúncia de toda as realidades contrárias ao projeto de Deus (Reino de
Deus) constituem a sua missão. O abandono da tarefa evangelizadora é caminho
certo para desvios de toda ordem, o que tem maculado a imagem da Igreja perante
o mundo inteiro. O presbítero é chamado a ser um discípulo missionário de
Jesus.
“3.
A capacidade de acolhida a exemplo de Cristo Pastor, que une a firmeza à
ternura, sem ceder à tentação de um serviço burocrático e rotineiro”. Acolher
é uma das palavras-chave do processo de evangelização da Igreja. Não há
comunhão na Igreja sem a acolhida alegre e generosa das pessoas. Acolher o
diferente, o que nos é estranho, o que nos interpela... Acolher o rosto sofrido
de Jesus, estampado no rosto dos que sofrem: enfermos, prisioneiros,
injustiçados, os que são condenados pela sociedade... Acolher sem fazer
distinção de pessoas... Acolher como Jesus acolheu: com ternura e misericórdia,
com alegria e prontidão, com generosidade e verdade (cf. Jo 8, 1-11).
O presbítero é chamado a se configurar ao Cristo Pastor. Jesus
não deu a seus discípulos o poder de julgar e condenar. Também a Igreja não
conferiu, e nem poderia conferir, este mesmo poder aos presbíteros. Estes não
são ministros do julgamento e da condenação, pois não podem ocupar o lugar de
Deus. Nenhum presbítero é ordenado para julgar a conduta e a consciência das pessoas,
pois não foi constituído juiz. Por isso, é chamado a ser um ministro da
acolhida dos pecadores, usando da firmeza e da ternura, sem se tornar uma pedra
de tropeço na vida das pessoas e das comunidades.
Durante o Sínodo dos Bispos de 2014, que tratou do tema
da família, o Papa Francisco afirmou, dirigindo-se aos bispos, categoricamente:
“A Igreja não é uma alfândega, é uma casa paterna e, portanto, deve acompanhar
pacientemente todas as pessoas, inclusive aquelas que se encontram em situações
pastorais difíceis”. O papel da alfândega é realizar o controle e o tráfego de
mercadorias. Uma Igreja-alfândega é aquela que se preocupa, em primeiro lugar,
com o fiel cumprimento da lei (prescrições religiosas), em detrimento da vida
das pessoas. No Evangelho, Jesus reprovou esse tipo de postura (cf. Mt 23,4).
O serviço burocrático e rotineiro é aquele desenvolvido
pelas empresas, que visam ao lucro. Numa empresa, tudo é rotineiro e
burocrático. Visa-se alcançar as metas estabelecidas. Na Igreja não deve ser
assim. A Igreja não é uma empresa, mas uma assembleia de chamados e enviados. A
rotina, geradora da mesmice, e a burocracia, que exige o cumprimento rigoroso
da lei, impede a manifestação amorosa do Espírito Santo. A organização é
necessária, mas não há necessidade de uma rígida burocracia que mais afasta que
aproxima as pessoas do caminho de Jesus.
“4.
A solidariedade efetiva com a vida do povo, a opção preferencial pelos pobres, com
especial sensibilidade para com os oprimidos, os sofredores, em fidelidade à
caminhada da Igreja na América Latina, ratificada pela Conferência de Aparecida
(DAp 396)”. A opção preferencial pelos pobres nasceu da releitura que
a Igreja fez do Evangelho de Jesus e da sua caminhada na história,
especialmente a partir do Concílio Vaticano II (1962 – 1965). Os oprimidos e
sofredores não são meros destinatários da evangelização, mas sujeitos desta.
Por isso, o presbítero precisa aprender a caminhar com os oprimidos e
sofredores.
Em todas as épocas da história do cristianismo, o
Espírito de Deus suscitou dentro e fora da Igreja católica, belíssimos
testemunhos de mulheres e homens dedicados à evangelização, fazendo opção pelos
pobres. Trata-se de uma opção evangélica e radical, que está em plena sintonia
com a missão de Jesus. Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou entre os
pobres. O Deus e Pai de Jesus, desde Moisés, se revelou no meio dos pobres.
Deus é o grande Libertador, que desceu para libertar o povo da escravidão (cf.
Ex 3, 7-9).
O presbítero não pode ser alguém desligado da vida do
povo, separado somente para presidir o culto divino. A missão presbiteral
acontece dentro e fora do templo religioso. Assim como Deus enviou Jesus para
anunciar a Boa Notícia do seu Reino, o presbítero também é enviado para fazer a
mesma experiência. Jesus não vivia somente prestando culto a Deus no Templo e
nas sinagogas. O Evangelho fala que ele também pregou nestes lugares. Mas Jesus
vivia caminhando, no meio do povo, anunciando o Reino de Deus: palavras e gestos
proclamados no meio do povo, onde este se encontrava.
A Igreja católica na América Latina, principalmente a
partir do Concílio, passando por Medellín até Aparecida, fez uma clara opção
preferencial pelos pobres. Muitos na Igreja viveram radicalmente esta opção. Os
testemunhos são profeticamente eloquentes e jamais podem ser esquecidos, pois
recordam a opção fundamental de Jesus: mulheres e homens que encarnaram a Boa
Nova do Reino de Deus. Muitos derramaram seu sangue, alcançando a coroa do
martírio, como o santo bispo Dom Oscar Romero, de El Salvador. A solidariedade
ativa com a vida do povo é parte essencial do ser presbítero. Para ser um bom
presbítero, esta solidariedade deve estar presente.
“5.
A maturidade para enfrentar os conflitos existenciais que surgem do contato com
um mundo consumista, secularizado e até hostil aos valores do Evangelho”. A
dimensão humana da formação trabalha, entre outros aspectos, a maturidade do
presbítero. Entre as coisas desastrosas que se pode encontrar na Igreja está o
presbítero imaturo, incapaz de enfrentar os conflitos existenciais que surgem
no mundo. É verdade que não há quem seja plenamente maduro, pois a maturidade
se adquire ao longo da vida; é um processo permanente.
Certo grau de maturidade, necessário ao exercício do
ministério, evita que o presbítero se exponha a situações vexatórias. No
cotidiano das comunidades é comum encontrar presbíteros que não sabem lidar com
os desequilíbrios emocionais dos outros, permitindo-se afetar por eles e, em
muitos casos, caem na mesma situação. Em outras palavras, presbíteros
desequilibrados não são capazes de ajudar as pessoas em seus dilemas
existenciais, pois também eles precisam de ajuda.
O consumismo, a secularização e a hostilidade aos valores
do Evangelho são marcas do nosso tempo, que provocam inúmeros conflitos. Sem
certo grau de maturidade é impossível lidar com tais realidades. O presbítero,
para muitas pessoas, representa uma importante referência, um ponto de apoio
onde é possível encontrar alívio para os conflitos existenciais que tais
realidades provocam. Não é condenando as pessoas e o mundo que o presbítero
dará uma resposta convincente e capaz de ajudar na solução dos conflitos. Presbíteros
imaturos afastam as pessoas e provocam conflitos nas comunidades. Assim, a
formação humana deve ser exigente para ajudá-los no desempenho da sua missão.
“6.
O cultivo da dimensão ecumênica, o diálogo inter-religioso, no respeito à
pluralidade de expressar a fé em Deus e nos valores do Evangelho”. A
eclesiologia pós-Vaticano II é uma eclesiologia de comunhão, e a relação com os
irmãos de outras Igrejas cristãs “é um caminho irrenunciável para o discípulo e
missionário” (DAp., 227). A falta de unidade entre os cristãos é um escândalo e
um pecado gravíssimo. Portanto, é inconcebível que tenhamos presbíteros que se
dediquem a insultar e ridicularizar a fé dos irmãos de outras Igrejas e
comunidades eclesiais. Prezar pelo respeito e o diálogo entre os cristãos de
diferentes Igrejas é participar, efetivamente, da comunhão da Igreja.
A fé cristã é única, mas as manifestações desta fé são
plurais. Somente há um Cristo, uma só fé e um só batismo (cf. Ef 4, 5); mas há
uma pluralidade de expressões desta mesma fé. O Espírito faz surgir uma diversidade
de carismas, que torna o cristianismo plural e belo. Somente um presbítero que
não tenha estudado absolutamente nada e seja bastante insensível, seria capaz
de ignorar a urgente necessidade do ecumenismo.
Aparecida também se pronunciou sobre o diálogo
interreligioso: “O diálogo interreligioso, em especial com as religiões
monoteístas, fundamenta-se justamente na missão que Cristo nos confiou,
solicitando a sábia articulação entre o anúncio e o diálogo como elementos
constitutivos da evangelização [...] (DAp., 237). Considerando que o presbítero
participa da missão de Cristo, o diálogo interreligioso deve integrar a sua
missão.
Neste
sentido, é muito importante o conhecimento das demais religiões, para que este
diálogo se torne efetivo e, assim, contribua com a paz no mundo. Sem
conhecimento da riqueza e complexidade da diversidade religiosa, bem como sem a
vontade de dialogar, o ecumenismo e o diálogo interreligioso continuarão sendo
dois problemas espinhosos na vida da Igreja católica.
“7.
A participação comprometida nos movimentos sociais, nas lutas do povo, com
consciência política diante da corrupção e da decepção política, conservando,
entretanto, sua identidade presbiteral, mantendo-se fiel ao que é específico do
ministério ordenado e observando as orientações do Magistério da Igreja”. Durante
o período imediatamente posterior ao Vaticano II, muitos presbíteros
compreenderam a necessidade de participarem, efetivamente e de forma
comprometida, das lutas empreendidas pelos movimentos sociais. Compreendia-se
que as lutas do povo e a conscientização política deste também integrava o
ministério dos bispos e dos presbíteros, principalmente. Não era possível optar
pelos pobres sem participar de suas lutas.
Ainda no tempo do pontificado de São João Paulo II, as
ditaduras na América Latina encontraram a resistência de inúmeros bispos,
presbíteros, diáconos, religiosos e religiosas, que ajudaram na conscientização
e organização do povo. Atento aos excessos que surgiram na inserção de alguns
presbíteros e bispos nas lutas populares, o então Papa João Paulo II não mediu
esforços para alertar e até punir aqueles que se desviavam de sua função de
ministros ordenados. Trata-se de um período muito intenso de conflitos entre
conservadores e progressistas, dentro e fora da Igreja católica.
A firme atuação do Papa João Paulo II fez ressurgir no
seio da Igreja uma séria preocupação com a ortodoxia da fé. Durante este mesmo
período surgiram na Igreja experiências neopentecostais, que permanecem até
hoje. Trata-se de uma corrente eclesial que vive a fé a partir de experiências de
oração e liturgias que acentuam mais o Cristo da fé, muitas vezes, em
detrimento do Jesus histórico. Em Teologia falamos de uma “Cristologia do alto”.
Também
nesta corrente eclesial, que congrega milhões de pessoas ao redor do mundo,
encontramos alguns excessos. A ênfase no cristianismo de massa não favorece a
vivência do seguimento de Jesus Cristo, tal como o Evangelho apresenta. Seguir Jesus
é unir fé e vida, oração e ação, liturgia e caridade evangélica, tendo em vista
a salvação integral da pessoa humana.
O presbítero
é um homem do altar e do encontro com os que mais sofrem. Não é alguém que foi
escolhido por Deus para, somente, presidir o culto divino e, nas “horas vagas”,
permanece em sua casa, comportando-se de forma contrária às exigências do
Evangelho de Jesus.
“8.
A capacidade de respeitar, de discernir e de suscitar serviços e ministérios
para a ação comunitária e a partilha”. O presbítero não é o único
ministro da comunidade paroquial nem da Igreja. Uma comunidade paroquial é
constituída por diferentes ministérios. Párocos, vigários e administradores
recebem do bispo o ofício de presidir a comunidade. Não se trata de se apoderar
da comunidade, como se esta fosse mero objeto de controle e posse.
O Código de Direito Canônico dispõe de um conjunto
normativo que reconhece os direitos e deveres dos fieis leigos na vida da
Igreja (cf. cânones 208 a 231). O presbítero, que estudou o Código no curso de
Teologia, deve respeitar e promover os direitos dos leigos na Igreja. Quando se
fala em serviço e ministério para a ação comunitária e a partilha, assim dispõe
o Código: “Os leigos que são destinados permanente ou temporariamente a um
serviço especial na Igreja tem a obrigação de adquirir a formação adequada,
requerida para o cumprimento do próprio encargo e para exercê-lo consciente,
dedicada e diligentemente” (CDC, cân. 231, §1).
Para atender a esta obrigação, os leigos precisam do
auxílio dos presbíteros. Os serviços e ministérios dos leigos na Igreja não constituem
atividades remuneradas, pastoralmente falando. Ao participar das atividades pastorais
da Igreja, os leigos têm a oportunidade de participar da missão da Igreja. Para
que isto ocorra, o presbítero deve respeitar, discernir e suscitar serviços e
ministérios.
Deve-se
evitar posturas autoritárias que causam afastamentos, constrangimentos e
humilhações. A comunidade eclesial não é uma empresa. Os leigos não são
obrigados a servir em uma comunidade cujo presbítero os trata como se fossem
empregados.
Harmonia, respeito, cordialidade e espírito de cooperação
devem nortear a relação entre leigos e presbíteros. Este é o ideal. Nada justifica
posturas que causam divisão e escândalos. Os leigos são colaboradores, sem os
quais a Igreja não poderia existir nem desempenhar, frutuosamente, a sua missão
no mundo. Diante de Deus, os presbíteros não estão acima dos leigos, pois todos
formam o povo de Deus, a assembleia dos que são chamados e enviados. Os leigos
não são servidores dos presbíteros, mas com estes o são do Evangelho de Jesus.
“9.
A promoção e a manutenção da paz e da concórdia fundamentada na justiça” (CIC
287, §1º). Todo presbítero precisa ser um homem que trabalha para
promover e manter a paz e a concórdia fundamentada na justiça. Muito prejudica
a Igreja a conduta de um presbítero que se dedica à confusão, provocando
conflitos em confrontos com leigos e instituições. Um presbítero que possui o
mínimo de maturidade e sólida formação não perde tempo com fofocas e
provocações. Estas somente destroem a vida comunitária, e o presbítero não pode
colaborar para isso.
O presbítero é chamado a ser um ministro da reconciliação
e da paz; deve ser uma referência para as pessoas. Estas devem enxergá-lo como
homem pacífico, conciliador, empenhado na construção de um mundo de justiça e
paz. Não pode se transformar em um agente da violência e da discórdia, mas
precisa combater a cultura da violência que assola a humanidade.
Jogar as
pessoas umas contra as outras e fazer apologia à violência que agride e mata
não são atitudes de um presbítero consciente da sua missão no mundo. Por isso,
não convém ao presbítero ser favorável à pena de morte, à prisão perpétua, à
tortura e a todas as demais formas de agressão ao ser humano que se praticam no
mundo.
“10.
A configuração de homem de esperança e do seguimento de Jesus na cruz”. O Evangelho
de Jesus é o Evangelho da esperança; uma esperança ativa. O Pai de Jesus é o
Deus da esperança (cf. Rm 15, 13), Pai dos que confiam e esperam. Em um mundo
marcado pelo desespero e pelo vazio existencial, entre outros males, o
presbítero deve ser um homem de esperança, portador da esperança que jamais
decepciona (cf. Rm 5, 5).
Na comunidade
cristã encontramos pessoas desesperadas e decepcionadas, frustradas e
desanimadas... Para elas, o presbítero deve ser o pastor que desperta a
esperança em Deus. Sem esperança, não há como anunciar Jesus às pessoas, pois
aquela se encontra no centro da mensagem cristã. Anunciando a esperança, o
presbítero exerce o ministério da consolação dos aflitos, ajudando a aliviar as
suas dores e angústias. Sem esperança, as pessoas se perdem no caminho da
vida... Perdem o gosto de viver.
O presbítero
deve ser homem do seguimento de Jesus na cruz. É no seguimento que se conhece Jesus
e se aprende a amá-lo nos outros. Quem são esses outros? Na vida presbiteral,
são todas as pessoas com as quais o presbítero se encontra, especialmente os
que mais sofrem. No seguimento acontece o encontro com a face sofrida de
Cristo. O presbítero deve se configurar a esta face sofrida, vivendo em
comunhão de vida e oração com os sofredores deste mundo. Seguir Jesus na cruz
significa se colocar a serviço dos crucificados da história, que sofrem,
diuturnamente, nas periferias do mundo, periferias geográficas e existenciais.
Há uma
tendência muito forte no cristianismo atual: apresentar um Cristo sem cruz. Consequentemente,
surge um cristianismo desvinculado do sofrimento das vítimas da opressão. Isto explica
a existência de celebrações litúrgicas sem vínculo com o seguimento do caminho
percorrido por Jesus. O presbítero deve resistir a este tipo de tentação. A liturgia
celebra a vida, e esta se traduz no cotidiano sofrido do povo de Deus. Sem a
participação neste cotidiano marcado pela cruz de Cristo, a liturgia se resume
a ritual e rubrica, sem vida e, portanto, sem razão de ser.
3.
Conclusão
Em seu livro “Identidade e espiritualidade do padre
diocesano”, Dom Aloísio Lorscheider afirma que o presbítero deve estar
atento a quatro atitudes: pureza de coração; domínio de si mesmo, docilidade ao
Espírito Santo, e exercício da presença de Deus. Segundo o mesmo autor, “para
manter vivo o desejo de aperfeiçoamento dentro das quatro atitudes, ora
lembradas, ajuda muito um profundo conhecimento e amor de Deus Pai, de Jesus
Cristo, do Espírito Santo, de Maria Santíssima, de nós mesmos”.
De fato, estamos vivendo tempos difíceis no exercício do
ministério ordenado. A sociedade pós-moderna cria modismos, ideologias e
práticas nada cristãs e que terminam influenciando e envolvendo os cristãos
pouco atentos e frágeis na fé. A malícia, o descontrole, a autossuficiência e a
aversão aos valores cristãos são algumas das marcas do nosso tempo. Sem
prudência, discernimento e espírito ascético, facilmente o presbítero pode se
deixar envolver por ideias e práticas contrárias ao Evangelho de Jesus,
levando-o a conhecer graves crises em seu ministério.
O ministério presbiteral é belo e exigente. Continua sendo
muito necessário à Igreja. Após o Vaticano II, passou por algumas modificações
na sua compreensão e vivência. Certamente não é um ministério estático, mas
deve permanecer aberto às exigências de cada época. Hoje, o jeito de ser presbítero
é diferente do jeito vivido em épocas passadas. A identidade e a missão do
presbítero precisam ser sempre repensadas.
É possível
que a evolução dos tempos vá exigindo da Igreja católica novas formas de ser
presbítero. É preciso escutar o que o Espírito diz. Há uma clara certeza que
não pode ser negada: Precisa-se cada vez mais de presbíteros santos e
comprometidos com o povo de Deus; homens de Deus, profundamente humanos. Trata-se
de uma necessidade urgente. Abertura, ousadia, conteúdo, experiência de Deus,
sensibilidade, liberdade, testemunho e profecia: são algumas características de
um presbítero santo para nossos dias.
Tiago
de França