O tema
das vocações é muito importante para a vida da Igreja, porque Deus chama todas
as pessoas para que desempenhem no mundo a missão de edificar o seu Reino. Cada
um a seu modo, e a partir daquilo que faz, pode colaborar com a obra salvífica
de Deus. A participação de cada pessoa não é dispensada. Ninguém é salvo
vivendo isolado dos outros, mas amando-os com alegria e generosidade. Vocação
se vive no amor gratuito e generoso. Neste breve artigo, queremos refletir
sobre o que nos diz a Palavra de Deus e a constituição dogmática Lumen gentium, do Vaticano II, acerca da
vocação do bispo na Igreja.
1. Considerações do apóstolo Paulo a
Timóteo
O
apóstolo Paulo diz que quem deseja ser bispo, está desejando um trabalho
valioso. Afirma também que deve o bispo ser alguém irrepreensível, sóbrio,
ponderado, educado, hospitaleiro, apto para o ensino, não violento, moderado,
não briguento e não avarento (cf. 1Tm 3,1-6). São características necessárias a
um homem que deve estar preparado para exercer uma missão exigente.
Na Igreja primitiva, o bispo exercia
o seu ministério com o auxílio dos presbíteros e dos diáconos. Na gênese do
ministério episcopal está a dimensão colegial do seu exercício, ou seja, não
existe bispo sozinho, mas em comunhão com toda a Igreja, especialmente com o
Romano Pontífice, o Papa, Bispo de Roma. A citação paulina mostra a necessidade
de o bispo ser íntegro, livre e capacitado para o exercício de sua missão
apostólica.
Ao longo da história da Igreja,
desde os tempos apostólicos, inúmeros bispos se destacaram no desempenho do
ministério episcopal. Alguns se destacaram pelo solidez e profundidade do
ensino; outros pela caridade e zelo pastoral; outros, ainda, pela boa
administração e fundação de igrejas particulares. Cada bispo é único, no
sentido de ter suas próprias virtudes e limitações. Cada um a seu modo preside
a Igreja particular, manifestando ao mundo a grandeza da obra de Cristo, o Bom
Pastor.
2. O bispo segundo a Lumen gentium
O capítulo III da Lumen gentium (LG), constituição
dogmática sobre a Igreja, do Vaticano II, trata da constituição hierárquica da
Igreja e em especial do episcopado. Sobre os bispos, os números 18 a 27
oferecem uma sólida doutrina a respeito do significado e da importância do
ministério episcopal. Em breves linhas, vamos a algumas afirmações que revelam
o valor deste importante ministério na vida eclesial.
A sucessão ininterrupta transmite o múnus
apostólico (de apascentar a Igreja). A missão que os bispos têm de
apascentar o rebanho do Senhor que está sob os cuidados da Igreja é transmitida
pela sucessão apostólica, que é ininterrupta na história do cristianismo
católico. Como sucessores dos Apóstolos, os bispos participam da missão de
Cristo, porque aqueles foram enviados por este para desempenhar esse múnus.
Os Bispos presidem a comunidade como mestres
da doutrina, sacerdotes do culto sagrado e ministros do governo. Eis,
portanto, a que os bispos são chamados a ser na vida da comunidade cristã:
mestres da doutrina, porque cabe a eles a obrigação de ensinar com clareza e
coragem, o conteúdo da fé cristã e do conjunto da doutrina da Igreja; sacerdote
do culto sagrado, porque são, por excelência, sacerdotes da Sagrada Liturgia,
para a santificação do povo fiel; ministro do governo eclesiástico, porque
possuem o poder e a autonomia para governar as Igrejas particulares entregues
aos seus cuidados.
Quem os ouve, ouve a Cristo; quem os
despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo. Enquanto
pastores da Igreja de Cristo, devem os bispos ser escutados naquilo que
ensinam, com suas palavras e gestos. Os fiéis são convidados à escuta dócil e
filial daquilo que o bispo transmite em nome de Deus e da Igreja. Neste sentido,
desprezo em relação aos bispos é reprovável diante de Deus, considerando que
foram constituídos, legitimamente, como pastores da Igreja de Cristo. O
respeito e a obediência devem ser cultivados, para que haja unidade e paz na
Igreja.
Pela consagração episcopal, o Bispo recebe
uma efusão especial do Espírito Santo para desempenhar suas elevadas funções.
A graça sacramental conferida no momento da consagração faz o bispo
experimentar a ação amorosa de Deus em sua vida, transformando-o e elevando-o à
dignidade de ministro de Deus e dispensador dos mistérios divinos. Portanto, o
bispo é homem ungido pelo Espírito, portador de uma graça que não o abandona
jamais. Iluminado e fortalecido pelo Espírito, torna-se capaz de desempenhar,
apesar de seus pecados, suas elevadas funções.
O Bispo tem os poderes de santificar,
ensinar e governar, que são exercidos em comunhão hierárquica com a cabeça e os
membros do colégio episcopal. Não existe Bispo no vácuo, nem desligado
da Cabeça do Colégio Episcopal. Seus poderes devem ser exercidos em comunhão
com o Papa e com os demais bispos. Jamais deve faltar a colegialidade e a
sinodalidade, pois destas dependem a comunhão da Igreja. Somente assim, esta
tem condições de dar testemunho da tão sonhada e exigida unidade vivida e
desejada por Jesus Cristo, Senhor e Salvador, divino Esposo da Igreja.
O Papa tem pleno, supremo e universal poder
sobre toda a Igreja, e pode exercer este poder livremente. O Bispo de
Roma, legitimamente eleito pelo Colégio cardinalício, tem poder total, a
ninguém se sujeita, e governa toda a Igreja. É livre para exercer este poder.
Apesar dessas prerrogativas, também o Papa é chamado a viver em comunhão com o
Colégio Episcopal. O Papa Francisco tem dado um belíssimo testemunho de ação
pontifícia pautada na liberdade, no respeito à pluralidade presente na Igreja,
e na sinodalidade. Distanciando-se do autoritarismo, preza pela escuta daquilo
que o Espírito diz à Igreja, governando-a com serenidade e firmeza, coragem e
profecia.
Cada Bispo é princípio e fundamento de
unidade nas suas igrejas. A questão da unidade é muito cara à Igreja,
porque sem ela o caminho se torna inviável. Os conflitos e a tendência à
divisão são realidades constantes na história da Igreja. Em certas épocas,
tendem a aumentar e radicalizar-se. O Vaticano II exige que os bispos trabalhem
pela unidade nas suas igrejas, de modo que não deixem prosperar focos de
divisão que se manifestam, insistentemente. Para promover a unidade, o bispo é
chamado a formar e exortar, orientar e corrigir e, se for o caso, estabelecer
punições àqueles que insistem, obstinadamente, no caminho do escândalo da
divisão e/ou dos cismas.
Tríplice ministério dos bispos: ensinar,
santificar e reger. No ensino, são arautos da fé e doutores autênticos;
no exercício da santificação do povo fiel, são administradores da graça do
supremo sacerdócio; no governo das igrejas, são vigários e legados de Cristo. Desse
modo, os bispos possuem a plenitude do encargo pastoral.
Muitas outras afirmações poderiam
ser feitas sobre a vida e a missão dos bispos na Igreja, mas estas são
suficientes para que o leitor perceba a riqueza deste ministério na vida
eclesial.
Trata-se de uma missão muito desafiadora, mas quando vivida
com amor e dedicação, é causa de edificação para todo o Corpo místico de
Cristo, a Igreja. O mesmo Concílio também promulgou, com a assinatura de São
Paulo VI, o Decreto Christus dominus,
sobre o múnus pastoral dos bispos na Igreja. Vale a pena estudar esse
documento. Muito do que é dito na LG também se encontra nele.
3. Uma exortação aos “cismáticos devotos”
A
expressão “cismáticos devotos” não é minha, mas do historiador italiano Massimo
Faggioli, em artigo publicado por La
Croix International, publicado em 16 de julho de 2019. A expressão fala
daqueles católicos que possuem instinto cismático, dotados de certa devoção
política que nada tem a ver com a Igreja. Esses católicos têm se multiplicado,
especialmente após a eleição do Papa Francisco, em 2013.
Os ataques ao Papa e a muitos bispos
são constantes, principalmente nas redes sociais, sites e espaços eclesiais. Não
se trata de mera discordância, mas de violência explícita, que revela uma grave
ausência de comunhão. Desconsiderando o Evangelho de Jesus, atacam sem piedade.
Questionam muitas coisas, dentre as quais a legitimidade do Papa e do Vaticano
II. São católicos que caem no pecado do radicalismo. Pensam que promovem e
defendem a Tradição, mas praticam o mal do tradicionalismo.
Os menos violentos também são
nocivos, porque são saudosistas de uma época que, de fato, não conheceram. Desejam
que a Igreja caminhe para trás, num retorno a um passado que não oferece
respostas às novas questões que o homem pós-moderno coloca para a fé da Igreja.
São católicos leigos e clérigos, que defendem uma cristandade que já não existe
mais. O que temos são resquícios da cristandade. A realidade exige conversão
eclesial; do contrário, aos poucos, as pessoas vão se afastando, porque vão se
cansando de ouvir as mesmas coisas, que já não lhes interessam mais.
A estes católicos, que com palavras
e gestos militam contra a comunhão eclesial, convido a conhecer as Escrituras,
a Tradição e o Magistério. O conhecimento liberta as pessoas de muitos
equívocos. Conhecer exige disposição para estudar. Pelas falas que aparecem em
muitos lugares, especialmente nas redes sociais, percebe-se a falta de
conteúdo. Há muita repetição de frases cujo efeito dura pouco.
O Evangelho de Jesus precisa ser colocado no centro. Acima
de todos está Jesus e seu Evangelho, e no centro deste está o Reino de Deus. O
mais importante não é discutir a doutrina, mas aceitar Jesus e seu projeto,
colocar-se em seu caminho e nele perseverar. É disso que a Igreja e o mundo
precisam. Tudo o mais pode até parecer edificante, mas, por si só, não salva. Se
toda a Igreja se mantém com o olhar fixo em Jesus, a caminhada será exitosa e a
comunhão não nos faltará.
Tiago
de França
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