“Toda
Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para
corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito,
qualificado para toda boa obra (2Tm 3,16-17).
A Igreja católica venera as
Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, e sempre a considerou como
regra suprema da sua fé (cf. constituição dogmática Dei Verbum, n. 21). Esta veneração mostra, claramente, a
importância que a Igreja confere à palavra de Deus, considerada regra suprema da sua fé. Isto significa
que nenhuma palavra humana, por mais religiosa que seja, é mais importante que
a palavra de Deus. Somente a palavra divina permanece para sempre e pode ser
aceita como norma suprema da fé da Igreja.
Na liturgia, durante a celebração da
Eucaristia, o fiel recebe o pão da palavra de Deus e do Corpo do Senhor, que
constituem alimento para a sua vida e missão. Jesus está presente tanto na
proclamação da palavra de Deus quanto na partilha do pão eucarístico. Ele é a
palavra de Deus, enviada ao mundo para a salvação da humanidade (cf. Jo
1,1-2.14). Acolhê-lo é compromete-se com o que ele viveu e pregou. No centro de
sua mensagem está o Reino de Deus, e quem o adere, compromete-se com este
Reino. Ao anunciar Jesus, a Igreja anuncia a totalidade da sua mensagem, sem
nada tirar, nem acrescentar.
No cotidiano da vida cristã, a
palavra de Deus deve ocupar lugar central. Sem a leitura e meditação da palavra
não é possível se configurar a Jesus. Esta configuração é uma exigência do
seguimento, porque seguir Jesus não consiste em admirá-lo. Segui-lo é tarefa,
compromisso e adesão radical. A palavra de Deus leva o crente a esta tarefa,
compromisso e adesão: esta é a missão da palavra de Deus ao ser enviada, porque
ela é como a chuva e a neve que descem do céu e para lá não voltam, sem terem
regado a terra, tornando-a fecunda e fazendo-a germinar (cf. Is 55,10-11). A
palavra realiza a missão que Deus quer que realize, porque a dotou de uma força
capaz de tornar realidade a sua vontade.
O encontro com Jesus nas Escrituras
deve ser cotidiano, humilde, fecundo e transformador. Cotidiano, porque o discípulo precisa escutar sempre o que o Mestre
tem a dizer. A leitura e meditação do evangelho é experiência constante e
amorosa de escuta e contemplação, de aprendizado e conversão. Jesus não se
cansa de ensinar e orientar seus discípulos na caminhada rumo ao Reino
definitivo. Humilde, porque o
discípulo precisa ter humildade para reconhecer que sem a palavra de Deus não é
possível caminhar com ele. Sem a palavra de Jesus os discípulos de Emaús não
teriam despertado para a realidade salvífica da ressurreição de Cristo (cf. Lc
24,13-35). Fecundo, porque a palavra,
uma vez acolhida, fecunda o coração humano, transformando a pessoa naquilo que
Deus quer. Transformador, porque,
tendo acolhido a palavra, o discípulo muda radicalmente de vida, e se coloca na
fileira daqueles que trabalham, diuturnamente, para tornar este mundo mais
justo e fraterno.
Não é possível que o discípulo de
Cristo leia e medite a palavra de Deus, e não tenha a sua vida transformada. Se
nada acontece após o encontro com a palavra, então há algo de errado; certamente,
uma grave indisposição em acolher o que a palavra ensina e exige. Portanto, não
adianta somente ler, meditar, contemplar a palavra, e carregar consigo a
Bíblia; mas é necessário, principalmente, comprometer-se com a palavra de Deus.
Sem compromisso não há conversão, e sem conversão não há salvação. Acolher a
palavra é deixar-se transformar por ela, e essa transformação é discreta,
progressiva, marcada por altos e baixos, alegrias e angústias, frustrações e
êxitos.
Ao acolher a palavra, o discípulo
vai sendo trabalhado por ela. A conversão não é automática nem espetacular. O
Pai de Jesus não é o Deus do espetáculo, mas é o Pai que se revela na brisa
suave (cf. 1Rs 19,12). No silêncio do coração, Deus revela a sua vontade,
porque a sua palavra ressoa sem cessar, causando uma paz inquieta. Isto é possível porque o Espírito do Senhor prepara a
mente e o coração do discípulo para que a palavra encontre acolhida. Este mesmo
Espírito transforma o coração humano em campo fértil, lugar propício para que a
semente da palavra germine e frutifique. Ninguém consegue acolher e praticar a
palavra de Deus sem o auxílio do Espírito do Senhor.
Tiago de França
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