sábado, 25 de junho de 2011

Seguir e acolher Jesus de Nazaré


“Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim” (Mt 10, 38).

Após a celebração das solenidades da Santíssima Trindade, do Corpo e Sangue de Cristo e da Natividade de São João Batista, a Igreja volta ao Tempo Comum. Neste Domingo, a Liturgia da Palavra (cf. 2 Rs 4, 8 – 11. 14 – 14a; Rm 6, 3 – 4. 8 – 11; Mt 10, 37 – 42) nos convida a refletir sobre duas disposições fundamentais da espiritualidade cristã: seguir e acolher Jesus de Nazaré. Vamos pensar e meditar um pouco a respeito destas disposições.

Seguir Jesus de Nazaré

No texto evangélico deste XIII Domingo Comum, Jesus apresenta três exigências para toda pessoa que quiser segui-lo: 1) amá-lo mais do que a própria família; 2) tomar sua cruz; 3) não procurar conservar a própria vida, mas perdê-la por causa dele. Qual o significado destas exigências? Elas são obrigatórias para que haja autêntico seguimento? Antes, vamos entender o que é uma exigência.

A exigência é um pedido pertinente, portanto, necessário. O existir é um ato exigente. Não se pode viver neste mundo sem atender às exigências necessárias que conduzem à responsabilidade, à harmonia, ao viver de forma equilibrada. Quando não há exigências, a vida cai no devaneio, na ociosidade, na inércia. Sem atenção às exigências, tudo se torna frouxo, desorganizado. A vida é impossível sem exigências.

Para seguir Jesus de Nazaré, o discípulo precisa estar atento às três exigências acima mencionadas. Elas asseguram o verdadeiro seguimento. Quando são levadas em consideração, conseqüentemente, dar-se a construção do Reino de Deus inaugurado por Jesus de Nazaré. Quem não atender às exigências colocadas pelo próprio Cristo não pode ser seu discípulo. Por isso, quem pensa ser discípulo de Cristo sem atender às suas exigências, engana-se a si mesmo.

No que tange à primeira exigência, Jesus de Nazaré não está exigindo que se abandone a família. Nenhuma forma de abandono ou desprezo tem legitimação evangélica. Na vida religiosa pode-se deixar pai, mãe, irmãos, esposa, filhos, terra e riquezas para se seguir, radicalmente, a Cristo. Esta é uma forma de vida que surgiu na história da Igreja e que perdura até hoje, mas o Cristo nunca exigiu isso de ninguém. Nos evangelhos não há uma citação que legitime o deixar a família para seguir Jesus de Nazaré.

Jesus nunca pediu para as pessoas deixarem algo de bom para segui-lo. O deixar, nos evangelhos, se refere ao processo de conversão. Nesta, se deixa uma vida incoerente para se viver uma vida nova, pautada nos valores evangélicos. A família não é má nem pode ser vista como empecilho no seguimento de Cristo. Quando a Igreja pensava o oposto disso, o matrimônio era tido como vocação inferior na vida eclesial. Neste contexto, somente os religiosos eram chamados à santidade. Em relação à família, Jesus só exige que se ame mais a ele. Isto significa que, quer na vida familiar, quer na vida religiosa, o Cristo deve estar no centro.

A segunda exigência é mais comprometedora: tomar a cruz. Esta exigência está plenamente identificada com o Cristo crucificado. Quem não se identifica com o Cristo na cruz não é capaz de atender a esta exigência. O crucificado é o Filho de Deus, fiel à vontade do Pai, cumpridor do desígnio divino. Na cruz, Jesus é membro de um povo oprimido, legítimo redentor dos explorados da história. Sua morte na cruz é sinal da fidelidade divina à aliança feita com seu povo, sinal da gratuidade do Reino inaugurado entre os pobres.

Tomar a cruz é participar da sorte dos crucificados da história e, como nos ensina o apóstolo Paulo, é morrer com Cristo para ressuscitar com ele (cf. Rm 6, 8). Não há nenhuma chance de se criar outra interpretação para esta clara e evidente verdade. Não se trata de tomar, espiritualmente, a cruz, nem de estar unido em oração à paixão, morte e ressurreição do Cristo. Com Jesus não existe comunhão espiritual, mas comunhão de fato, comunhão entre pessoas reais e com suas respectivas vivências e/ou circunstâncias.

Tomar a cruz é buscar se envolver com as pessoas, permanecer junto, compartilhar as alegrias e, sobretudo, os sofrimentos delas. Isto é comunhão. Esta é participação na vida do outro. Quem é este outro? Os evangelhos ensinam que não é somente aquele que nos cumprimenta, nos ajuda e nos quer bem, mas, principalmente, aquele que age opostamente a tudo isto. Há muitas pessoas oprimidas neste mundo, especialmente, os pobres. Tomar a cruz é ajudá-los a ter vida digna. Quando isto acontece, logo se percebe o quanto é difícil tal comunhão.

Na sociedade atual, o consumismo induz as pessoas à escravidão, mas o mercado, “senhor controlador de tudo”, não fala de sofrimento nem de escravidão, mas de liberdade e de felicidade. Ser livre e feliz significa ter, demasiadamente, as coisas. Há um excesso de coisas descartáveis. Infelizmente, o mercado chega a transformar até pessoas em mercadorias: jogador, cantor, ator, modelo etc. Fala-se até de mercado religioso! Neste, as pessoas procuram comprar milagres, curas, objetos de devoção etc. Neste mercado se encontra também padres cantores e curandeiros que podem ser comprados!

A verdade é que as pessoas estão procurando conservar a própria vida e o mercado é o caminho da pseudoconservação. As pessoas se tornam cadáveres ambulantes e nem desconfiam disso. Há quem escapa desta triste peseudoexistância, mas de modo geral a dominação é global. Perder a vida por causa de Jesus de Nazaré é algo que não passa pela cabeça das pessoas. Estas consideram tal perda algo estranho, coisa de gente tola, que não tem amor à vida. A ideologia neoliberal capitalista prega a longevidade da vida, ou seja, busca-se viver prazerosamente o mais possível.

Jesus exige a doação da própria vida na construção do Reino de Deus. Doar a própria vida é responder ao chamado divino à justiça que constrói fraternidade. Não é tarefa fácil, é missão de poucos. Até a religião, ao invés de ajudar as pessoas a compreender esta missão, está se esquecendo de que a doação da própria vida faz parte do núcleo da mensagem cristã. Constrói-se, contraditoriamente, um cristianismo superficial, marcado pelos eventos de massa e por uma evangelização que não leva as pessoas à verdadeira conversão.

Acolher Jesus de Nazaré

Antes de falarmos de acolhida ou acolhimento precisamos responder à seguinte pergunta: Qual Jesus queremos acolher? Esta indagação denuncia as falsas imagens de Jesus que se foram criando ao longo da história. Há um falso Cristo que precisa ser desmascarado: o Cristo milagreiro. Este não é o Cristo, o Filho de Deus, dos evangelhos. Jesus não veio a este mundo para satisfazer as necessidades espirituais e materiais de quem quer que seja, mas, infelizmente, é isto que andam pregando as Igrejas cristãs: umas pregam mais, outras menos.

O verdadeiro Cristo que precisa ser acolhido pelo cristão está nos evangelhos. Não há outro. É preciso que se creia e se aceite o Cristo dos evangelhos, sem acréscimos e sem traições. Esclarecida a questão, é necessário, ainda, que se compreenda a seguinte sentença: acolher Jesus é comprometer-se com ele. Quem não quiser assumir compromisso com Jesus não ouse acolhê-lo. Qual o compromisso? Aderir ao seu projeto, que é o projeto de Deus, o Reino. Não se acolhe Jesus através do culto, do discurso ou através das boas intenções. Tudo isto tem valor, mas não expressa o verdadeiro acolhimento.

Acolher Jesus é ter a coragem de se manter aberto e disponível na relação com o próximo, especialmente do próximo necessitado; ou seja, acolhe-se o Cristo no encontro com o próximo. Assim sendo, acolhê-lo é algo perigoso; é tão perigoso que pode levar à morte! Um exemplo para ilustrar: a Ir. Dorothy Mae Stang. Esta irmã acolheu Jesus no seio da floresta amazônica perdendo a própria vida devido às denúncias que fez contra os latifundiários e exploradores do meio ambiente. Desta forma, recebeu a coroa do martírio sendo uma testemunha fiel da ressurreição de Cristo, ganhou a verdadeira vida. Fica claro, então, que são falsas as declarações públicas de amor a Jesus, destituídas de atitudes transformadoras. Assim, conclui-se que é mentira dizer que se acolhe e ama Jesus sem acolhê-lo e amá-lo na pessoa do próximo!

O Espírito do Senhor nos coloca no caminho de Jesus e nos concede a graça de perseverar nele. Neste caminho encontramos os pequenos, nos quais o Cristo é acolhido. Jesus não depende nem sofre de carência para ser acolhido por nós, pois é completo, pleno, consubstancial ao Pai. Nós teremos vida plena se nos deixarmos guiar pelo Espírito que nos leva ao verdadeiro acolhimento de Jesus. Acolhidos por este somos acolhidos pelo Pai. A iniciativa é sempre divina, que nos amou primeiro, mas a necessidade é nossa. Esta é a nossa alegria e salvação.


Tiago de França

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