sexta-feira, 4 de setembro de 2020

A força transformadora da palavra de Deus


“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra (2Tm 3,16-17).
            A Igreja católica venera as Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, e sempre a considerou como regra suprema da sua fé (cf. constituição dogmática Dei Verbum, n. 21). Esta veneração mostra, claramente, a importância que a Igreja confere à palavra de Deus, considerada regra suprema da sua fé. Isto significa que nenhuma palavra humana, por mais religiosa que seja, é mais importante que a palavra de Deus. Somente a palavra divina permanece para sempre e pode ser aceita como norma suprema da fé da Igreja.
            Na liturgia, durante a celebração da Eucaristia, o fiel recebe o pão da palavra de Deus e do Corpo do Senhor, que constituem alimento para a sua vida e missão. Jesus está presente tanto na proclamação da palavra de Deus quanto na partilha do pão eucarístico. Ele é a palavra de Deus, enviada ao mundo para a salvação da humanidade (cf. Jo 1,1-2.14). Acolhê-lo é compromete-se com o que ele viveu e pregou. No centro de sua mensagem está o Reino de Deus, e quem o adere, compromete-se com este Reino. Ao anunciar Jesus, a Igreja anuncia a totalidade da sua mensagem, sem nada tirar, nem acrescentar.
            No cotidiano da vida cristã, a palavra de Deus deve ocupar lugar central. Sem a leitura e meditação da palavra não é possível se configurar a Jesus. Esta configuração é uma exigência do seguimento, porque seguir Jesus não consiste em admirá-lo. Segui-lo é tarefa, compromisso e adesão radical. A palavra de Deus leva o crente a esta tarefa, compromisso e adesão: esta é a missão da palavra de Deus ao ser enviada, porque ela é como a chuva e a neve que descem do céu e para lá não voltam, sem terem regado a terra, tornando-a fecunda e fazendo-a germinar (cf. Is 55,10-11). A palavra realiza a missão que Deus quer que realize, porque a dotou de uma força capaz de tornar realidade a sua vontade.
            O encontro com Jesus nas Escrituras deve ser cotidiano, humilde, fecundo e transformador. Cotidiano, porque o discípulo precisa escutar sempre o que o Mestre tem a dizer. A leitura e meditação do evangelho é experiência constante e amorosa de escuta e contemplação, de aprendizado e conversão. Jesus não se cansa de ensinar e orientar seus discípulos na caminhada rumo ao Reino definitivo. Humilde, porque o discípulo precisa ter humildade para reconhecer que sem a palavra de Deus não é possível caminhar com ele. Sem a palavra de Jesus os discípulos de Emaús não teriam despertado para a realidade salvífica da ressurreição de Cristo (cf. Lc 24,13-35). Fecundo, porque a palavra, uma vez acolhida, fecunda o coração humano, transformando a pessoa naquilo que Deus quer. Transformador, porque, tendo acolhido a palavra, o discípulo muda radicalmente de vida, e se coloca na fileira daqueles que trabalham, diuturnamente, para tornar este mundo mais justo e fraterno.
            Não é possível que o discípulo de Cristo leia e medite a palavra de Deus, e não tenha a sua vida transformada. Se nada acontece após o encontro com a palavra, então há algo de errado; certamente, uma grave indisposição em acolher o que a palavra ensina e exige. Portanto, não adianta somente ler, meditar, contemplar a palavra, e carregar consigo a Bíblia; mas é necessário, principalmente, comprometer-se com a palavra de Deus. Sem compromisso não há conversão, e sem conversão não há salvação. Acolher a palavra é deixar-se transformar por ela, e essa transformação é discreta, progressiva, marcada por altos e baixos, alegrias e angústias, frustrações e êxitos.
            Ao acolher a palavra, o discípulo vai sendo trabalhado por ela. A conversão não é automática nem espetacular. O Pai de Jesus não é o Deus do espetáculo, mas é o Pai que se revela na brisa suave (cf. 1Rs 19,12). No silêncio do coração, Deus revela a sua vontade, porque a sua palavra ressoa sem cessar, causando uma paz inquieta. Isto é possível porque o Espírito do Senhor prepara a mente e o coração do discípulo para que a palavra encontre acolhida. Este mesmo Espírito transforma o coração humano em campo fértil, lugar propício para que a semente da palavra germine e frutifique. Ninguém consegue acolher e praticar a palavra de Deus sem o auxílio do Espírito do Senhor.
            Tiago de França

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