sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Orar costuma fazer bem


“Quando é autêntica, a oração é livre dos instintos de violência e é um olhar dirigido a Deus, a fim de que Ele volte a cuidar do coração do homem” (Papa Francisco).
            Não existe vida cristã sem oração. Isso significa que o discípulo de Jesus é alguém que reza sem cessar, porque assim o Mestre ensinou a fazer (cf. Lc 18,1-8). Interessante como o evangelista faz questão de dizer que a parábola da viúva e do juiz contada por Jesus foi dirigida aos seus discípulos para “mostrar-lhes a necessidade de orar sempre, sem nunca desistir”. A viúva insiste em pedir ao juiz que lhe faça justiça. O juiz não temia a Deus, nem tinha respeito por homem algum, mas fez justiça à viúva.
            As palavras de Jesus é uma chamada de atenção a todo aquele que deseja segui-lo mais de perto: “Escutai bem o que disse esse juiz injusto! E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele dia e noite? Ele os fará esperar?” Deus é Justo e não deixa de escutar o clamor de seus filhos e filhas. Não é surdo, nem inerte, mas amoroso e compassivo, atento ao que se passa no mundo. Jesus revelou que o Pai não é indiferente ao que se passa com seus filhos e filhas. Ao rezar, o cristão precisa considerar essa verdade.
            É preciso rezar com perseverança, para que Deus escute e interfira no momento oportuno. Na oração, aprende-se o momento da ação divina. Não se impõe a Deus o que deve fazer e quando fazer. A oração, em primeiro lugar, não está destinada a ser uma oportunidade para dizer a Deus o que ele deve faze e como fazer. Rezar é “um olhar dirigido a Deus”. Mesmo que não se tenha palavra, nem se saiba o que dizer, basta olhar para Deus, colocar-se na sua presença. Muito antes de qualquer expressão, Ele, que conhece todas as coisas, também conhece o que se passa na vida e no coração de todos.
            Mas como é Pai, é do seu agrado que o busquemos sem cessar. Em todo momento pode ser encontrado, porque não é ausente, nem indiferente. Está presente em toda parte, e em toda parte pode ser invocado. Ele está na brisa suave (cf. 1Rs 19,9-18), chamando os seus escolhidos para escutar a sua palavra, conhecer seus desígnios e seu amor. Rezar é entrar em comunhão com o Amor. Trata-se de uma comunhão marcada pela leveza, suavidade, proximidade, silêncio, escuta amorosa, discernimento, paciência, perseverança, paz... Deus não é violento, mas pacífico. Os que rezam, tornam-se pacíficos e pacificadores.
            Que reza experimenta o amor e a paz que vem de Deus. É inconcebível e inaceitável que alguém viva em comunhão com Deus e, ao mesmo tempo, seja maldoso com o próximo. A bondade é fruto da oração, e a paz também. A oração faz a pessoa ser conforme a vontade divina: amorosa, serena, firme, decidida, acolhedora, aberta ao diálogo e ao perdão, solidária, paciente, alegre... A oração abre os olhos das pessoas para a visão de Deus.
Os que se entregam à oração enxergam a Deus no cotidiano simples da vida. Deus age de forma sutil, discreta, sem chamar a atenção; não gosta do espetáculo, porque não precisa disso para ser Deus. Deus não tem carência, porque é pleno. Seu amor é abundante e expansivo, e sempre está semeando esse amor nos corações daqueles que escutam a sua voz na oração e nas circunstâncias da vida. Rezar é entregar-se ao mistério de Deus, que fala e brota do coração.
Na vida da Igreja, temos a oração comunitária e a oração pessoal. Enquanto membros da Igreja, somos uma comunidade orante, que oferece ao Pai um sacrifício de louvor. Na liturgia da Igreja a obra da salvação é continuada (cf. constituição Sacrosanctum concilium – sobre a sagrada liturgia, n. 6). Na oração particular ou pessoal, cada cristão se coloca diante de Deus, em comunhão com toda a Igreja. Apresenta-se como membro do povo de Deus, não como alguém isolado, buscando a satisfação de seus desejos. A oração não se presta à mera satisfação dos desejos humanos.
Na oração sincera e livre de todo interesse mesquinho, Deus vem para “cuidar do coração do homem”. Vejam a beleza dessas palavras do Papa Francisco! É a expressão de um homem que aprendeu a rezar. A oração também é uma escola na qual se aprende a viver em comunhão com Deus. Não se aprende a rezar fazendo cursos de oração. Aprende-se a rezar, rezando. A melhor oração é aquela que brota do coração, das entranhas da pessoa. Diante de Deus, o Espírito do Senhor faz a pessoa dizer a Deus expressões belas e filiais, porque este Espírito sonda todas as coisas, “até mesmo as profundezas de Deus” (1 Cor 2,10). O Espírito de Deus intercede por nós e vem em socorro de nossa fraqueza (cf. Rm 8,26-27).
Os cristãos rezam para caminhar na presença de Deus, de braços abertos para acolher e amar o próximo. A oração conduz ao amor a Deus e ao próximo. Não se deve rezar para fechar-se em si mesmo, nem para se sentir superior aos outros. Quem assim procede, na verdade, não reza, mas conversa consigo mesmo, jamais com Deus. Não vive a comunhão com Deus. Esta comunhão passa, necessariamente, pela relação amorosa com os outros. O cristão reza para ter coragem, disposição, abertura, compreensão e perseverança no amor a Deus e ao próximo como a si mesmo.
A oração cultiva o amor no coração daquele que reza, e este amor o liberta da cultura do ódio e da indiferença que tende a dominar o mundo e as pessoas. Quem reza se coloca sempre na fileira dos servidores do Evangelho, jamais na dos egoístas e indiferentes ao sofrimento dos pobres e injustiçados. Quem reza é sensível ao que se passa no mundo; do contrário, está confundindo oração com outra coisa. Portanto, o cristianismo e o mundo precisam de pessoas que se entreguem à oração e ao amor que daí decorre.
Hoje, é preciso rezar pela unidade dos cristãos, dentro e fora da Igreja católica. Esta oração conduz ao reconhecimento da necessária comunhão eclesial. Aliás, mais do que reconhecimento, conduz, sobretudo, a atitudes geradoras de comunhão. Não adianta rezar nas igrejas e agir de forma contrária ao que se diz na oração comunitária e pessoal. Não adianta abrir a boca para dizer que Deus é amor, e na prática cultivar o ódio nas relações interpessoais. Deus não escuta a oração dos insensatos e hipócritas, mas escuta o humilde, que bate no peito, reconhecendo seu pecado, colocando-se numa atitude de arrependimento e acolhida de Deus. Deus não escuta a prece dos que confiam na sua própria justiça e desprezam os outros (cf. Lc 18,9-14).

Tiago de França

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