sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Mês vocacional: A vocação do bispo na Igreja católica


             O tema das vocações é muito importante para a vida da Igreja, porque Deus chama todas as pessoas para que desempenhem no mundo a missão de edificar o seu Reino. Cada um a seu modo, e a partir daquilo que faz, pode colaborar com a obra salvífica de Deus. A participação de cada pessoa não é dispensada. Ninguém é salvo vivendo isolado dos outros, mas amando-os com alegria e generosidade. Vocação se vive no amor gratuito e generoso. Neste breve artigo, queremos refletir sobre o que nos diz a Palavra de Deus e a constituição dogmática Lumen gentium, do Vaticano II, acerca da vocação do bispo na Igreja.

1. Considerações do apóstolo Paulo a Timóteo
            O apóstolo Paulo diz que quem deseja ser bispo, está desejando um trabalho valioso. Afirma também que deve o bispo ser alguém irrepreensível, sóbrio, ponderado, educado, hospitaleiro, apto para o ensino, não violento, moderado, não briguento e não avarento (cf. 1Tm 3,1-6). São características necessárias a um homem que deve estar preparado para exercer uma missão exigente.
            Na Igreja primitiva, o bispo exercia o seu ministério com o auxílio dos presbíteros e dos diáconos. Na gênese do ministério episcopal está a dimensão colegial do seu exercício, ou seja, não existe bispo sozinho, mas em comunhão com toda a Igreja, especialmente com o Romano Pontífice, o Papa, Bispo de Roma. A citação paulina mostra a necessidade de o bispo ser íntegro, livre e capacitado para o exercício de sua missão apostólica.
            Ao longo da história da Igreja, desde os tempos apostólicos, inúmeros bispos se destacaram no desempenho do ministério episcopal. Alguns se destacaram pelo solidez e profundidade do ensino; outros pela caridade e zelo pastoral; outros, ainda, pela boa administração e fundação de igrejas particulares. Cada bispo é único, no sentido de ter suas próprias virtudes e limitações. Cada um a seu modo preside a Igreja particular, manifestando ao mundo a grandeza da obra de Cristo, o Bom Pastor.

2. O bispo segundo a Lumen gentium
            O capítulo III da Lumen gentium (LG), constituição dogmática sobre a Igreja, do Vaticano II, trata da constituição hierárquica da Igreja e em especial do episcopado. Sobre os bispos, os números 18 a 27 oferecem uma sólida doutrina a respeito do significado e da importância do ministério episcopal. Em breves linhas, vamos a algumas afirmações que revelam o valor deste importante ministério na vida eclesial.
            A sucessão ininterrupta transmite o múnus apostólico (de apascentar a Igreja). A missão que os bispos têm de apascentar o rebanho do Senhor que está sob os cuidados da Igreja é transmitida pela sucessão apostólica, que é ininterrupta na história do cristianismo católico. Como sucessores dos Apóstolos, os bispos participam da missão de Cristo, porque aqueles foram enviados por este para desempenhar esse múnus.
            Os Bispos presidem a comunidade como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado e ministros do governo. Eis, portanto, a que os bispos são chamados a ser na vida da comunidade cristã: mestres da doutrina, porque cabe a eles a obrigação de ensinar com clareza e coragem, o conteúdo da fé cristã e do conjunto da doutrina da Igreja; sacerdote do culto sagrado, porque são, por excelência, sacerdotes da Sagrada Liturgia, para a santificação do povo fiel; ministro do governo eclesiástico, porque possuem o poder e a autonomia para governar as Igrejas particulares entregues aos seus cuidados.
            Quem os ouve, ouve a Cristo; quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo. Enquanto pastores da Igreja de Cristo, devem os bispos ser escutados naquilo que ensinam, com suas palavras e gestos. Os fiéis são convidados à escuta dócil e filial daquilo que o bispo transmite em nome de Deus e da Igreja. Neste sentido, desprezo em relação aos bispos é reprovável diante de Deus, considerando que foram constituídos, legitimamente, como pastores da Igreja de Cristo. O respeito e a obediência devem ser cultivados, para que haja unidade e paz na Igreja.
            Pela consagração episcopal, o Bispo recebe uma efusão especial do Espírito Santo para desempenhar suas elevadas funções. A graça sacramental conferida no momento da consagração faz o bispo experimentar a ação amorosa de Deus em sua vida, transformando-o e elevando-o à dignidade de ministro de Deus e dispensador dos mistérios divinos. Portanto, o bispo é homem ungido pelo Espírito, portador de uma graça que não o abandona jamais. Iluminado e fortalecido pelo Espírito, torna-se capaz de desempenhar, apesar de seus pecados, suas elevadas funções.
            O Bispo tem os poderes de santificar, ensinar e governar, que são exercidos em comunhão hierárquica com a cabeça e os membros do colégio episcopal. Não existe Bispo no vácuo, nem desligado da Cabeça do Colégio Episcopal. Seus poderes devem ser exercidos em comunhão com o Papa e com os demais bispos. Jamais deve faltar a colegialidade e a sinodalidade, pois destas dependem a comunhão da Igreja. Somente assim, esta tem condições de dar testemunho da tão sonhada e exigida unidade vivida e desejada por Jesus Cristo, Senhor e Salvador, divino Esposo da Igreja.
            O Papa tem pleno, supremo e universal poder sobre toda a Igreja, e pode exercer este poder livremente. O Bispo de Roma, legitimamente eleito pelo Colégio cardinalício, tem poder total, a ninguém se sujeita, e governa toda a Igreja. É livre para exercer este poder. Apesar dessas prerrogativas, também o Papa é chamado a viver em comunhão com o Colégio Episcopal. O Papa Francisco tem dado um belíssimo testemunho de ação pontifícia pautada na liberdade, no respeito à pluralidade presente na Igreja, e na sinodalidade. Distanciando-se do autoritarismo, preza pela escuta daquilo que o Espírito diz à Igreja, governando-a com serenidade e firmeza, coragem e profecia.
            Cada Bispo é princípio e fundamento de unidade nas suas igrejas. A questão da unidade é muito cara à Igreja, porque sem ela o caminho se torna inviável. Os conflitos e a tendência à divisão são realidades constantes na história da Igreja. Em certas épocas, tendem a aumentar e radicalizar-se. O Vaticano II exige que os bispos trabalhem pela unidade nas suas igrejas, de modo que não deixem prosperar focos de divisão que se manifestam, insistentemente. Para promover a unidade, o bispo é chamado a formar e exortar, orientar e corrigir e, se for o caso, estabelecer punições àqueles que insistem, obstinadamente, no caminho do escândalo da divisão e/ou dos cismas.
            Tríplice ministério dos bispos: ensinar, santificar e reger. No ensino, são arautos da fé e doutores autênticos; no exercício da santificação do povo fiel, são administradores da graça do supremo sacerdócio; no governo das igrejas, são vigários e legados de Cristo. Desse modo, os bispos possuem a plenitude do encargo pastoral.
            Muitas outras afirmações poderiam ser feitas sobre a vida e a missão dos bispos na Igreja, mas estas são suficientes para que o leitor perceba a riqueza deste ministério na vida eclesial.
Trata-se de uma missão muito desafiadora, mas quando vivida com amor e dedicação, é causa de edificação para todo o Corpo místico de Cristo, a Igreja. O mesmo Concílio também promulgou, com a assinatura de São Paulo VI, o Decreto Christus dominus, sobre o múnus pastoral dos bispos na Igreja. Vale a pena estudar esse documento. Muito do que é dito na LG também se encontra nele.

3. Uma exortação aos “cismáticos devotos”
            A expressão “cismáticos devotos” não é minha, mas do historiador italiano Massimo Faggioli, em artigo publicado por La Croix International, publicado em 16 de julho de 2019. A expressão fala daqueles católicos que possuem instinto cismático, dotados de certa devoção política que nada tem a ver com a Igreja. Esses católicos têm se multiplicado, especialmente após a eleição do Papa Francisco, em 2013.
            Os ataques ao Papa e a muitos bispos são constantes, principalmente nas redes sociais, sites e espaços eclesiais. Não se trata de mera discordância, mas de violência explícita, que revela uma grave ausência de comunhão. Desconsiderando o Evangelho de Jesus, atacam sem piedade. Questionam muitas coisas, dentre as quais a legitimidade do Papa e do Vaticano II. São católicos que caem no pecado do radicalismo. Pensam que promovem e defendem a Tradição, mas praticam o mal do tradicionalismo.
            Os menos violentos também são nocivos, porque são saudosistas de uma época que, de fato, não conheceram. Desejam que a Igreja caminhe para trás, num retorno a um passado que não oferece respostas às novas questões que o homem pós-moderno coloca para a fé da Igreja. São católicos leigos e clérigos, que defendem uma cristandade que já não existe mais. O que temos são resquícios da cristandade. A realidade exige conversão eclesial; do contrário, aos poucos, as pessoas vão se afastando, porque vão se cansando de ouvir as mesmas coisas, que já não lhes interessam mais.
            A estes católicos, que com palavras e gestos militam contra a comunhão eclesial, convido a conhecer as Escrituras, a Tradição e o Magistério. O conhecimento liberta as pessoas de muitos equívocos. Conhecer exige disposição para estudar. Pelas falas que aparecem em muitos lugares, especialmente nas redes sociais, percebe-se a falta de conteúdo. Há muita repetição de frases cujo efeito dura pouco.
O Evangelho de Jesus precisa ser colocado no centro. Acima de todos está Jesus e seu Evangelho, e no centro deste está o Reino de Deus. O mais importante não é discutir a doutrina, mas aceitar Jesus e seu projeto, colocar-se em seu caminho e nele perseverar. É disso que a Igreja e o mundo precisam. Tudo o mais pode até parecer edificante, mas, por si só, não salva. Se toda a Igreja se mantém com o olhar fixo em Jesus, a caminhada será exitosa e a comunhão não nos faltará.

Tiago de França

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