quinta-feira, 24 de junho de 2021

João Batista: profeta do Altíssimo

 


“Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus” (Lc 1,16).

            Muito conhecida e querida a figura do profeta João Batista na caminhada dos cristãos. Desde o séc. IV se tem notícia de culto a este profeta corajoso, que preparou a chegada do Messias, Jesus de Nazaré. Pregando um batismo de conversão, apontou para o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Denunciando o pecado e o mal alojados no coração humano, ensinou o caminho da conversão.

            “A mão do Senhor estava com ele”, informa-nos o terceiro evangelista (Lc 1,66). Na Bíblia, a mão do Senhor permanece com as mulheres e homens justos, que receberam de Deus uma missão específica, em um determinado tempo e lugar. Todos tinham consciência de sua missão, e sabiam que contavam com a mão do Senhor, que acompanha e apoia todos os que são chamados a participar do plano de Deus. A mão do Senhor é a segurança daqueles que aceitam a missão confiada por Deus.

            Dentro do projeto de Deus, a atividade profética é essencial. Os profetas bíblicos cumpriram fielmente a missão recebida, apesar de suas fragilidades e das diversas circunstâncias nas quais viviam. Transmitiram com fidelidade e ousadia a mensagem de Deus. Em todo tempo e lugar, o Senhor suscita profetas, com a missão de revelar a Sua vontade para a vida e salvação da humanidade. O profeta não fala de si mesmo, mas anuncia o surgimento de uma humanidade nova, alicerçada na justiça e no direito.

            O anúncio desta humanidade nova inclui, necessariamente, a denúncia sistemática das injustiças que ferem a dignidade da pessoa humana. Por causa da denúncia das injustiças, os profetas são, muitas vezes, incompreendidos, perseguidos e mortos. Os que praticam e são coniventes com o mal odeiam os profetas, porque estes não se calam nem podem se calar. A mensagem divina precisa ser anunciada, mesmo que muitos a rejeitem. A semente precisa ser semeada, mesmo que não germine, por causa da dureza do coração das mulheres e homens dominados pelo ódio e pelas ideologias de morte que operam no mundo.

            O profeta não prega ideologias, porque estas visam o interesse de pessoas e grupos; mas prega a vontade de Deus para determinadas situações ou circunstâncias; anuncia o projeto de Deus, e fala, com a autoridade dada por Deus, qual o caminho que se deve seguir. Auxiliado pelo dom do discernimento dos espíritos, aponta para Deus. Habitado pela graça de Deus, fala daquilo que é de Deus, e não se ocupa com os interesses meramente humanos. Ao profeta são revelados os pensamentos de Deus, que estão acima dos pensamentos humanos. Na escuta atenta da voz de Deus, o profeta prepara “para o Senhor um povo bem-disposto” (Lc 1,17).

            O profeta João Batista foi assassinado porque denunciou o fato de o rei Herodes ter tomado para si a mulher do seu irmão Filipe. Enfurecida, Herodíades, que tinha sido mulher de Filipe, procurava uma oportunidade para matá-lo. Encontrando a oportunidade, por ocasião do aniversário do rei, não pensou duas vezes e pediu a cabeça do profeta, que lhe foi trazida em um prato (cf. Mc 6,14-29). João Batista sabia dos riscos que corria, mas nem por isso recuou, porque a mão do Senhor estava com ele.

            Certo de sua missão, o profeta não recua nem se entrega ao medo. Não se deixa amedrontar nem fica preocupado se está ou não agradando às pessoas. Sua missão não é agradar às pessoas, mas anunciar o Reino de Deus. As resistências ao Reino de Deus sempre existiram e continuarão a existir, porque não são todas as pessoas que estão dispostas a aceitar as exigências deste Reino. Há sempre aqueles que trilham caminhos tortuosos, e desejam ser confirmados em suas desventuras. Não cabe ao profeta tolerar nem se calar diante das injustiças. Pelo contrário, a sua missão é a de enfrentá-las, com ternura e vigor, com serenidade e firmeza, com coragem e alegria.

            A profecia será sempre um incômodo para muitos, mas não pode deixar de existir, tanto dentro quanto fora da Igreja. Ninguém jamais conseguirá acabar com a profecia na Igreja e no mundo, porque é obra do Espírito de Deus, que sopra onde, quando e em quem quer. O profeta é pessoa guiada e iluminada pelo Espírito de Deus, e contra este Espírito não há força humana que possa alguma coisa.

Os planos de Deus se realizam, apesar das resistências humanas; e o profeta está a serviço dos planos de Deus. A salvação da humanidade em Cristo Jesus, o Messias, está no centro dos planos de Deus. O profeta João Batista preparou os caminhos para a manifestação da salvação oferecida em Jesus, o Cordeiro.

Hoje, os profetas continuam anunciando esta salvação. Para isso, precisam enfrentar os poderosos deste mundo, os Herodes dos dias atuais, que perseguem e matam milhares de pessoas. Todo profeta conhece a força de Deus, e sabem que os poderosos deste mundo não conhecem nem podem contar com esta força divina. Por isso, seus poderes são frágeis, e no fim de tudo, desaparecem como a fumaça, não sobrando nada além das tristes recordações de seus feitos diabólicos neste mundo. Os profetas, pelo contrário, assim como João Batista, serão sempre lembrados como homens de Deus, filhos da luz e da verdade que liberta. 

Tiago de França

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Irmanados no Corpo e Sangue de Jesus

 


“O sangue de Cristo purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo, pois, em virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha. Por isso, ele é mediador de uma nova aliança” (Hb 9,14).

            A celebração do Corpo e Sangue de Jesus é memória de sua paixão, morte e ressurreição; é celebração do mistério pascal do Senhor. No centro desse mistério está a entrega de Jesus, o oferecimento de si mesmo a Deus “como vítima sem mancha”. Ele é o Cordeiro imolado, obediente até a morte, e morte de cruz. Ressuscitado, permanece no mundo, cumprindo a sua promessa (cf. Mt 28,20). Reunida em seu nome, a Igreja, comunidade de comunidades e assembleia dos chamados à santidade, observa, perpetuamente, o preceito sublime de celebrar a Eucaristia, sacramento de sua presença real e salvífica (cf. 1 Cor 11,24).

            Eucaristia é comunhão ao redor da mesa; comunhão com Jesus e com os irmãos. Na última ceia (cf. Mc 14,12-16.22-26), Jesus se reúne, partilha o pão e o vinho, canta um hino de louvor ao Criador. “Tomai, isto é o meu corpo”; “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”: estas são as palavras de Jesus. O Corpo e o Sangue de Jesus é mais que o pão e o vinho consagrados; é toda a sua vida doada, com total liberdade e gratuidade, para a salvação de toda a humanidade. Por isso, ao participar da mesa eucarística, o discípulo de Cristo assume o compromisso de viver de acordo com a vida doada de Jesus.

            Antes e até Jesus, celebrava-se a antiga aliança que Deus fez com seu povo (cf. Ex 24,3-8). Eram imolados novilhos “como sacrifícios pacíficos ao Senhor”. Fazendo a memória da páscoa judaica, Jesus inaugura a nova e eterna aliança, derramando o seu sangue na cruz, “o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”. Com seu sangue, ele “entrou no santuário uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12). A Eucaristia contém o mistério da cruz de Cristo, que contempla a sua ressurreição. Os que nela tomam parte devem estar dispostos a vivenciar a experiência da cruz e ressurreição, experiência que transforma o discípulo em missionário do Reino de Deus.

            A Eucaristia abre os olhos dos discípulos de Jesus, para que possam enxergar a vida com os olhos da fé. Essa nova visão da realidade concede a graça da identificação da ação de Deus no mundo. Apesar dos pesares da vida, o Senhor está no mundo, trabalhando diuturnamente. A criação continua sendo recapitulada em Cristo. A celebração da Eucaristia revela este mistério amoroso de redenção da humanidade. A ação ritual da liturgia eucarística faz o discípulo enxergar, compreender, sentir e comprometer-se com a ação redentora de Jesus. A participação na mesa do Senhor realiza o mistério da unificação, ou seja, o discípulo se torna morada de Deus, e Deus faz morada no discípulo. Este se torna um outro Cristo no mundo, capaz de realizar as obras de Deus e de receber a promessa da herança eterna.

            Há um hino eucarístico que reza o seguinte: “Vamos comungar, vamos comungar; comungar na Igreja e na vida dos irmãos”. A comunhão com Jesus exige a comunhão com os irmãos; participar da vida de Jesus significa tomar parte na vida dos irmãos. Por isso, participar da mesa eucarística é assumir os riscos da comunhão fraterna. O amor e a oração aos inimigos e perseguidores estão implícitos no ato de receber a Eucaristia, bem como o serviço generoso, alegre e gratuito aos irmãos e irmãs que sofrem. Na Eucaristia não existe exclusivismos nem indiferença. Ou seja, quem deseja entrar em comunhão com Jesus na Eucaristia precisa refletir se está disposto a entrar em comunhão com o próximo, especialmente os sofredores deste mundo. Ninguém pode receber Jesus na Eucaristia se isolando dos outros, vivendo como se estes não existissem. Eucaristia e indiferença são incompatíveis. Comunga-se para vencer este terrível pecado.

            Falar em comunhão significa promover a unidade no amor. Esta unidade exige humildade, disponibilidade e reconhecimento do outro. Unidade que não significa uniformidade ou padronização, mas aceitação e promoção da diversidade no amor. Antes de comungar, todo fiel católico responde à saudação da paz, dizendo: “O amor de Cristo nos uniu”. Portanto, assume um compromisso de viver a unidade. O Corpo e o Sangue do Senhor asseguram e mantém esta unidade. É um escândalo a participação no Corpo e o Sangue de Cristo sem este compromisso com a unidade que gera a paz. Os inimigos da paz de Cristo somente podem comungar se quiserem assumir um compromisso com a unidade e a paz. Não estão em comunhão com Jesus aqueles que se dedicam às intrigas, promovendo a divisão na Igreja de Jesus.

            Na Eucaristia o Senhor nos ama e nos convida ao amor. São tantas as pessoas necessitadas de amor. Na verdade, de amor todo ser humano é necessitado. São várias as formas de expressão deste amor. Em Cristo, a expressão máxima é a doação total da própria vida nas grandes causas do Reino de Deus: justiça, solidariedade, perdão, ternura, cuidado, alegria... Em Cristo Jesus, o discípulo missionário é sal e luz, fermento na massa, presença amorosa de Deus no mundo. Hoje, milhões de brasileiros sofrem com a falta de trabalho e alimento, com os altos índices de violência, com a falta de vacina e com o luto... Muitas são as oportunidades para viver em comunhão com Jesus nos irmãos e irmãs que sofrem.

            Por estas razões bíblicas e teológicas, que revelam a grandeza e a simplicidade do mistério eucarístico na vida cristã e eclesial, a celebração da Solenidade do Corpo e do Sangue do Senhor deve ir além da beleza da celebração ritual. Os membros do Corpo Místico de Jesus precisam, de fato, sentirem-se membros, purificados e renovados no Sangue do Senhor, para manifestarem, com palavras e ações, a caridade de Cristo; para que todos tenham vida e a tenham em abundância. Em um mundo profundamente marcado pela morte, em tempos de pandemia, a participação no mistério eucarístico deve levar cada fiel discípulo missionário de Jesus a manifestar no mundo a paixão, morte e ressurreição do Senhor. Somente dessa forma, poderão colher os frutos da redenção realizada pelo Senhor.  

Tiago de França