quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O autodomínio e a fraternidade


Vivemos numa sociedade marcada pelo descontrole e pela violência. O barulho excessivo, a pressa, a crise financeira, a insegurança e o medo são fatores que determinam a personalidade do homem e da mulher de hoje. Estes fatores dificultam a vivência da mansidão, da paciência, da tranqüilidade e da paz. De modo geral, as diversas formas de violência se fazem presentes porque as pessoas estão cada vez mais descontroladas. O clima de confusão e de incerteza toma conta do mundo e o ser humano está se tornando insuportável.

Esperar, compreender, preocupar-se, procurar o bem e cuidar do outro são gestos que estão se tornando raros na convivência humana. Na verdade, o homem está perdendo a virtude da convivência e está se contentando em suportar o próximo. “Eu nasci assim, eu sou sempre assim e vou morrer assim” é o lema de vida de muita gente. As pessoas, geralmente, não buscam ser melhores em função do outro, visando um mundo mais justo e fraterno. Elas são do jeito que são e se impõem sobre os outros.

Ser descontrolado está deixando de ser algo preocupante. Perder a cabeça e faltar com a caridade para com o outro se tornou coisa normal e, quando uma coisa se torna normal, a situação fica quase que incontornável. O normal é algo comum, que todo mundo faz, que não escandaliza ninguém, que pode ser feito sem a mínima censura ou rejeição. Às vezes, o normal passa a vigorar como o correto na conduta humana, e isto tem se mostrado bastante perigoso.

Citemos um exemplo para ilustrar. A maioria dos brasileiros considera coisa normal o fato de os políticos desviarem as verbas públicas. A conseqüência disso é que não faltam políticos corruptos sendo eleitos e reeleitos pelo povo. Os noticiários não escandalizam mais a maioria das pessoas com notícias de corrupção política. Estas mesmas pessoas afirmam: “Já nos acostumamos com essa situação, todos roubam, fazer o quê?!” Inconsciente e/ou conscientemente, estas mesmas pessoas se tornam corruptas ao legitimar os crimes absurdos de mulheres e homens mal intencionados na vida política. Desse modo, não tem como construir um país melhor.

No campo pessoal, cada pessoa é convidada a viver intensa e constantemente a experiência do autodomínio de si mesmo. Autodominar-se é uma virtude necessária para se viver bem. Quem não procura viver esta virtude costuma ser muito infeliz em todo que pensa, fala e faz. O autodomínio tem como parceira uma outra virtude importantíssima: a prudência. Não se trata da falsa prudência, que paralisa o ser humano e o leva à prática do pecado da omissão, mas da prudência que concede à pessoa a oportunidade de ponderar todas as coisas com sensatez e a ver o mundo com positividade.

A capacidade de permanecer atento a si mesmo e ao mundo é fundamentalmente necessária para o autodomínio de si mesmo. A dispersão, oriunda da desatenção é o oposto do procurar viver concentrado naquilo que é essencial na vida. O ser humano não pode viver procurando experimentar todos os prazeres que a vida oferece, pois tal procura jamais será satisfeita e o levará à frustração. Esta já é um dos frutos da falta de autodomínio de si mesmo. O prazer é necessário à vida, não há quem sobreviva sem o prazer, pois este é constitutivo do ser humano; mas nem todos os prazeres realizam e constroem a vida.

Este tipo de reflexão não é bem acolhido no contexto atual de sociedade porque o que esta prega e induz contradiz tudo isto, ou seja, há apelos vindos de toda parte que conduzem à falta de controle e, conseqüentemente, à infelicidade; há uma busca exacerbada do prazer pelo prazer. As pessoas que se entregam aos prazeres não se saciam, portanto, não são livres porque se deixam escravizar: reduzem a vida à busca desenfreada de satisfações, são doentes e eternamente carentes. Neste sentido, o apóstolo Paulo tem razão quando afirma que “o salário do pecado é a morte” (Rm 6, 23).

Há um risco no autodomínio de si mesmo, que consiste numa ascese desregrada que compromete a liberdade. Autodominar-se não é centrar a vida na vigilância de si mesmo, mas buscar viver harmoniosamente bem estando atento a si mesmo. Esta atenção a si mesmo deve ter como preocupação fundamental o cuidado de si e do próximo em vista da fraternidade, pois quando não há preocupação pelo bem-estar do outro a fraternidade torna-se impossível de ser vivida.

Quando o ser humano perde o controle de si mesmo afeta gravemente a própria liberdade e a do próximo. Por isso, toda forma de descontrole é uma falta de respeito para com o outro, que não tem a obrigação de suportar questões que não são resolvidas interiormente por quem perde o controle de si. Geralmente, quem perde, constantemente, o controle de si mesmo costuma ser pessoas que possuem questões internas a resolver consigo mesmas, ou seja, pessoas afetivamente desequilibradas.

A busca da liberdade, a concórdia, a paciência, a mansidão, a atenção aquilo que é essencial, o perdão, o respeito e a solidariedade constroem a fraternidade. Sem o autodomínio de si mesmo não é possível construir a fraternidade. Para vivermos fraternalmente precisamos ainda cultivar a paz de espírito, pois quem não estiver em paz consigo mesmo dificilmente poderá viver pacificamente com o próximo. Um dos caminhos para a erradicação da violência é o autodomínio de si mesmo.


Tiago de França

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