quarta-feira, 17 de março de 2010

O valor do casamento


Li no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo de ontem (16/ 03/ 10) uma notícia que me deixou indignado, mas tão indignado que recolhi, imediatamente, as informações que seguem para a elaboração da crítica que agora me proponho a fazer. Uma crítica acompanhada da caridade evangélica, que visa corrigir para o bem comum daqueles que se encontram no caminho. Antes, preciso falar do espírito crítico de Jesus em relação à religião de seu tempo, pois muitos cristãos pensam que não se pode criticar a religião. Há também até quem pense que é pecado criticar a religião! Isto é fruto da ingenuidade e do desconhecimento do valor e do sentido autênticos da crítica, que sempre foi necessária para a conversão do Cristianismo.

No seu tempo, Jesus de Nazaré encontrou sérios problemas e pecados no Judaísmo. Ele não teve medo de desmascarar as mentiras que alienavam e escravizavam o povo. São várias as citações evangélicas onde o encontramos enfrentando os doutores da Lei e fariseus entre outros grupos religiosos e sociais, denunciando os desvios que se cometiam. Quando foi condenado pelo Sinédrio, Jesus foi acusado de ser agitador político e revolucionário, homem desobediente que quebrou a lei do sábado entre outras leis e costumes judaicos. Os gestos e palavras de Jesus eram a favor da vida humana que transcende toda e qualquer lei. Ele não estava preocupado com a lei, mas com a vida do homem. É verdade que ele mesmo afirmou que não veio para abolir a lei, mas a missão de Jesus, enquanto Filho de Deus, não estava em função da lei.

Depois de ter exposto brevemente a experiência conflituosa de Jesus em relação à religião judaica, agora apresento alguns elementos da reportagem da Folha que me causaram certa indignação. Vejamos os dados:

- Na Arquidiocese de São Paulo, segundo informações da mesma obtidas pela reportagem, a taxa de casamento religioso não pode ser maior que a do civil (R$ 246);
- Apesar da orientação da Arquidiocese, o preço do casamento sobe para R$ 821, se o juiz for até o local da cerimônia;
- A Folha encontrou ao menos sete igrejas que cobram entre 1000 a 6000 reais pelo casamento;
- Há uma lista de fornecedores ou serviços embutidos que os candidatos a noivos são obrigados a contratar;
- Na Igreja Nossa Senhora do Brasil, o preço do casamento para este ano é de 2 mil reais e para o ano que vem será de 2.200 reais. Nesta mesma igreja são realizados, geralmente, trinta casamentos por mês;
- Prestador de serviços (floricultura, foto e vídeo) paga 2 mil reais anuais mais 200 reais por casamento. O pagamento é obrigatório, mas é chamado de “contribuição”;
- No Mosteiro de São Bento, em SP se cobra 6.000,00 (seis mil reais) pelo casamento, com direito à assessoria cerimonial.
- Diante da indagação do repórter, um padre não identificado responde que se cobram estes valores devido ao custeio de despesas com energia e limpeza. Afirmou ainda que o dinheiro é revertido em manutenção e obras sociais.

Alguns elementos da reportagem nos revelam grandes contradições, além dos valores absurdamente cobrados. A citada Arquidiocese orienta que não se pode cobrar taxa de casamento superior a do civil. Tal orientação é inválida e contraditória, porque os valores que chegam até seis mil reais, como no caso do Mosteiro de São Bento desmentem tal orientação. Tais valores revelam que o Sacramento do Matrimônio, que é visto como sinal gratuito de Deus para o povo (é o que diz a doutrina oficial) tem um valor financeiro, ou seja, nos citados locais e em muitas igrejas espalhadas pelo mundo católico, quem não puder pagar a taxa estabelecida não pode se casar. Onde está a gratuidade de tal Sacramento? Além de ser uma contradição, tais cobranças revelam o que na Idade Média se chamou de simonia, ou seja, venda de favores divinos.

Quando terminei de ler a reportagem me veio o seguinte questionamento: Como pode uma Igreja dessas lançar uma Campanha tendo como lema a palavra de Jesus que diz ‘Não podeis servir a Deus e ao dinheiro?’ Se condenamos o capitalismo exacerbado, o consumismo e o apego aos bens materiais, como podemos estabelecer taxas e serviços ligados diretamente aos sacramentos, que são considerados sinais divinos? Penso que a Igreja precisa, urgentemente, repensar a questão das taxas cobradas pela dispensa dos sacramentos em nossas igrejas. É necessário impedir que certos clérigos se aproveitem dos sacramentos para o enriquecimento ilícito. Tal realidade é contrária ao Evangelho de Jesus. Se não podemos manter grandes templos e prédios históricos, que sejam feitas doações ou se vendam os mesmos, mas, evangelicamente, é inaceitável sustentar tais patrimônios à custa de supostas vendas de sacramentos, principalmente da celebração do matrimônio, como é o caso das realidades apontadas na reportagem.

Certa vez, estava num consultório odontológico e a dentista me perguntou se eu era seminarista. Diante de minha resposta afirmativa, ela desabafou: “Meu filho, nestes dias uma irmã minha se casou em uma igreja aqui de Fortaleza (CE) e fiquei escandalizada com o que o padre fez com ela: só porque minha irmã é advogada e ganha bem, depois que o padre descobriu isso, ele estipulou um valor três vezes maior para a taxa de casamento dela, sem contar que ela teve que pagar o aluguel até da igreja”. De fato, é uma situação vergonhosa e constrangedora. Tudo isso vai deixando os fiéis escandalizados e indignados com a Igreja. Depois, ainda encontramos a seguinte reclamação por parte de muitos padres: “O povo está danado mesmo, não quer saber da Igreja, não quer nada com a vida, está contaminado pelo secularismo e pelo relativismo”. Tais padres precisam revisar os conceitos de secularismo e relativismo.

Os sacramentos são sinais de Deus na vida de seu povo. Eles reconduzem o povo ao seio do mistério divino. É a maneira pela qual a Igreja se utiliza para levar as pessoas a viverem a experiência de Deus na vida comum deste mundo. Deve-se procurar preservar a autenticidade de tais sacramentos através de uma vivência respeitosa e frutuosa dos mesmos. E como disse o título de uma das obras do teólogo E. Echillebeeckx em seu estudo teólogo sobre a salvação: Cristo, sacramento do encontro com Deus. Jesus é o sacramento universal da salvação por excelência, pois, por meio dele e somente através dele, é que somos reconduzidos à intimidade e unidade divinas. Tal experiência indizível não pode ser vendida, pois nos é oferecida pelo querer do próprio Deus, que por meio do Cristo, se fez carne como nós.


Tiago de França

Um comentário:

Anônimo disse...

Deus te abençoe!Precisamos de pessoas como você,para falar com clareza e humildade dos erros da igreja.Você em outro artigo lembrou bem de D.Luciano homem verdadeiramente de Deus.Q ue outros Bispos olhem com amor o que Ele fez na Arquidiocese de Mariana, entre outras coisas aqui não se cobra pelos sacramentos.