“E
ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre
desapareceu; e ela começou a servi-los” (Mc 1, 31).
O mundo atual é dominado pelo sistema capitalista que, dentre
outras regras, tem uma que se sobressai: Toda pessoa, para ter sucesso na vida,
não deve pensar nos outros nem agir em função do bem do outro. Na sua acepção
mais selvagem, o capitalismo conduz ao individualismo. Cada pessoa deve pensar
em si, esforçar-se, ter uma meta e trilhar o caminho do sucesso. Pensar e
ocupar-se com o outro são atitudes desnecessárias, e até atrapalham na
caminhada rumo à vitória. Esta é a explicação que nos faz enxergar e
compreender o individualismo que domina o mundo.
Pessoas dominadas pelas ideologias capitalistas são altamente
competitivas e individualistas, pois enxergam a vida do ponto de vista da
competição. Existe todo um conjunto de discursos, terapias, fórmulas e uma
forte mentalidade que ensina que, para ser felizes, as pessoas precisam
derrotar as outras. Os outros são vistos como adversários na competição, e a
derrota deles é motivo de alegria. Numa competição, só há vencedores porque há
perdedores. A competição se transformou na regra do “bem-viver”. Quem não está
apto a competir perde o direito de viver, e se conseguir se manter vivo, se
mantém na sobrevida. O que chamam de vida feliz está reservada para os que
estão aptos a competir.
A sociedade capitalista é assim dividida: de um lado, temos
os que conseguem vencer na vida, e de outro lado, temos os derrotados, os não
aptos, os incapazes. O discurso da meritocracia foi criado para legitimar esta escandalosa
e desumana situação. Os que pregam e acreditam na meritocracia dizem que os
perdedores são aqueles que não se esforçaram, suficientemente, e por causa
dessa falta de esforço devem aceitar a própria derrota e se subordinar aos
vencedores. Nesta linha de pensamento, os pobres são pobres porque querem, pois,
se houver esforço e dedicação, deixam de ser pobres. Neste sentido, os pobres
devem trabalhar para os ricos, se quiserem sobreviver.
Isso explica a perpetuação da mentalidade escravocrata que
reina no mundo. De modo geral, as pessoas não enxergam a exploração. A humilhação,
a marginalização e/ou exclusão das pessoas são fenômenos naturalizados. As ideologias
de dominação são tão violentas que as pessoas não veem problema algum nas
desigualdades geradoras de exclusão social. Os que dominam se utilizam de todos
os meios para manter a grande massa de pessoas anestesiada, ou seja, há um
forte movimento ideológico que tem como finalidade manter as pessoas cegas e
passivas diante da própria situação de escravidão. A grande mídia e o mercado
são as ferramentas utilizadas pelos que dominam para alcançar tal finalidade.
Com muita facilidade, as pessoas aprendem a ser egoístas:
vivem em função de si mesmas, buscando, sempre e em primeiro lugar, os próprios
interesses. Os egoístas se relacionam de forma doentia, porque se utilizam dos
outros para alcançarem os próprios objetivos. Os outros não passam de meras
oportunidades de crescimento. Não se contentando com pouca coisa, os egoístas
se transformam em pessoas extremamente ambiciosas, sedentas de sucesso, brilho
e ostentação. Cultiva-se uma vida superficial e vazia, profundamente marcada
pela busca de uma felicidade que não é felicidade. Para os capitalistas
egoístas, ser feliz é ter bens materiais, dinheiro, poder, títulos, contatos e
boa aparência. As ideologias capitalistas afirmam que não há felicidade fora dessas
coisas.
Na contramão de tudo isso, há a proposta de Jesus: Vida e
liberdade para todos. Esta proposta, denominada Reino de Deus, desmascara e
denuncia as mentiras que constituem o projeto de felicidade do sistema
capitalista selvagem. A proposta de Jesus é inclusiva, fraterna e libertadora:
Inclusiva porque não deixa ninguém de fora. No Reino de Deus há lugar para
todos. Fraterna porque todos são considerados irmãos. As pessoas não se
enxergam como inimigas. O outro não é alguém que precisa ser eliminado. Libertadora
porque o egoísmo dar lugar à alteridade. Na proposta de Jesus, as pessoas
pensam nos outros e se colocam a seu serviço, na liberdade, no amor e na
gratuidade.
No mundo capitalista, as pessoas não conseguem amar. De modo
geral, os estilos de vida excluem o amor. O que chamam de amor, na verdade é
apego. Não há amor, mas aparência de amor. Tudo é marcado pela satisfação dos
desejos e interesses. O amor é outra realidade. Ele não encontra espaço na vida
de quem vive procurando satisfazer desejos a todo custo. O amor exige doação,
gratuidade, liberdade, alteridade. No mundo capitalista, há o sacrifício
constante da vida humana. As pessoas são desfiguradas, transformam-se e são
transformadas em objetos. Somente o amor é capaz de libertá-las desta desumanização,
mas poucas pessoas acolhem e experimentam o amor.
O versículo bíblico que acompanha estas provocações fala de
Jesus curando a sogra de seu discípulo Pedro. Para curá-la, ele se aproxima. Na
lógica do Reino de Deus, esta aproximação é como que uma regra de vida. Não conhecemos
as pessoas à distância. Não há cura do egoísmo sem aproximação. É necessário
aproximar-se dos outros. Sem proximidade não há fraternidade. Jesus ensina a
vivermos misturados. Neste sentido, quem quiser segui-lo deve renunciar ao
farisaísmo, marcado pelo distanciamento. Ele também ensina a estender a mão
para os outros. Não há amor sem mãos estendidas. Egoístas não conseguem
estender as mãos para servir. Quem ama vive para servir.
É preciso, por fim, ajudar a levantar quem está caído. Quem são
os caídos que estão ao nosso redor? Se estamos caídos, quem poderá nos ajudar a
levantar? A solidariedade é atitude de quem ama. A pessoa que ama ajuda a
levantar os outros. Nosso testemunho amoroso ajuda a erguer quem está prostrado
no egoísmo. Quando nos colocamos a serviço dos outros, a vida se torna leve e
feliz. A cura do egoísmo está no serviço ao próximo. Não há ocupação mais
gratificante e libertadora que ser útil ao próximo. O capitalismo gera uma
sociedade repleta de pessoas inúteis. O egoísmo nos transforma em pessoas
inúteis, em pedras de tropeço. Para que haja verdadeiro desenvolvimento, deve
existir pessoas disponíveis, portanto, de mãos estendidas, de mente e coração
abertos para compreender e servir. Nisto consiste a verdadeira felicidade e o
verdadeiro progresso do mundo.
Tiago
de França
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