sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Olhos fixos em Jesus


“Corramos com perseverança na competição que nos é proposta, com os olhos fixos em Jesus, que vai à frente da nossa fé e a leva à perfeição” (Hb 2,1-2a).
            É necessário recordar sempre que Jesus é o centro da vida cristã. Nada pode ocupar o seu lugar. Na caminhada da vida, o cristão precisa ter esta certeza: o Senhor caminha com o seu povo, sem jamais abandoná-lo. Essa certeza da presença amorosa do Senhor afasta o desespero, principalmente quando as águas do mar da vida se agitam, ameaçando a embarcação. Na embarcação está Jesus (cf. Mc 4,38), que tem o poder de acalmar a força das águas agitadas.
            A vida cristã é tomada por agitações de toda sorte. Tanto pessoal quanto eclesialmente, os discípulos de Jesus passam por provações, que fazem parte da vida. São circunstâncias que revelam o grau de intimidade que cada discípulo tem com o Mestre. Quanto mais unido a ele, mais seguro o discípulo se encontra. Mesmo sabendo que ele dorme, enquanto o barco é invadido pelas ondas, a certeza de sua presença confere um sentimento de serenidade e segurança.
            A história da Igreja católica é repleta de momentos agitados, marcados por episódios que causam confusão e descrença. Na verdade, já no grupo dos discípulos de Jesus, aqueles da primeira hora, que tiveram a graça de conviver com ele, é possível encontrar manifestações de fraqueza e de infidelidade. Os discípulos de Jesus não eram perfeitos, mas com suas fragilidades se colocaram no caminho do Mestre, que despertou neles o desejo de segui-lo. Eles foram percebendo que para seguir o Mestre era necessário tomar a cruz, porque esta é caminho de santificação.
            Eles descobriram em Pentecostes que com o auxílio do Espírito do Senhor o seguimento de Jesus é possível. Ninguém se coloca no caminho de Jesus sem que o Espírito impulsione e conduza. O seguimento de Jesus não é invenção humana, nem existe sem o auxílio da graça divina. Sem esta, o ser humano somente é capaz de pecar, fica desorientado, perde o rumo e cai no vazio. Na história do cristianismo, todos os que perderam o rumo da vida, na verdade, quiseram caminhar sem o auxílio da graça, sem a luz do Espírito do Senhor.
            Também a Igreja, em muitas ocasiões, parece ter se esquecido da sua missão no mundo. Mas como é o Espírito do Senhor que a guia na história, este mesmo Espírito vai fazendo surgir mulheres e homens que apontam para o caminho. São Francisco de Assis, São Vicente de Paulo, Santa Teresa de Ávila, Santa Dulce dos Pobres, São João XXIII e tantos outros santos e santas chamaram a atenção da Igreja para o essencial.
O Espírito do Senhor vai conduzindo a Igreja, em meio às luzes e trevas da caminhada. Também nos momentos de trevas, a voz do Senhor ecoa forte, revelando a necessidade do retorno ao essencial. As Escrituras falam que também nas situações de pecado, Deus se manifesta para socorrer seus filhos e filhas (cf. Rm 5,20).
            Quando cai, o pecador é chamado a levantar-se. O mesmo chamado é dirigido à Igreja, sempre necessitada de conversão. A humildade ensina a reconhecer a fragilidade e encoraja para a experiência da misericórdia divina. Na Igreja, ninguém pode se colocar como perfeito, porque a perfeição é um atributo divino (cf. 1Sm 2,2; Os 11,9). Neste sentido, a Igreja é a Casa dos pecadores, chamados a fazer a experiência do feliz encontro com a misericórdia de Deus. Isso significa que ninguém possui autoridade para apontar o dedo para o outro, colocando-se como acusador e julgador. O acusador é Satanás (cf. Ap 12,10), um só é legislador e o juiz: “aquele que é capaz de salvar e de fazer perecer” (Tg 4,12).
            As atuais circunstâncias eclesiais no Brasil estão sinalizando para a urgente necessidade de conversão estrutural e pastoral. O Espírito do Senhor está chamando a Igreja para voltar-se para o essencial, que se manifesta no cuidado com os mais frágeis e desprotegidos. Tudo está mais uma vez apontando para os pobres, que são as maiores vítimas do capitalismo selvagem. Há muitos famintos, desempregados, violentados, injustiçados, desorientados, desamparados, doentes, desiludidos e desesperados. Toda essa gente pertence ao rebanho do Senhor, e a missão da Igreja consiste em cuidar deste rebanho.
            O caminho é muito simples, mas exigente. O amor se faz cuidado: esta é a vocação da Igreja. Importar-se com o que acontece com as pessoas, para cuidar delas. Ajudar a libertá-las do mal e do maligno. Sarar as feridas do corpo e da alma. Despertar a esperança e acompanhar os processos de transformação. Colocar-se do lado dos que sofrem. Este é o caminho simples e exigente.
Tudo isso é possível se cada discípulo e toda a Igreja mantiverem os olhos fixos em Jesus, porque é ele que conduz a fé de cada pessoa e da Igreja à perfeição. Sem desviar o olhar, mas contemplando Jesus, é possível caminhar com segurança e perseverança, até chegar o dia da realização plena do Reino de Deus. Nunca se deve esquecer de que tudo passa, somente o Amor permanece para sempre. Esta é a consolação dos filhos e filhas de Deus. Nesta esperança é preciso se manter firme até o fim.

Tiago de França

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Orar costuma fazer bem


“Quando é autêntica, a oração é livre dos instintos de violência e é um olhar dirigido a Deus, a fim de que Ele volte a cuidar do coração do homem” (Papa Francisco).
            Não existe vida cristã sem oração. Isso significa que o discípulo de Jesus é alguém que reza sem cessar, porque assim o Mestre ensinou a fazer (cf. Lc 18,1-8). Interessante como o evangelista faz questão de dizer que a parábola da viúva e do juiz contada por Jesus foi dirigida aos seus discípulos para “mostrar-lhes a necessidade de orar sempre, sem nunca desistir”. A viúva insiste em pedir ao juiz que lhe faça justiça. O juiz não temia a Deus, nem tinha respeito por homem algum, mas fez justiça à viúva.
            As palavras de Jesus é uma chamada de atenção a todo aquele que deseja segui-lo mais de perto: “Escutai bem o que disse esse juiz injusto! E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite? Ele os fará esperar?” Deus é Justo e não deixa de escutar o clamor de seus filhos e filhas. Não é surdo, nem inerte, mas amoroso e compassivo, atento ao que se passa no mundo. Jesus revelou que o Pai não é indiferente ao que se passa com seus filhos e filhas. Ao rezar, o cristão precisa considerar essa verdade.
            É preciso rezar com perseverança, para que Deus escute e interfira no momento oportuno. Na oração, aprende-se o momento da ação divina. Não se impõe a Deus o que deve fazer e quando fazer. A oração, em primeiro lugar, não está destinada a ser uma oportunidade para dizer a Deus o que ele deve faze e como fazer. Rezar é “um olhar dirigido a Deus”. Mesmo que não se tenha palavra, nem se saiba o que dizer, basta olhar para Deus, colocar-se na sua presença. Muito antes de qualquer expressão, Ele, que conhece todas as coisas, também conhece o que se passa na vida e no coração de todos.
            Mas como é Pai, é do seu agrado que o busquemos sem cessar. Em todo momento pode ser encontrado, porque não é ausente, nem indiferente. Está presente em toda parte, e em toda parte pode ser invocado. Ele está na brisa suave (cf. 1Rs 19,9-18), chamando os seus escolhidos para escutar a sua palavra, conhecer seus desígnios e seu amor. Rezar é entrar em comunhão com o Amor. Trata-se de uma comunhão marcada pela leveza, suavidade, proximidade, silêncio, escuta amorosa, discernimento, paciência, perseverança, paz... Deus não é violento, mas pacífico. Os que rezam, tornam-se pacíficos e pacificadores.
            Que reza experimenta o amor e a paz que vem de Deus. É inconcebível e inaceitável que alguém viva em comunhão com Deus e, ao mesmo tempo, seja maldoso com o próximo. A bondade é fruto da oração, e a paz também. A oração faz a pessoa ser conforme a vontade divina: amorosa, serena, firme, decidida, acolhedora, aberta ao diálogo e ao perdão, solidária, paciente, alegre... A oração abre os olhos das pessoas para a visão de Deus.
Os que se entregam à oração enxergam a Deus no cotidiano simples da vida. Deus age de forma sutil, discreta, sem chamar a atenção; não gosta do espetáculo, porque não precisa disso para ser Deus. Deus não tem carência, porque é pleno. Seu amor é abundante e expansivo, e sempre está semeando esse amor nos corações daqueles que escutam a sua voz na oração e nas circunstâncias da vida. Rezar é entregar-se ao mistério de Deus, que fala e brota do coração.
Na vida da Igreja, temos a oração comunitária e a oração pessoal. Enquanto membros da Igreja, somos uma comunidade orante, que oferece ao Pai um sacrifício de louvor. Na liturgia da Igreja a obra da salvação é continuada (cf. constituição Sacrosanctum concilium – sobre a sagrada liturgia, n. 6). Na oração particular ou pessoal, cada cristão se coloca diante de Deus, em comunhão com toda a Igreja. Apresenta-se como membro do povo de Deus, não como alguém isolado, buscando a satisfação de seus desejos. A oração não se presta à mera satisfação dos desejos humanos.
Na oração sincera e livre de todo interesse mesquinho, Deus vem para “cuidar do coração do homem”. Vejam a beleza dessas palavras do Papa Francisco! É a expressão de um homem que aprendeu a rezar. A oração também é uma escola na qual se aprende a viver em comunhão com Deus. Não se aprende a rezar fazendo cursos de oração. Aprende-se a rezar, rezando. A melhor oração é aquela que brota do coração, das entranhas da pessoa. Diante de Deus, o Espírito do Senhor faz a pessoa dizer a Deus expressões belas e filiais, porque este Espírito sonda todas as coisas, “até mesmo as profundezas de Deus” (1 Cor 2,10). O Espírito de Deus intercede por nós e vem em socorro de nossa fraqueza (cf. Rm 8,26-27).
Os cristãos rezam para caminhar na presença de Deus, de braços abertos para acolher e amar o próximo. A oração conduz ao amor a Deus e ao próximo. Não se deve rezar para fechar-se em si mesmo, nem para se sentir superior aos outros. Quem assim procede, na verdade, não reza, mas conversa consigo mesmo, jamais com Deus. Não vive a comunhão com Deus. Esta comunhão passa, necessariamente, pela relação amorosa com os outros. O cristão reza para ter coragem, disposição, abertura, compreensão e perseverança no amor a Deus e ao próximo como a si mesmo.
A oração cultiva o amor no coração daquele que reza, e este amor o liberta da cultura do ódio e da indiferença que tende a dominar o mundo e as pessoas. Quem reza se coloca sempre na fileira dos servidores do Evangelho, jamais na dos egoístas e indiferentes ao sofrimento dos pobres e injustiçados. Quem reza é sensível ao que se passa no mundo; do contrário, está confundindo oração com outra coisa. Portanto, o cristianismo e o mundo precisam de pessoas que se entreguem à oração e ao amor que daí decorre.
Hoje, é preciso rezar pela unidade dos cristãos, dentro e fora da Igreja católica. Esta oração conduz ao reconhecimento da necessária comunhão eclesial. Aliás, mais do que reconhecimento, conduz, sobretudo, a atitudes geradoras de comunhão. Não adianta rezar nas igrejas e agir de forma contrária ao que se diz na oração comunitária e pessoal. Não adianta abrir a boca para dizer que Deus é amor, e na prática cultivar o ódio nas relações interpessoais. Deus não escuta a oração dos insensatos e hipócritas, mas escuta o humilde, que bate no peito, reconhecendo seu pecado, colocando-se numa atitude de arrependimento e acolhida de Deus. Deus não escuta a prece dos que confiam na sua própria justiça e desprezam os outros (cf. Lc 18,9-14).

Tiago de França

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Maria: vocacionada do Pai

“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (Lc 1,42)
            Na Igreja católica, agosto é o mês vocacional, tempo oportuno para rezar e refletir sobre o chamado de Deus. Nas Sagradas Escrituras há muitos e belos testemunhos vocacionais que servem de inspiração para uma resposta generosa à voz de Deus.
A iniciativa é sempre de Deus, que vem ao encontro das pessoas, propondo-lhes uma missão. Não há exclusivismos, porque chama a todos. Toda pessoa é importante aos olhos do Senhor, e é chamada a uma vida cheia de sentido na missão. Neste artigo, a reflexão sobre a vocação partirá da experiência vocacional de Maria, mãe de Jesus. O seu sim livre e generoso tem muito a ensinar aos que procuram responder ao chamado de Deus.
Quando Deus quis recapitular todas as coisas em Cristo (cf. Ef 1,10), escolheu uma mulher, prometida em casamento (cf. Lc 1,27), para ser a mãe do Salvador. Ao receber o convite, ela fez questão de compreender como isso aconteceria (cf. Lc 1,29). Todos os chamados precisam ter a mesma atitude: questionar Aquele que chama para a missão. A resposta sempre é dada, imediata ou posteriormente. Deus não deixa ninguém sem resposta.
A atitude de Maria revela que toda vocação possui um sentido, uma razão de ser; e cada vocacionado precisa conhecer o sentido de sua vocação. Somente assim, a pessoa tem convicção do seu chamado. O diálogo franco com Deus é necessário, para que Ele revele a sua vontade, porque a vocação visa à obediência na fé, e esta significa observar a vontade divina. Ninguém é chamado por Deus para fazer a própria vontade, nem para satisfazer seus próprios interesses. Se assim fosse, não seria vocação.
Quando o Senhor explica o sentido de sua vocação, Maria responde, prontamente: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Ela se apresenta como serva do Senhor, não como uma senhora importante, que deseja se servir de Deus para ser feliz e conseguir realizar seus sonhos. Maria se coloca diante de Deus como alguém que deseja realizar a vontade divina. A partir daquele momento, esta já estava se realizando de forma concreta: Maria estava grávida, o Espírito do Senhor desceu sobre ela.
É assim que acontece com toda pessoa que diz sim a Deus. Ao responder ao chamado, Deus vai realizando a sua obra na vida da pessoa e, assim, vai conduzindo-a para que realize a missão que deseja que se realize. E não há nada que impeça essa realização. Não há, neste mundo, nada que impeça a realização dos desígnios divinos. Tudo acontece conforme Deus quer, no tempo e no lugar que Ele determina. Tudo se dá na liberdade e para a liberdade. Maria não foi coagida a aceitar o plano de Deus, mas aceitou ser a serva do Senhor com toda a liberdade. O seu sim é uma prova de sua total confiança no Senhor.
Sem essa confiança não pode existir resposta autêntica e possível ao chamado divino. Confiar é acreditar que Deus realiza o que promete. Portanto, é depositar toda a confiança Naquele que conhece todas as coisas e as conduz à vida plena. O vocacionado precisa ser pessoa de fé, conhecedor das maravilhas que Deus sempre realizou e realiza na vida do seu povo. O vocacionado é alguém que faz parte do povo de Deus, portanto, sabe do que o Senhor é capaz para salvar esse povo. O Deus que chama é fiel e sempre cumpre o que promete (cf. Lc 1,54-55).
Porque confiou e se entregou à missão dada pelo Pai, Maria é bendita entre as mulheres, porque bendito é o fruto do seu ventre. Maria é bem-aventurada por causa de Jesus. O culto mariano na Igreja não confere nenhum louvor a Maria desligada de Jesus, o Filho amado do Pai. Sem Jesus, Maria perde o seu brilho. Muito feliz o Pe. Zezinho, em uma de suas músicas, ao dizer: “Não és deusa, não és mais que Deus, mas depois de Jesus, o Senhor, neste mundo ninguém foi maior”. A vocação de Maria está intimamente ligada à missão de Jesus, único mediador entre Deus e os homens (cf. 1Tm 2,5).
Tendo respondido ao chamado divino e cumprido fielmente a sua missão, acompanhando Jesus na realização do Reino do Pai, Maria participa, de forma antecipada, da glória reservada aos filhos e filhas de Deus. Esse é o mistério que celebramos nestes dias, por ocasião da solenidade da Assunção de Maria. A fé da Igreja ensina esta verdade de fé: Maria participa da glória do Ressuscitado, que revelou a fidelidade e o poder do Deus que derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes (cf. Lc 1,52), e que colocou tudo debaixo dos pés do seu Filho amado (cf. 1Cor 15,27a).
Maria é expressão do amor que Deus tem pela humanidade e por toda a criação. Nela, o Verbo se fez carne e habitou entre nós (cf. Jo 1,14). É a prova por excelência do amor divino, que enviando o seu Filho a este mundo, não abandonou o ser humano à própria sorte, mas o salvou, maravilhosamente. Com Maria, o discípulo missionário de Jesus aprende a docilidade à voz de Deus, que chama e envia para a missão. Fazer o mesmo que ela fez vale a pena. Deus não cessa de chamar e enviar. É necessário ouvir a sua voz.

Tiago de França

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Meditação do evangelho do dia


Bom dia! Segue uma meditação breve sobre o evangelho da liturgia da Igreja católica, nesta quarta-feira, 12 de agosto, tratando dos temas da reconciliação e comunhão eclesial. Inscreva-se e compartilhe o nosso canal.

Abraço!
Tiago de França

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Meditação do evangelho do dia - Festa de São Lourenço, mártir


Amigos/as,
Hoje, a Igreja católica celebra a Festa de São Lourenço, diácono e mártir. Compartilho com vocês uma breve meditação sobre o evangelho do dia. Inscrevam-se no canal e compartilhem com amigos e grupos. Os que puderem, permaneçam em casa.

Abraço,
Tiago de França


sábado, 8 de agosto de 2020

CARTA ABERTA A PEDRO CASALDÁLIGA

Querido Pedro,
Graça e paz!
            Hoje, recebi a notícia de tua páscoa definitiva. Não é uma notícia que alegra o coração, porque assim como os discípulos de Jesus, fico triste quando tenho conhecimento da partida de pessoas como você. Nosso país é carente de testemunhas do seu porte, comprometidas com as grandes causas do Reino de Deus. Pelo que conheço, você descobriu o tesouro escondido no campo, e deixou tudo para adquirir este campo e compartilhá-lo com seus irmãos de caminhada, no caminho de Jesus. Você é um bem-aventurado.
            Neste momento, recordo-me da carta que enviei a você, pedindo que me enviasse os livros de sua autoria. Não esperava que fosse responder a um adolescente do interior de Alagoas, que desde criança deseja ser padre. Mas fui surpreendido com sua resposta: uma bela carta, com alguns livros autografados. Em cada dedicatória uma palavra profética.
            Pedro, você não gosta de ser chamado com os títulos comuns aos bispos da Igreja, nem de fazer uso das indumentárias episcopais. Esse seu jeito me cativou ao ponto de também não gostar dos excessos que andam ressuscitando na vida da Igreja. Cada vez que vejo vídeos com sua imagem, marcada pela simplicidade e despojamento, fico emocionado. A gente ver tanto excesso, que a simplicidade e o despojamento aparecem como extraordinários.
            Dou graças ao Deus Libertador pelo seu testemunho na Igreja católica. Seu compromisso com a vida dos povos indígenas entrou para a história da Igreja e do Brasil. Seu engajamento na luta pela terra é admirável. De fato, você é um profeta de nossos tempos. A profecia que brota do seu testemunho é marcada pela poesia profética. Você sabe, como nenhum outro, expressar os mistérios do Reino de Deus de forma simples, profunda e audaciosa.
            Quando estudei Patrística, comoveu-me o testemunho dos grandes Padres da Igreja: bispos, presbíteros, diáconos, monges, cristãos de toda parte. A sua páscoa aos 92 anos de idade é um sinal de Deus. Pensei que você iria receber a coroa do martírio, mas as coisas de Deus são mistério.
O seu martírio não foi de sangue; a sua santidade é expressão fiel da vocação ao martírio na Igreja. Por isso, receba esse meu reconhecimento, que muita gente haverá de concordar: Pedro, você é um dos Padres da Igreja da América Latina. Para mim, você é um santo de Deus. E não vou esperar sua canonização para pedir que você não esqueça de mim e de toda a Igreja, que nesta hora tão difícil, precisa da intercessão de seus santos.
Por fim, quero terminar assegurando que o seu testemunho jamais será esquecido. Enquanto os pobres existirem no mundo, haverá sempre mulheres e homens como você, para seguir Jesus no meio do povo simples. Você nos ensinou a viver com Jesus no meio dos pobres. Não gastou seu tempo com saudosismos, nem com a defesa ferrenha de um modelo de Igreja que não consegue falar às mulheres e homens de hoje. Os tiranos exploram os pobres, e somente vivendo com Jesus seremos capazes de vencer a tirania e celebrar a festa da ressurreição dos eleitos. Somente vivendo com Jesus é que seremos a verdadeira Igreja de Cristo.
Meu irmão, pede a Comunidade Amorosa para sermos fieis neste propósito. A nossa caminhada não é ideológica, mas evangélica. A nossa lei é o Evangelho de Cristo. Nosso caminho é amor. Obrigado, Pedro, por nos ter revelado o significado do Evangelho, sendo um bispo pobre, desapegado, corajoso, amoroso, fiel, de profunda fé, pastor, autêntico, amigo dos pobres, livre e profético! Seu testemunho conduz e sempre conduzirá muita gente para o caminho de Jesus. Sua luta não foi em vão!
Receba o meu afeto filial e minha prece. Bendito seja Deus pelo fecundo testemunho da sua vida entre nós!
Teu irmão nas lidas do Reino,

Tiago de França
Seminarista, desde a Diocese de Parnaíba, Piauí, Brasil.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Por que tantas pessoas estão morrendo de Covid-19 no Brasil?


Amigos/as,
99.702 pessoas morreram por Covid-19 no Brasil. Praticamente 100 mil pessoas. Sem analisar a realidade, não se enxerga a gravidade da situação. O que há por trás dos números? Acesse, inscrevam-se no canal e compartilhem. Os que puderem, permaneçam em casa.
Veja o vídeo no link a seguir: 

Mês vocacional: A vocação do bispo na Igreja católica


             O tema das vocações é muito importante para a vida da Igreja, porque Deus chama todas as pessoas para que desempenhem no mundo a missão de edificar o seu Reino. Cada um a seu modo, e a partir daquilo que faz, pode colaborar com a obra salvífica de Deus. A participação de cada pessoa não é dispensada. Ninguém é salvo vivendo isolado dos outros, mas amando-os com alegria e generosidade. Vocação se vive no amor gratuito e generoso. Neste breve artigo, queremos refletir sobre o que nos diz a Palavra de Deus e a constituição dogmática Lumen gentium, do Vaticano II, acerca da vocação do bispo na Igreja.

1. Considerações do apóstolo Paulo a Timóteo
            O apóstolo Paulo diz que quem deseja ser bispo, está desejando um trabalho valioso. Afirma também que deve o bispo ser alguém irrepreensível, sóbrio, ponderado, educado, hospitaleiro, apto para o ensino, não violento, moderado, não briguento e não avarento (cf. 1Tm 3,1-6). São características necessárias a um homem que deve estar preparado para exercer uma missão exigente.
            Na Igreja primitiva, o bispo exercia o seu ministério com o auxílio dos presbíteros e dos diáconos. Na gênese do ministério episcopal está a dimensão colegial do seu exercício, ou seja, não existe bispo sozinho, mas em comunhão com toda a Igreja, especialmente com o Romano Pontífice, o Papa, Bispo de Roma. A citação paulina mostra a necessidade de o bispo ser íntegro, livre e capacitado para o exercício de sua missão apostólica.
            Ao longo da história da Igreja, desde os tempos apostólicos, inúmeros bispos se destacaram no desempenho do ministério episcopal. Alguns se destacaram pelo solidez e profundidade do ensino; outros pela caridade e zelo pastoral; outros, ainda, pela boa administração e fundação de igrejas particulares. Cada bispo é único, no sentido de ter suas próprias virtudes e limitações. Cada um a seu modo preside a Igreja particular, manifestando ao mundo a grandeza da obra de Cristo, o Bom Pastor.

2. O bispo segundo a Lumen gentium
            O capítulo III da Lumen gentium (LG), constituição dogmática sobre a Igreja, do Vaticano II, trata da constituição hierárquica da Igreja e em especial do episcopado. Sobre os bispos, os números 18 a 27 oferecem uma sólida doutrina a respeito do significado e da importância do ministério episcopal. Em breves linhas, vamos a algumas afirmações que revelam o valor deste importante ministério na vida eclesial.
            A sucessão ininterrupta transmite o múnus apostólico (de apascentar a Igreja). A missão que os bispos têm de apascentar o rebanho do Senhor que está sob os cuidados da Igreja é transmitida pela sucessão apostólica, que é ininterrupta na história do cristianismo católico. Como sucessores dos Apóstolos, os bispos participam da missão de Cristo, porque aqueles foram enviados por este para desempenhar esse múnus.
            Os Bispos presidem a comunidade como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado e ministros do governo. Eis, portanto, a que os bispos são chamados a ser na vida da comunidade cristã: mestres da doutrina, porque cabe a eles a obrigação de ensinar com clareza e coragem, o conteúdo da fé cristã e do conjunto da doutrina da Igreja; sacerdote do culto sagrado, porque são, por excelência, sacerdotes da Sagrada Liturgia, para a santificação do povo fiel; ministro do governo eclesiástico, porque possuem o poder e a autonomia para governar as Igrejas particulares entregues aos seus cuidados.
            Quem os ouve, ouve a Cristo; quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo. Enquanto pastores da Igreja de Cristo, devem os bispos ser escutados naquilo que ensinam, com suas palavras e gestos. Os fiéis são convidados à escuta dócil e filial daquilo que o bispo transmite em nome de Deus e da Igreja. Neste sentido, desprezo em relação aos bispos é reprovável diante de Deus, considerando que foram constituídos, legitimamente, como pastores da Igreja de Cristo. O respeito e a obediência devem ser cultivados, para que haja unidade e paz na Igreja.
            Pela consagração episcopal, o Bispo recebe uma efusão especial do Espírito Santo para desempenhar suas elevadas funções. A graça sacramental conferida no momento da consagração faz o bispo experimentar a ação amorosa de Deus em sua vida, transformando-o e elevando-o à dignidade de ministro de Deus e dispensador dos mistérios divinos. Portanto, o bispo é homem ungido pelo Espírito, portador de uma graça que não o abandona jamais. Iluminado e fortalecido pelo Espírito, torna-se capaz de desempenhar, apesar de seus pecados, suas elevadas funções.
            O Bispo tem os poderes de santificar, ensinar e governar, que são exercidos em comunhão hierárquica com a cabeça e os membros do colégio episcopal. Não existe Bispo no vácuo, nem desligado da Cabeça do Colégio Episcopal. Seus poderes devem ser exercidos em comunhão com o Papa e com os demais bispos. Jamais deve faltar a colegialidade e a sinodalidade, pois destas dependem a comunhão da Igreja. Somente assim, esta tem condições de dar testemunho da tão sonhada e exigida unidade vivida e desejada por Jesus Cristo, Senhor e Salvador, divino Esposo da Igreja.
            O Papa tem pleno, supremo e universal poder sobre toda a Igreja, e pode exercer este poder livremente. O Bispo de Roma, legitimamente eleito pelo Colégio cardinalício, tem poder total, a ninguém se sujeita, e governa toda a Igreja. É livre para exercer este poder. Apesar dessas prerrogativas, também o Papa é chamado a viver em comunhão com o Colégio Episcopal. O Papa Francisco tem dado um belíssimo testemunho de ação pontifícia pautada na liberdade, no respeito à pluralidade presente na Igreja, e na sinodalidade. Distanciando-se do autoritarismo, preza pela escuta daquilo que o Espírito diz à Igreja, governando-a com serenidade e firmeza, coragem e profecia.
            Cada Bispo é princípio e fundamento de unidade nas suas igrejas. A questão da unidade é muito cara à Igreja, porque sem ela o caminho se torna inviável. Os conflitos e a tendência à divisão são realidades constantes na história da Igreja. Em certas épocas, tendem a aumentar e radicalizar-se. O Vaticano II exige que os bispos trabalhem pela unidade nas suas igrejas, de modo que não deixem prosperar focos de divisão que se manifestam, insistentemente. Para promover a unidade, o bispo é chamado a formar e exortar, orientar e corrigir e, se for o caso, estabelecer punições àqueles que insistem, obstinadamente, no caminho do escândalo da divisão e/ou dos cismas.
            Tríplice ministério dos bispos: ensinar, santificar e reger. No ensino, são arautos da fé e doutores autênticos; no exercício da santificação do povo fiel, são administradores da graça do supremo sacerdócio; no governo das igrejas, são vigários e legados de Cristo. Desse modo, os bispos possuem a plenitude do encargo pastoral.
            Muitas outras afirmações poderiam ser feitas sobre a vida e a missão dos bispos na Igreja, mas estas são suficientes para que o leitor perceba a riqueza deste ministério na vida eclesial.
Trata-se de uma missão muito desafiadora, mas quando vivida com amor e dedicação, é causa de edificação para todo o Corpo místico de Cristo, a Igreja. O mesmo Concílio também promulgou, com a assinatura de São Paulo VI, o Decreto Christus dominus, sobre o múnus pastoral dos bispos na Igreja. Vale a pena estudar esse documento. Muito do que é dito na LG também se encontra nele.

3. Uma exortação aos “cismáticos devotos”
            A expressão “cismáticos devotos” não é minha, mas do historiador italiano Massimo Faggioli, em artigo publicado por La Croix International, publicado em 16 de julho de 2019. A expressão fala daqueles católicos que possuem instinto cismático, dotados de certa devoção política que nada tem a ver com a Igreja. Esses católicos têm se multiplicado, especialmente após a eleição do Papa Francisco, em 2013.
            Os ataques ao Papa e a muitos bispos são constantes, principalmente nas redes sociais, sites e espaços eclesiais. Não se trata de mera discordância, mas de violência explícita, que revela uma grave ausência de comunhão. Desconsiderando o Evangelho de Jesus, atacam sem piedade. Questionam muitas coisas, dentre as quais a legitimidade do Papa e do Vaticano II. São católicos que caem no pecado do radicalismo. Pensam que promovem e defendem a Tradição, mas praticam o mal do tradicionalismo.
            Os menos violentos também são nocivos, porque são saudosistas de uma época que, de fato, não conheceram. Desejam que a Igreja caminhe para trás, num retorno a um passado que não oferece respostas às novas questões que o homem pós-moderno coloca para a fé da Igreja. São católicos leigos e clérigos, que defendem uma cristandade que já não existe mais. O que temos são resquícios da cristandade. A realidade exige conversão eclesial; do contrário, aos poucos, as pessoas vão se afastando, porque vão se cansando de ouvir as mesmas coisas, que já não lhes interessam mais.
            A estes católicos, que com palavras e gestos militam contra a comunhão eclesial, convido a conhecer as Escrituras, a Tradição e o Magistério. O conhecimento liberta as pessoas de muitos equívocos. Conhecer exige disposição para estudar. Pelas falas que aparecem em muitos lugares, especialmente nas redes sociais, percebe-se a falta de conteúdo. Há muita repetição de frases cujo efeito dura pouco.
O Evangelho de Jesus precisa ser colocado no centro. Acima de todos está Jesus e seu Evangelho, e no centro deste está o Reino de Deus. O mais importante não é discutir a doutrina, mas aceitar Jesus e seu projeto, colocar-se em seu caminho e nele perseverar. É disso que a Igreja e o mundo precisam. Tudo o mais pode até parecer edificante, mas, por si só, não salva. Se toda a Igreja se mantém com o olhar fixo em Jesus, a caminhada será exitosa e a comunhão não nos faltará.

Tiago de França

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Mês vocacional: A vocação do padre na Igreja católica

               A teologia do ministério presbiteral revela a beleza desse ministério para a vida da Igreja. O presbítero (padre) é “o amor do coração de Jesus”, nos diz São João Maria Vianney, padroeiro dos padres. Trata-se de uma vocação que “brota do coração de Deus e germina na terra boa do povo fiel, na experiência do amor fraterno”, ensina o Papa Francisco. Portanto, não existe padre para si mesmo, mas para o povo de Deus. Assim, deve o padre amar o povo de Deus com o mesmo amor com que ama Jesus Cristo.
            Neste artigo, discorrei sobre o ministério presbiteral a partir de dois documentos do concílio Vaticano II, que explicitam, com fidelidade, a vida e a missão do presbítero na Igreja. São documentos importantes, que merecem ser conhecidos, pois é impensável que o católico desconheça o significado, importância e alcance da vida e missão dos Pastores do povo de Deus. Quanto mais se conhece, mais se respeita e valoriza.

1. O presbítero no início da Igreja
            No Novo Testamento, especialmente em algumas cartas paulinas e nos Atos dos Apóstolos, encontramos referências ao ministério do presbítero, que aparecem como “anciãos” das comunidades, cuidando das pessoas, vivendo de forma colegiada, presidindo, pregando e ensinando a doutrina cristã.
            Daí decorrem algumas características do ministério presbiteral, a saber: O padre é chamado a cuidar das pessoas. Esse cuidado não se reduz à dimensão espiritual, mas, também, à assistência material, na caridade evangélica.
            O padre não exerce sozinho a sua missão, mas é membro do povo de Deus e de um presbitério (conjunto de presbíteros ligados ao Bispo). Isso significa que o padre deve evitar o isolamento, e procurar relacionar-se bem com as pessoas, com seus irmãos padres e com o Bispo. Ao isolar-se, aparecem os problemas, que tendem a se agravar e inviabilizar a missão presbiteral.
            Sob a autoridade do Bispo, o padre preside a comunidade cristã, sem autoritarismo nem com atitude de dono. O padre não é dono da vida das pessoas, nem da comunidade. Presidir é coordenar, orientar, guiar, sugerir, organizar os trabalhos, acompanhar, permitir que as pessoas possam colaborar livremente, animar a comunidade.
            Os textos neotestamentários falam que os presbíteros eram homens da pregação da Palavra de Deus e do ensino da doutrina. Cabe ao padre a pregação do Evangelho de Cristo, com palavras e com o testemunho da própria vida. Na celebração eucarística, principalmente aos domingos, festas e solenidades, o padre deve fazer uma boa homilia.
Esta é muito importante, pois, segundo o Papa Francisco, a homilia “é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo. De facto, sabemos que os fiéis lhe dão muita importância; e, muitas vezes, tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os outros a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser, realmente, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento” (cf. os números 135 a 144 da exortação apostólica Evangelii Gaudium).
Deve o padre ser um homem versado nas coisas de Deus. Para isso, o período de formação é longo e marcado por inúmeras reflexões filosóficas, bíblicas, teológicas e espirituais. Uma vez tendo se empenhado na formação inicial, o padre se apresenta como conhecedor dos conceitos básicos que constituem a doutrina cristã. Na comunidade, com os demais catequistas, o padre é homem do ensino das coisas que se referem a Deus e à Igreja. Hoje, mais que em outras épocas, as pessoas estão cada vez mais sedentas, e exigem a presença de padres bem formados.

2. O presbítero segundo a constituição dogmática Lumen Gentium
            Diferentemente da eclesiologia pré-conciliar, a Lumen Gentium (LG) inverte a ordem de tratamento dos temas, quando fala do Povo de Deus e da constituição hierárquica da Igreja. Isso sinaliza para o fato de que a hierarquia não está acima do povo Deus, mas faz parte deste povo. Bispos, padres e diáconos são membros do povo de Deus. Cada membro da hierarquia precisa estar consciente disso.
            No primeiro capítulo da LG, temos o tema do mistério da Igreja. Em seguida, o segundo capítulo trata do Povo de Deus, e no terceiro capítulo, a hierarquia eclesiástica e em especial o episcopado, é apresentada, de forma densa e profunda.
            A LG afirma, no n. 28, que o padre depende do Bispo no exercício do próprio poder. Por isso, é um colaborador da ordem episcopal. Pela ordenação, é consagrado, à imagem de Cristo, sumo e eterno sacerdote. Como verdadeiro sacerdote do Novo Testamento, participando do sacerdócio de Cristo, tem como funções principais: Pregar o evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino. Seu múnus sagrado é exercido, principalmente, na celebração eucarística.
            O presbítero é o ministro que se coloca entre Deus e a comunidade, participando da mediação de Cristo. Portanto, apresenta a Deus as necessidades e preces do povo. No meio deste povo, adora o Pai em espírito e verdade. Medita na lei do Senhor, prega e ensina: Ensina o que crê e vive o que ensina.
            A Lumen Gentium segue dizendo que o presbítero é um esclarecido cooperador do Bispo, constituindo com este e os demais presbíteros um presbitério. Nas comunidades, torna presente o Bispo. Está associado a este com ânimo fiel, devendo-lhe obediência, respeito e reverência. Tornando visível a Igreja universal, sob a autoridade do Bispo, santifica e governa a porção do rebanho a si confiada.
            O n. 28 da LG termina exigindo que o presbítero reconheça o Bispo como pai, bem como pede que este considere todos os padres de seu presbitério como filhos e amigos. Entre si, os presbíteros devem viver uma íntima fraternidade; devem dar testemunho de verdade e vida, e evitar todo tipo de divisão. Estes são os elementos teológicos e constitutivos do ministério presbiteral, nos termos da Lumen Gentium.

3. Sacerdócio ministerial: Exigências e recomendações à luz do Decreto Presbyterorum Ordinis
            O capítulo III desse decreto, trata da vida dos presbíteros, e descreve, inicialmente, a vocação presbiteral à perfeição. Unido a Jesus, o padre deve buscar a santidade. Esta é a vocação de todo cristão, especialmente daqueles que pastoreiam o rebanho do Senhor. Sem essa união com Jesus, a santidade não pode ser alcançada.
            A vida do presbítero contém todos os meios necessários à santidade e à salvação. Por isso, deve o padre procurar ser santo em suas palavras e ações. Os fiéis precisam enxergar nele um homem de Deus, zeloso nas coisas de Deus. Ao olhar para ele, o povo precisa ver o Cristo Jesus. Assim como cada cristão é um outro Cristo no mundo, também o padre, no seio da comunidade cristã, é um outro Cristo.
            Ser santo não é ser perfeito, sem falhas; mas significa ser amigo de Jesus, próximo das pessoas, especialmente dos mais humildes e marginalizados. No seu ministério, o padre se santifica no serviço aos mais humildes do povo de Deus. Buscando a coerência de vida, cuidando de sua integridade moral, vive o que o decreto chama de “unidade de vida dos presbíteros em Cristo”. A caridade pastoral, nutrida pela Eucaristia, piedosa e convictamente celebrada, ajudará o padre a ser um homem de Deus no meio do povo.
            Em seguida, o decreto apresenta algumas “peculiares exigências espirituais na vida dos presbíteros, destacando, em primeiro lugar, a humildade e a obediência. Um padre humilde é uma bênção de Deus! A humildade atrai, enquanto que a arrogância afasta. Ser humilde significa reconhecer-se como filho de Deus, numa total dependência dele. Um padre humilde cuida melhor dos humildes, e enfrenta, corajosamente, os arrogantes deste mundo, com paciência e mansidão. Toda pessoa humilde conhece o seu lugar, sem se impor aos outros.
            A obediência é outra virtude a ser praticada pelo padre. Como fiel colaborador da ordem episcopal, deve obediência ao Bispo. Caso seja religioso, também deve obedecer aos seus superiores. Na ordenação, ajoelhado diante do Bispo, com suas mãos unidas as dele, o padre faz a promessa da obediência. Ao renovar, anualmente, as promessas sacerdotais, durante a celebração da Missa dos Santos Óleos, cada padre renova também a promessa da obediência.
            A respeito do celibato sacerdotal, diz o decreto, no n. 16: “Pela virgindade ou pelo celibato observado por amor do reino dos céus, os presbíteros consagram-se por um novo e excelente título a Cristo, aderem a Ele mais facilmente com um coração indiviso, n'Ele e por Ele mais livremente se dedicam ao serviço de Deus e dos homens, com mais facilidade servem o seu reino e a obra da regeneração sobrenatural, e tornam-se mais aptos para receberem, de forma mais ampla, a paternidade em Cristo”.
            O celibato é dom de Deus, concedido em vista da missão. Portanto, trata-se do celibato por amor ao Reino dos céus. Como celibatários, os padres se dedicam ao serviço de Deus e dos homens “com um coração indiviso”. Isso significa que o celibatário é alguém que se consagrou totalmente, sem reservas. A missão sacerdotal é sinônimo de entrega total e generosa ao serviço de Deus e de seu povo. Na Igreja católica de rito latino, o celibato é obrigatório. Essa obrigatoriedade é questionada por muitos, mas aqui não tratarei desta questão, porque o foco do artigo é a vocação do presbítero e não a disciplina eclesiástica do celibato.
            Assim, é preciso dizer que o padre não é um solteirão, nem um frustrado no campo afetivo e sexual. Devidamente integrado, e vivendo o celibato como dom de Deus, cultiva relações saudáveis, muito necessárias na vida sacerdotal. Do contrário, infelizmente, é possível encontrar padres afetiva e sexualmente desajustados, que tem causado uma enorme ferida na vida eclesial, comportando-se de forma indigna de um ministro de Deus. Trata-se de uma realidade que precisa de atenção e cuidados, que não pode ser ignorada, nem negada.
            O decreto também fala da pobreza voluntária como uma exigência do ministério presbiteral. O padre não deve ser homem rico, poderoso e de prestígio mundano na sociedade. Configurado a Cristo Bom Pastor, deve buscar viver com simplicidade e despojamento. Um padre pobre é capaz de fazer com que a Igreja viva a opção pelos pobres e, consequentemente, é bem aceito entre os pobres. A pobreza é diferente de miséria. Esta é reprovável à luz da fé e dos direitos fundamentais da pessoa humana. Jesus era pobre e realizou a sua missão entre os pobres.
            O padre deve ter, e na grande maioria dos casos tem, as condições necessárias ao desempenho da sua missão: residência, atendimento médico, alimentação, vestuário, transporte, e um salário que o ajude nas demais despesas ordinárias da vida. Para além dessas condições necessárias, tudo é supérfluo e acúmulo desnecessário. O padre deve confiar em Cristo a quem serve, e não nas falsas seguranças que as riquezas deste mundo oferecem.

4. Tentações que aparecem na vida dos presbíteros
            Assim como Jesus foi tentado, o padre também é tentado a se desviar do caminho de Jesus. Para vencer as tentações, deve estar enraizado em Cristo; do contrário, sucumbe e perde o sentido da missão para a qual foi chamado, vivendo uma aparência de vocação. Finalizo essas breves considerações, mencionando algumas tentações que são recorrentes na vida do padre, que precisam ser vencidas, com muita fé, oração e confiança no Senhor. Eis algumas das tentações mais perigosas:
- A tentação do poder e do ter, que contraria a humildade e a pobreza voluntária;
- A tentação da vida dupla, que contraria a vivência do celibato;
- A tentação do espírito de superioridade, marca da pessoa orgulhosa, que atenta contra o diálogo e a boa relação com as pessoas;
-  A tentação da preguiça e do comodismo, que atenta contra a disponibilidade para a missão, deixando as pessoas desassistidas em suas necessidades materiais e espirituais;
- A tentação da desobediência, que contraria a promessa feita no dia da ordenação;
- A tentação do carreirismo, que faz do sacerdócio um meio de tirar vantagem em tudo, especialmente na busca obstinada por cargos de visibilidade e lugares que garantam vida cômoda;
- A tentação do mundanismo espiritual, que faz o padre usar o sagrado para alimentar a sua vaidade e aparentar piedade e santidade;
- A tentação do estrelismo, que leva o padre a se colocar no centro da vida da comunidade, ocupando o lugar de Cristo;
- A tentação da inveja, que o coloca como adversário de irmãos clérigos e leigos, destruindo a fraternidade;
- A tentação de viver sem rezar, tornando-o superficial e vazio;
- A tentação do consumismo, que o transforma em escravo do consumo de coisas supérfluas, em vista somente da satisfação da própria vaidade;
- A tentação das ambições desmedidas, que transforma o padre numa pessoa egoísta, centrada somente em si mesma e nos seus interesses.
            No altar do Senhor, na meditação de sua Palavra, na oração, no encontro permanente com os que sofrem e no dom da amizade, o padre encontra Jesus que o conduz firme e forte na missão. O ministério presbiteral, assim como os demais ministérios na Igreja, depende, em primeiro lugar, da ação da graça divina; e em segundo, da abertura de cada pessoa a esta graça.
O mesmo Deus que chama é o que acompanha e mantém o padre no caminho de Jesus. É necessário confiar e se entregar, ter fé e se colocar a serviço, esperar em Deus e caminhar na sua presença. Optando pelo Reino, tudo o mais vem por acréscimo (cf. Mt 6,33). Quem escuta o chamado e se decide por caminhar com Jesus, servindo-o com amor e generosidade, não perde nada. O próprio Cristo é a riqueza, a segurança e a salvação dos discípulos missionários que se colocam em seu caminho.

Tiago de França

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Mês vocacional: A vocação do diácono na Igreja católica


           Desde os tempos primitivos, a Igreja conta com uma diversidade de dons e carismas na construção do Reino de Deus. O apóstolo Paulo nos recorda esta verdade, ao dizer: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes atividades, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito, em vista do bem de todos” (1Cor 12,4-7).
            Inspirados nestas palavras do apóstolo Paulo, quero, neste mês de agosto, refletir sobre o tema das vocações na diversidade de suas manifestações. Neste breve texto, discorrerei sobre a vocação do diácono. Posteriormente, escreverei sobre as vocações presbiteral e episcopal. São ministérios específicos que existem em função do povo de Deus e da construção do Reino. Estas vocações não existem em função de pessoas, grupos ou interesses particulares, mas constituem ministérios “em vista do bem de todos”.

1. Os diáconos são expressão do Cristo Servidor
            A vocação diaconal tem sua origem na Igreja primitiva. Portanto, é tão antiga quanto a própria Igreja. No livro dos Atos dos Apóstolos encontramos um problema na comunidade: “os fiéis de língua grega começaram a queixar-se dos fiéis de língua hebraica”. E o motivo era que as viúvas estavam sendo deixadas de lado no atendimento diário. Então os apóstolos discutiram uma solução, e acharam por bem pedir que escolhessem “homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria”, para que cuidassem do “serviço às mesas” (cf. At 6,1-6).
            A proposta agradou a todos, e foram escolhidos Estevão, “homem cheio de fé e do Espírito Santo”, Filipe, Prócoro, Nicanor, Tímon, Pármenas e Nicolau de Antioquia, que era prosélito. Pelos nomes, percebe-se que eram gregos. Eis, portanto, duas características que todo diácono deve ter: Boa reputação e ser cheio do Espírito e de sabedoria. Isso significa que não é qualquer pessoa que pode exercer esse ministério, mas aqueles que são chamados por Deus a este sagrado serviço, e são confirmados pela Igreja.
            O texto diz que foram escolhidos para atender as pessoas, ajudando-as em suas necessidades. A caridade evangélica é a marcada do serviço diaconal. O livro de Atos também revela que os diáconos também pregavam. O anúncio do Evangelho integra todas as vocações na Igreja. Todas estão em função deste anúncio, sem o qual a Igreja perde a sua razão de existir.
            Com a institucionalização eclesiástica e com o passar do tempo, o ministério do diácono permanente foi sendo marginalizado na vida eclesial. A história do sacramento da Ordem revela isso. O diaconato transitório passou a ser a expressão evidente do ministério diaconal na Igreja. Entende-se por diaconato transitório a situação do candidato às ordens sacras, que tendo concluído a formação inicial, é ordenado diácono para um período determinado, com duração mínima de seis meses. Dependendo da necessidade e do discernimento do Bispo, o diácono pode ser ordenado presbítero antes dos seis meses.

2. A restauração do diaconato permanente na Igreja
            O concílio Vaticano II (1962-1965) restaurou o diaconato permanente na Igreja católica. A constituição dogmática Lumen Gentium – sobre a Igreja, no n. 29 afirma o seguinte: “Em grau inferior da hierarquia estão os diáconos, aos quais foram impostas as mãos ‘não em ordem ao sacerdócio, mas ao ministério’. Pois que, fortalecidos com a graça sacramental, servem o Povo de Deus em união com o Bispo e o seu presbitério, no ministério da Liturgia, da palavra e da caridade. É próprio do diácono, segundo for cometido pela competente autoridade, administrar solenemente o Batismo, guardar e distribuir a Eucaristia, assistir e abençoar o Matrimónio em nome da Igreja, levar o viático aos moribundos, ler aos fiéis a Sagrada Escritura, instruir e exortar o povo, presidir ao culto e à oração dos fiéis, administrar os sacramentais, dirigir os ritos do funeral e da sepultura. Consagrados aos ofícios da caridade e da administração, lembrem-se os diáconos da recomendação de S. Policarpo: ‘misericordiosos, diligentes, caminhando na verdade do Senhor, que se fez servo de todos’”.
            Assim como em Atos 6,6, os Bispos impõem suas mãos sobre o diácono no momento da ordenação. Juntamente com a oração própria, esse gesto consagra o diácono para servir o povo de Deus, imprimindo-lhe um caráter indelével, concedido pela graça sacramental. A imposição das mãos não “em ordem ao sacerdócio, mas ao ministério”, ou seja, o diácono permanente não é um padre pela metade, mas um ministro ordenado para o exercício de funções específicas, em comunhão com o Bispo e o presbitério, sem ser confundido com os leigos, nem com os presbíteros.
            O diácono serve o povo de Deus no ministério da Liturgia, da palavra e da caridade. Havendo diácono na celebração eucarística, pertencem a ele as funções de proclamar o Evangelho e preparar o altar para a apresentação das oferendas. Querendo, o presbítero pode pedir que o diácono também faça a homilia. Na liturgia eucarística somente o diácono, o presbítero e o Bispo podem fazer a homilia. A Lumen Gentium, como se pode conferir acima, faz questão de explicitar outras funções do diácono, estabelecendo, assim, o que compete a esse ministro da Igreja.
            Os diáconos permanentes também podem se ocupar com a administração, de acordo com as necessidades da Igreja e as diretrizes do Bispo. O número 29 do mesmo documento, termina dizendo o que segue: “Como porém, estes ofícios, muito necessários para a vida da Igreja na disciplina atual da Igreja latina, dificilmente podem ser exercidos em muitas regiões, o diaconado poderá ser, para o futuro, restaurado como grau próprio e permanente da Hierarquia. Às diversas Conferências episcopais territoriais competentes cabe decidir, com a aprovação do Sumo Pontífice, se e onde é oportuno instituir tais diáconos para a cura das almas. Com o consentimento do Romano Pontífice, poderá este diaconado ser conferido a homens de idade madura, mesmo casados, e a jovens idóneos; em relação a estes últimos, porém, permanece em vigor a lei do celibato”.

3. Algumas prescrições canônicas
            Canonicamente, o diácono é um clérigo incardinado em uma Igreja particular (cf. cânon 266, §1 do Código de Direito Canônico – CDC). Portanto, não é um sacristão qualificado nem um mini-padre. Os números 47 e 48 das diretrizes para a formação do diaconato permanente (documento da CNBB 96) afirmam que o diaconato faz parte do sacramento da Ordem e os diáconos exercem seu ministério a partir de uma graça sacramental. A Ordem confere uma graça especial do Espírito Santo para que o ministro, em sua realidade pessoal e histórico-cultural, seja imagem de Cristo Servo.
            Os diáconos permanentes são dispensados de algumas obrigações impostas aos presbíteros e Bispos, tais como: Não são obrigados a usar o hábito eclesiástico que distinguem, exteriormente, os clérigos dos leigos (batina, clergyman); podem exercer funções/atividades seculares proibidas aos presbíteros e Bispos, como filiação partidária e sindical e atividades de comércio; “salvo determinação contrária do direito particular” (cf. cânon 288 do CDC).
            No caso daqueles que são ordenados diáconos em vista do sacerdócio ministerial, pede-se que o candidato conheça bem a natureza e as exigências do diaconato. Recorda-se também que, ao pedir a ordenação, o candidato deve compreender e aceitar a observância do celibato. Na ordenação, promete-se esta observância. Tendo aceito as exigências e solicitado a ordenação, deve o candidato estar consciente do tríplice múnus que caracteriza o diaconato: a Palavra, a Liturgia e a Caridade (cf. o n. 348 das diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil – Documentos da CNBB 110).
            Infelizmente, devido à falta de entendimento do significado e importância do ministério diaconal por parte de muitos clérigos e leigos, muitos diáconos permanentes não são devidamente respeitados e valorizados. Muitos fiéis, desprovidos do necessário conhecimento deste ministério, recusam-se a participar das celebrações presididas por diáconos permanentes. Também muitos presbíteros apresentam algumas resistências, mesmo tendo sido diáconos transitórios.
Em muitos casos, há uma espécie de preconceito em relação aos diáconos permanentes. Essa realidade, que chega a ser vergonhosa, reclama por formação e conscientização. A rejeição dos diáconos permanentes é prova incontestável da falta de conhecimento do significado e importância dos ministérios na Igreja. Esta é toda ministerial para o serviço do povo de Deus. No centro da comunidade eclesial está Jesus, e não a pessoa dos membros da hierarquia eclesiástica. Estes são chamados a ser os servidores da comunidade, a exemplo do Cristo Servidor, “que não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Mt 20,28).

Tiago de França