Vivemos em uma época marcada
pelo barulho. Tanto as grandes quanto as pequenas cidades são marcadas por uma
cultura do barulho. Falta o silêncio até nas realidades rurais. Com o êxodo rural,
também assistimos ao fenômeno da perda do silêncio por parte de quem foi
obrigado a se refugiar nos centros urbanos. As pessoas, uma vez habituadas ao
barulho, já não mais suportam ficar em silêncio para pensar na vida. Também inúmeros
crentes não escutam a voz de Deus. Há uma desorientação espiritual generalizada
porque falta o exercício da escuta. A obediência a Deus vem da escuta, e para
escutar precisamos silenciar.
Há vários tipos de silêncio. Algumas pessoas silenciam
por medo; outras porque são silenciadas; outras, ainda, porque são obrigadas
pela força das circunstâncias. Há também as que se utilizam do silêncio para
fugir da própria realidade, isolando-se do mundo e das pessoas. Nestes e
noutros casos, temos o silêncio exterior, pois, interiormente, a pessoa está
mergulhada no barulho que atormenta e tira a paz. Portanto, o domínio da língua
é o primeiro passo; o segundo é o silêncio da mente e do coração.
Independentemente do barulho externo, é possível estar em
plena sintonia com Deus, ouvindo-o, silenciosamente. A experiência dos místicos
cristãos, ao longo da rica e bela história do cristianismo, mostra que é
possível viver em sintonia com Deus, com coração e mente em paz, mesmo diante
do barulho ensurdecedor do mundo. Este barulho é um convite apelativo à
dispersão e à confusão mental. Não há como enxergar com clareza as realidades
complexas da vida sem o justo e necessário silêncio. Neste sentido, o silêncio
pode ser uma opção espiritual de vida. Feita a opção, ele se torna como que uma
espécie de alimento sem o qual não é possível manter-se sereno e em paz.
A paz de espírito é fruto também do exercício do
silêncio. Não nos parece possível a situação de uma pessoa que adotou o
silêncio como lugar e oportunidade de encontro permanente com Deus e, ao mesmo
tempo, mostrar-se violento e áspero com os outros. O silêncio cultiva na pessoa
a graça da mansidão, tornando-a pacífica. Ser pacífico é diferente de ser
passivo. Quem cultiva o silêncio para o encontro com Deus se torna desperto na
vida. Espiritualmente, não dorme nem cochila, mas permanece atento aos sinais
de Deus. Enquanto a multidão se ocupa com as imagens e sons produzidos pela
cultura da dispersão, as mulheres e homens que vivem da contemplação divina permanecem
com os olhos fixos em Jesus.
Fazer silêncio não é tornar-se “mudo” nem adotar atitudes
de desprezo às pessoas. Também é preciso ter cuidado para não alimentar o
espírito mundano da superioridade em relação aos outros. Quem contempla a Deus não
foge dos outros. Não existe chamado para a contemplação divina fora do mundo e
numa constante atitude de distanciamento e/ou isolamento. O discípulo fiel, que
aprende a amar na escuta amorosa do Mestre Jesus é alguém presente, e não um
fariseu (separado). Jesus reprovou toda e qualquer atitude farisaica. Não agrada
a Deus o fato de muitos se dedicarem à contemplação, desprezando os outros. Quem
despreza os outros não está em sintonia com o Deus e Pai de Jesus.
A mansidão e a ternura são frutos da ação do Espírito
Santo. Este Espírito trabalha na vida daqueles que silenciam a mente e o
coração para abrir-se à sua ação amorosa. Este silêncio também faz brotar outro
dom extremamente necessário para uma vida espiritual saudável e fecunda: o
discernimento. Para discernir bem é preciso silenciar, deixando Deus falar. Portanto,
trata-se de uma atitude fundamental na vida cristã. Deus sempre aguarda a nossa
decisão e nossa abertura. Ele nada faz sem que permitamos. Ele respeita a nossa
liberdade e nossas escolhas. O exercício espiritual do silêncio é caminho
fecundo de liberdade.
Quem se torna íntimo de Deus por meio do silêncio,
torna-se, simultaneamente, próximo das pessoas. O encontro com as pessoas é o
lugar da manifestação do amor de Deus. O testemunho das Escrituras Sagradas, a
experiência de Jesus e dos cristãos ao longo dos séculos mostram, claramente,
que Deus está presente quando as pessoas se encontram e partilham a vida. Desse
modo, ao cultivar o silêncio como lugar e oportunidade de encontro com Deus, o
cristão precisa ter o devido cuidado para não cair na tendência que marca a
nossa época: a do distanciamento entre as pessoas. É necessário se manter
vigilante para não cair nesta tentação. O encontro com Deus faz o cristão
tornar-se cada vez mais humano, e isto significa tornar-se próximo e acessível;
alguém que trilha o caminho da conversão.
Por fim, cabe-nos, ainda, dizer que o silêncio nos
concede o dom da visão da realidade. Viver sem enxergar a realidade é terrível.
Cego é aquele que vive enganado, mergulhado na ilusão. Mulheres e homens
guiados pelo Espírito possuem, pela graça deste mesmo Espírito, o dom da visão.
Mais do que enxergar a realidade para agir conforme a vontade de Deus, o
cristão também passa a enxergar a ação amorosa de Deus, que tudo redime e
transforma. Trata-se da busca de Deus em todas as coisas. Portanto, o silêncio
gera a visão do Deus que é puro amor presente no mundo e na vida das pessoas.
Nossas Igrejas cristãs hoje também estão como que
contaminadas pelo barulho gerador da dispersão. Quase não encontramos silêncio
nos templos religiosos. Com o aparecimento e fortalecimento cada vez mais
crescente do neopentecostalismo, as pessoas se dirigem a Deus com muitas
palavras e muito barulho. Acredita-se que as muitas palavras tocam o coração de
Deus. Fala-se com Deus como se Ele necessitasse de muito barulho para ouvir e
atender. Não foi isso que Jesus ensinou. Nesta hora difícil do peregrinar do
cristianismo no mundo, torna-se cada vez mais urgente o exercício da escuta
amorosa, em silêncio, para compreendermos e vivermos a nossa vocação no mundo.
Tiago de França
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