quinta-feira, 15 de agosto de 2019

A identidade e a missão do presbítero nas circunstâncias atuais


“Vinde em meu seguimento e eu farei de vós pescadores de homens” (Mc 1, 17).

1. Introdução

            O Senhor nos chama para servir. Este é o significado da vocação específica do presbítero (padre) na Igreja, vocação que nasce da vocação batismal, que é comum a todo o povo de Deus. O presbítero integra o povo de Deus, investido da responsabilidade de servir. Este serviço se manifesta no ensino, na santificação e na condução do povo de Deus. Colocando-se como servidor e não como senhor, o presbítero é chamado a ser como Jesus, Senhor e Salvador, que se apresentou como servidor, cumpridor da vontade de Deus Pai, fiel até a morte de cruz.

            Por ocasião do mês vocacional (agosto), queremos discorrer, muito brevemente, sobre alguns aspectos da identidade e da missão do presbítero nas circunstâncias atuais. O tema é vasto e complexo, mas pode ser apresentado de forma sintética, a partir de seus elementos essenciais. Identidade e missão constituem matéria de reflexão permanente, pois não são realidades estáticas que perduram no tempo; mas realidades dinâmicas e abertas a desdobramentos exigidos pela evolução dos tempos.

            Tomaremos como referência o documento 93 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que trata das Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil, aprovadas na 48ª Assembleia Geral, realizada em maio de 2010. Faremos um comentário breve sobre as dez exigências que aparecem no número 73 do mencionado documento, número que se encontra na primeira parte deste, cujo título é “Coordenadas da Formação Presbiteral”.

            A leitura destas exigências, comentadas à luz da realidade vivida pela Igreja no Brasil hoje, certamente nos ajudará a pensar e conhecer mais um pouco a importância do presbítero para a vida eclesial, bem como para o fecundo desenvolvimento da missão da Igreja no mundo. O presbítero não é ordenado para servir aos anjos e arcanjos, mas ao povo santo de Deus, profundamente marcado pelo sofrimento oriundo de tantas injustiças que assolam hoje o mundo inteiro. O povo de Deus está no mundo, e o presbítero é chamado a servir a Deus também no mundo.

2. Exigências

            O número 73 do documento 93 da CNBB, acima referido, traz algumas exigências que falam da identidade e da missão do presbítero hoje.

“1. O testemunho pessoal de fé e de caridade, de profunda espiritualidade vivida, de renúncia e despojamento de si”. O presbítero é chamado a ser um homem de Deus. Para isso, é preciso ser um homem de fé e caridade. Não há homem de Deus sem fé e caridade. Para cuidar do povo de Deus é necessário ter uma caridade operosa, não meramente discursiva. Deve-se pregar e viver a caridade evangélica. Portanto, não é possível que um presbítero seja uma pessoa egoísta, mesquinha, indisponível e preocupada somente com o seu bem-estar.

A caridade chama a atenção para o risco de o presbítero se colocar como um senhor a ser servido. Presbítero não é senhor, pois um só é o Senhor: Jesus, o Filho de Deus (Jo 13,13). Assim, o presbítero deve evitar posturas e falas que fazem o povo enxergá-lo como alguém superior, digno de bajulação e subserviência.

            Ter uma profunda espiritualidade significa ser homem de oração. Não pode existir bons presbíteros que não sejam homens de oração. Um presbítero que não reza é alguém vazio, desprovido de conteúdo espiritual. Sem a intimidade com Jesus na oração, não há sacerdócio ministerial que resista. Sem oração não há seguimento de Jesus. O presbítero deve ser, na comunidade cristã, o primeiro exemplo de pessoa de oração. A comunhão com Jesus por meio da oração imprimirá na sua pessoa o amor e a ternura de Jesus. O evangelho nos fala de Jesus como homem de oração (cf. Mc 1,35). A este Jesus orante o presbítero é chamado a seguir e a se configurar.

            Um presbítero apegado aos bens materiais, lugares e pessoas, prejudica a si mesmo e à missão da Igreja. É preocupante a situação daqueles que se recusam a sair de paróquias e outras realidades eclesiais, quando solicitados pelos seus bispos. Cria-se uma falsa consciência de que se pertence, permanentemente, a determinada comunidade ou a determinado ofício. O presbítero é ordenado para servir à Igreja (assembleia dos batizados e enviados). A colocação em uma determinada função não confere o direito à posse permanente da função. Por isso, a renúncia e o despojamento constituem exigências do seguimento de Jesus (cf. Mt 16, 24).

            Em várias ocasiões, o Papa Francisco tem criticado o que passou a denominar “mundanismo espiritual”, que consiste na estética religiosa que esconde desvios de toda ordem. Em outras palavras, presbíteros que aparentam muita piedade e devoção, mas que são mundanos em suas vidas privadas.

No livro “A força da vocação. A vida consagrada hoje”, o Papa afirma: “Há padres, e também bispos, que usam batina e, apesar disso, vivem numa grande hipocrisia, porque, no fundo, têm um coração mundano”. A falsa piedade para esconder o apego aos bens materiais e outros males é um perigo presente na vida da Igreja. O presbítero despojado de si é um homem livre para a missão.

“2. A prioridade da tarefa da evangelização, o que acentua o caráter missionário do ministério presbiteral”. O Documento de Aparecida, praticamente esquecido nos dias atuais, fala de um dos desafios que se apresentam à missão do presbítero: a sua inserção na cultura atual (cf. DAp., n.194). Para que haja verdadeiro anúncio do Evangelho, é necessário o conhecimento desta cultura, para que nela se possa semear a semente do Evangelho; e para que haja conhecimento é necessário estudar. A tarefa da evangelização deve ser prioritária, ou seja, o presbítero não pode se ocupar com atividades que não evangelizam, porque é um ministro do Evangelho de Jesus.

            Quando a tarefa da evangelização é abandonada, o presbítero perde o foco, se desvia da sua missão e se transforma em outra coisa, desconfigurando-se. Assim como a Igreja nasceu para evangelizar, o presbítero também é ordenado para ser um servidor do Evangelho. O anúncio deste e a denúncia de toda as realidades contrárias ao projeto de Deus (Reino de Deus) constituem a sua missão. O abandono da tarefa evangelizadora é caminho certo para desvios de toda ordem, o que tem maculado a imagem da Igreja perante o mundo inteiro. O presbítero é chamado a ser um discípulo missionário de Jesus.

“3. A capacidade de acolhida a exemplo de Cristo Pastor, que une a firmeza à ternura, sem ceder à tentação de um serviço burocrático e rotineiro”. Acolher é uma das palavras-chave do processo de evangelização da Igreja. Não há comunhão na Igreja sem a acolhida alegre e generosa das pessoas. Acolher o diferente, o que nos é estranho, o que nos interpela... Acolher o rosto sofrido de Jesus, estampado no rosto dos que sofrem: enfermos, prisioneiros, injustiçados, os que são condenados pela sociedade... Acolher sem fazer distinção de pessoas... Acolher como Jesus acolheu: com ternura e misericórdia, com alegria e prontidão, com generosidade e verdade (cf. Jo 8, 1-11).

            O presbítero é chamado a se configurar ao Cristo Pastor. Jesus não deu a seus discípulos o poder de julgar e condenar. Também a Igreja não conferiu, e nem poderia conferir, este mesmo poder aos presbíteros. Estes não são ministros do julgamento e da condenação, pois não podem ocupar o lugar de Deus. Nenhum presbítero é ordenado para julgar a conduta e a consciência das pessoas, pois não foi constituído juiz. Por isso, é chamado a ser um ministro da acolhida dos pecadores, usando da firmeza e da ternura, sem se tornar uma pedra de tropeço na vida das pessoas e das comunidades.

            Durante o Sínodo dos Bispos de 2014, que tratou do tema da família, o Papa Francisco afirmou, dirigindo-se aos bispos, categoricamente: “A Igreja não é uma alfândega, é uma casa paterna e, portanto, deve acompanhar pacientemente todas as pessoas, inclusive aquelas que se encontram em situações pastorais difíceis”. O papel da alfândega é realizar o controle e o tráfego de mercadorias. Uma Igreja-alfândega é aquela que se preocupa, em primeiro lugar, com o fiel cumprimento da lei (prescrições religiosas), em detrimento da vida das pessoas. No Evangelho, Jesus reprovou esse tipo de postura (cf. Mt 23,4).

            O serviço burocrático e rotineiro é aquele desenvolvido pelas empresas, que visam ao lucro. Numa empresa, tudo é rotineiro e burocrático. Visa-se alcançar as metas estabelecidas. Na Igreja não deve ser assim. A Igreja não é uma empresa, mas uma assembleia de chamados e enviados. A rotina, geradora da mesmice, e a burocracia, que exige o cumprimento rigoroso da lei, impede a manifestação amorosa do Espírito Santo. A organização é necessária, mas não há necessidade de uma rígida burocracia que mais afasta que aproxima as pessoas do caminho de Jesus.

“4. A solidariedade efetiva com a vida do povo, a opção preferencial pelos pobres, com especial sensibilidade para com os oprimidos, os sofredores, em fidelidade à caminhada da Igreja na América Latina, ratificada pela Conferência de Aparecida (DAp 396)”. A opção preferencial pelos pobres nasceu da releitura que a Igreja fez do Evangelho de Jesus e da sua caminhada na história, especialmente a partir do Concílio Vaticano II (1962 – 1965). Os oprimidos e sofredores não são meros destinatários da evangelização, mas sujeitos desta. Por isso, o presbítero precisa aprender a caminhar com os oprimidos e sofredores.

            Em todas as épocas da história do cristianismo, o Espírito de Deus suscitou dentro e fora da Igreja católica, belíssimos testemunhos de mulheres e homens dedicados à evangelização, fazendo opção pelos pobres. Trata-se de uma opção evangélica e radical, que está em plena sintonia com a missão de Jesus. Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou entre os pobres. O Deus e Pai de Jesus, desde Moisés, se revelou no meio dos pobres. Deus é o grande Libertador, que desceu para libertar o povo da escravidão (cf. Ex 3, 7-9).

            O presbítero não pode ser alguém desligado da vida do povo, separado somente para presidir o culto divino. A missão presbiteral acontece dentro e fora do templo religioso. Assim como Deus enviou Jesus para anunciar a Boa Notícia do seu Reino, o presbítero também é enviado para fazer a mesma experiência. Jesus não vivia somente prestando culto a Deus no Templo e nas sinagogas. O Evangelho fala que ele também pregou nestes lugares. Mas Jesus vivia caminhando, no meio do povo, anunciando o Reino de Deus: palavras e gestos proclamados no meio do povo, onde este se encontrava.

            A Igreja católica na América Latina, principalmente a partir do Concílio, passando por Medellín até Aparecida, fez uma clara opção preferencial pelos pobres. Muitos na Igreja viveram radicalmente esta opção. Os testemunhos são profeticamente eloquentes e jamais podem ser esquecidos, pois recordam a opção fundamental de Jesus: mulheres e homens que encarnaram a Boa Nova do Reino de Deus. Muitos derramaram seu sangue, alcançando a coroa do martírio, como o santo bispo Dom Oscar Romero, de El Salvador. A solidariedade ativa com a vida do povo é parte essencial do ser presbítero. Para ser um bom presbítero, esta solidariedade deve estar presente.

“5. A maturidade para enfrentar os conflitos existenciais que surgem do contato com um mundo consumista, secularizado e até hostil aos valores do Evangelho”. A dimensão humana da formação trabalha, entre outros aspectos, a maturidade do presbítero. Entre as coisas desastrosas que se pode encontrar na Igreja está o presbítero imaturo, incapaz de enfrentar os conflitos existenciais que surgem no mundo. É verdade que não há quem seja plenamente maduro, pois a maturidade se adquire ao longo da vida; é um processo permanente.

            Certo grau de maturidade, necessário ao exercício do ministério, evita que o presbítero se exponha a situações vexatórias. No cotidiano das comunidades é comum encontrar presbíteros que não sabem lidar com os desequilíbrios emocionais dos outros, permitindo-se afetar por eles e, em muitos casos, caem na mesma situação. Em outras palavras, presbíteros desequilibrados não são capazes de ajudar as pessoas em seus dilemas existenciais, pois também eles precisam de ajuda.

            O consumismo, a secularização e a hostilidade aos valores do Evangelho são marcas do nosso tempo, que provocam inúmeros conflitos. Sem certo grau de maturidade é impossível lidar com tais realidades. O presbítero, para muitas pessoas, representa uma importante referência, um ponto de apoio onde é possível encontrar alívio para os conflitos existenciais que tais realidades provocam. Não é condenando as pessoas e o mundo que o presbítero dará uma resposta convincente e capaz de ajudar na solução dos conflitos. Presbíteros imaturos afastam as pessoas e provocam conflitos nas comunidades. Assim, a formação humana deve ser exigente para ajudá-los no desempenho da sua missão.

“6. O cultivo da dimensão ecumênica, o diálogo inter-religioso, no respeito à pluralidade de expressar a fé em Deus e nos valores do Evangelho”. A eclesiologia pós-Vaticano II é uma eclesiologia de comunhão, e a relação com os irmãos de outras Igrejas cristãs “é um caminho irrenunciável para o discípulo e missionário” (DAp., 227). A falta de unidade entre os cristãos é um escândalo e um pecado gravíssimo. Portanto, é inconcebível que tenhamos presbíteros que se dediquem a insultar e ridicularizar a fé dos irmãos de outras Igrejas e comunidades eclesiais. Prezar pelo respeito e o diálogo entre os cristãos de diferentes Igrejas é participar, efetivamente, da comunhão da Igreja.

            A fé cristã é única, mas as manifestações desta fé são plurais. Somente há um Cristo, uma só fé e um só batismo (cf. Ef 4, 5); mas há uma pluralidade de expressões desta mesma fé. O Espírito faz surgir uma diversidade de carismas, que torna o cristianismo plural e belo. Somente um presbítero que não tenha estudado absolutamente nada e seja bastante insensível, seria capaz de ignorar a urgente necessidade do ecumenismo.

            Aparecida também se pronunciou sobre o diálogo interreligioso: “O diálogo interreligioso, em especial com as religiões monoteístas, fundamenta-se justamente na missão que Cristo nos confiou, solicitando a sábia articulação entre o anúncio e o diálogo como elementos constitutivos da evangelização [...] (DAp., 237). Considerando que o presbítero participa da missão de Cristo, o diálogo interreligioso deve integrar a sua missão.

Neste sentido, é muito importante o conhecimento das demais religiões, para que este diálogo se torne efetivo e, assim, contribua com a paz no mundo. Sem conhecimento da riqueza e complexidade da diversidade religiosa, bem como sem a vontade de dialogar, o ecumenismo e o diálogo interreligioso continuarão sendo dois problemas espinhosos na vida da Igreja católica.

“7. A participação comprometida nos movimentos sociais, nas lutas do povo, com consciência política diante da corrupção e da decepção política, conservando, entretanto, sua identidade presbiteral, mantendo-se fiel ao que é específico do ministério ordenado e observando as orientações do Magistério da Igreja”. Durante o período imediatamente posterior ao Vaticano II, muitos presbíteros compreenderam a necessidade de participarem, efetivamente e de forma comprometida, das lutas empreendidas pelos movimentos sociais. Compreendia-se que as lutas do povo e a conscientização política deste também integrava o ministério dos bispos e dos presbíteros, principalmente. Não era possível optar pelos pobres sem participar de suas lutas.

            Ainda no tempo do pontificado de São João Paulo II, as ditaduras na América Latina encontraram a resistência de inúmeros bispos, presbíteros, diáconos, religiosos e religiosas, que ajudaram na conscientização e organização do povo. Atento aos excessos que surgiram na inserção de alguns presbíteros e bispos nas lutas populares, o então Papa João Paulo II não mediu esforços para alertar e até punir aqueles que se desviavam de sua função de ministros ordenados. Trata-se de um período muito intenso de conflitos entre conservadores e progressistas, dentro e fora da Igreja católica.

            A firme atuação do Papa João Paulo II fez ressurgir no seio da Igreja uma séria preocupação com a ortodoxia da fé. Durante este mesmo período surgiram na Igreja experiências neopentecostais, que permanecem até hoje. Trata-se de uma corrente eclesial que vive a fé a partir de experiências de oração e liturgias que acentuam mais o Cristo da fé, muitas vezes, em detrimento do Jesus histórico. Em Teologia falamos de uma “Cristologia do alto”.

Também nesta corrente eclesial, que congrega milhões de pessoas ao redor do mundo, encontramos alguns excessos. A ênfase no cristianismo de massa não favorece a vivência do seguimento de Jesus Cristo, tal como o Evangelho apresenta. Seguir Jesus é unir fé e vida, oração e ação, liturgia e caridade evangélica, tendo em vista a salvação integral da pessoa humana.

O presbítero é um homem do altar e do encontro com os que mais sofrem. Não é alguém que foi escolhido por Deus para, somente, presidir o culto divino e, nas “horas vagas”, permanece em sua casa, comportando-se de forma contrária às exigências do Evangelho de Jesus.  

“8. A capacidade de respeitar, de discernir e de suscitar serviços e ministérios para a ação comunitária e a partilha”. O presbítero não é o único ministro da comunidade paroquial nem da Igreja. Uma comunidade paroquial é constituída por diferentes ministérios. Párocos, vigários e administradores recebem do bispo o ofício de presidir a comunidade. Não se trata de se apoderar da comunidade, como se esta fosse mero objeto de controle e posse.

            O Código de Direito Canônico dispõe de um conjunto normativo que reconhece os direitos e deveres dos fieis leigos na vida da Igreja (cf. cânones 208 a 231). O presbítero, que estudou o Código no curso de Teologia, deve respeitar e promover os direitos dos leigos na Igreja. Quando se fala em serviço e ministério para a ação comunitária e a partilha, assim dispõe o Código: “Os leigos que são destinados permanente ou temporariamente a um serviço especial na Igreja tem a obrigação de adquirir a formação adequada, requerida para o cumprimento do próprio encargo e para exercê-lo consciente, dedicada e diligentemente” (CDC, cân. 231, §1).

            Para atender a esta obrigação, os leigos precisam do auxílio dos presbíteros. Os serviços e ministérios dos leigos na Igreja não constituem atividades remuneradas, pastoralmente falando. Ao participar das atividades pastorais da Igreja, os leigos têm a oportunidade de participar da missão da Igreja. Para que isto ocorra, o presbítero deve respeitar, discernir e suscitar serviços e ministérios.

Deve-se evitar posturas autoritárias que causam afastamentos, constrangimentos e humilhações. A comunidade eclesial não é uma empresa. Os leigos não são obrigados a servir em uma comunidade cujo presbítero os trata como se fossem empregados.

            Harmonia, respeito, cordialidade e espírito de cooperação devem nortear a relação entre leigos e presbíteros. Este é o ideal. Nada justifica posturas que causam divisão e escândalos. Os leigos são colaboradores, sem os quais a Igreja não poderia existir nem desempenhar, frutuosamente, a sua missão no mundo. Diante de Deus, os presbíteros não estão acima dos leigos, pois todos formam o povo de Deus, a assembleia dos que são chamados e enviados. Os leigos não são servidores dos presbíteros, mas com estes o são do Evangelho de Jesus.

“9. A promoção e a manutenção da paz e da concórdia fundamentada na justiça” (CIC 287, §1º). Todo presbítero precisa ser um homem que trabalha para promover e manter a paz e a concórdia fundamentada na justiça. Muito prejudica a Igreja a conduta de um presbítero que se dedica à confusão, provocando conflitos em confrontos com leigos e instituições. Um presbítero que possui o mínimo de maturidade e sólida formação não perde tempo com fofocas e provocações. Estas somente destroem a vida comunitária, e o presbítero não pode colaborar para isso.

            O presbítero é chamado a ser um ministro da reconciliação e da paz; deve ser uma referência para as pessoas. Estas devem enxergá-lo como homem pacífico, conciliador, empenhado na construção de um mundo de justiça e paz. Não pode se transformar em um agente da violência e da discórdia, mas precisa combater a cultura da violência que assola a humanidade.

Jogar as pessoas umas contra as outras e fazer apologia à violência que agride e mata não são atitudes de um presbítero consciente da sua missão no mundo. Por isso, não convém ao presbítero ser favorável à pena de morte, à prisão perpétua, à tortura e a todas as demais formas de agressão ao ser humano que se praticam no mundo.

“10. A configuração de homem de esperança e do seguimento de Jesus na cruz”. O Evangelho de Jesus é o Evangelho da esperança; uma esperança ativa. O Pai de Jesus é o Deus da esperança (cf. Rm 15, 13), Pai dos que confiam e esperam. Em um mundo marcado pelo desespero e pelo vazio existencial, entre outros males, o presbítero deve ser um homem de esperança, portador da esperança que jamais decepciona (cf. Rm 5, 5).

Na comunidade cristã encontramos pessoas desesperadas e decepcionadas, frustradas e desanimadas... Para elas, o presbítero deve ser o pastor que desperta a esperança em Deus. Sem esperança, não há como anunciar Jesus às pessoas, pois aquela se encontra no centro da mensagem cristã. Anunciando a esperança, o presbítero exerce o ministério da consolação dos aflitos, ajudando a aliviar as suas dores e angústias. Sem esperança, as pessoas se perdem no caminho da vida... Perdem o gosto de viver.

O presbítero deve ser homem do seguimento de Jesus na cruz. É no seguimento que se conhece Jesus e se aprende a amá-lo nos outros. Quem são esses outros? Na vida presbiteral, são todas as pessoas com as quais o presbítero se encontra, especialmente os que mais sofrem. No seguimento acontece o encontro com a face sofrida de Cristo. O presbítero deve se configurar a esta face sofrida, vivendo em comunhão de vida e oração com os sofredores deste mundo. Seguir Jesus na cruz significa se colocar a serviço dos crucificados da história, que sofrem, diuturnamente, nas periferias do mundo, periferias geográficas e existenciais.

Há uma tendência muito forte no cristianismo atual: apresentar um Cristo sem cruz. Consequentemente, surge um cristianismo desvinculado do sofrimento das vítimas da opressão. Isto explica a existência de celebrações litúrgicas sem vínculo com o seguimento do caminho percorrido por Jesus. O presbítero deve resistir a este tipo de tentação. A liturgia celebra a vida, e esta se traduz no cotidiano sofrido do povo de Deus. Sem a participação neste cotidiano marcado pela cruz de Cristo, a liturgia se resume a ritual e rubrica, sem vida e, portanto, sem razão de ser.

3. Conclusão

            Em seu livro “Identidade e espiritualidade do padre diocesano”, Dom Aloísio Lorscheider afirma que o presbítero deve estar atento a quatro atitudes: pureza de coração; domínio de si mesmo, docilidade ao Espírito Santo, e exercício da presença de Deus. Segundo o mesmo autor, “para manter vivo o desejo de aperfeiçoamento dentro das quatro atitudes, ora lembradas, ajuda muito um profundo conhecimento e amor de Deus Pai, de Jesus Cristo, do Espírito Santo, de Maria Santíssima, de nós mesmos”.

            De fato, estamos vivendo tempos difíceis no exercício do ministério ordenado. A sociedade pós-moderna cria modismos, ideologias e práticas nada cristãs e que terminam influenciando e envolvendo os cristãos pouco atentos e frágeis na fé. A malícia, o descontrole, a autossuficiência e a aversão aos valores cristãos são algumas das marcas do nosso tempo. Sem prudência, discernimento e espírito ascético, facilmente o presbítero pode se deixar envolver por ideias e práticas contrárias ao Evangelho de Jesus, levando-o a conhecer graves crises em seu ministério.

            O ministério presbiteral é belo e exigente. Continua sendo muito necessário à Igreja. Após o Vaticano II, passou por algumas modificações na sua compreensão e vivência. Certamente não é um ministério estático, mas deve permanecer aberto às exigências de cada época. Hoje, o jeito de ser presbítero é diferente do jeito vivido em épocas passadas. A identidade e a missão do presbítero precisam ser sempre repensadas.

É possível que a evolução dos tempos vá exigindo da Igreja católica novas formas de ser presbítero. É preciso escutar o que o Espírito diz. Há uma clara certeza que não pode ser negada: Precisa-se cada vez mais de presbíteros santos e comprometidos com o povo de Deus; homens de Deus, profundamente humanos. Trata-se de uma necessidade urgente. Abertura, ousadia, conteúdo, experiência de Deus, sensibilidade, liberdade, testemunho e profecia: são algumas características de um presbítero santo para nossos dias.

Tiago de França

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