“Esses
são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no
sangue do Cordeiro” (Ap
7, 14).
Houve uma época na história do
Cristianismo em que os seguidores de Jesus identificaram-se de tal modo com seu
estilo de vida que eram capazes de dar a própria vida como ele, enfrentando as
ameaças e perseguições por parte dos mandatários do império romano. Toda a
Igreja dos primeiros séculos foi assim: regada pelo sangue dos mártires,
mulheres e homens que experimentaram no corpo as consequências da fidelidade a
Jesus. Ser santo é ser fiel a Jesus.
A fidelidade a Jesus se traduz na
adesão ao seu projeto de humanização das pessoas. Isso não é comunismo, não é
ideologia, é evangelho de Jesus. Este Jesus, crucificado e ressuscitado é a Luz
que liberta das trevas da ignorância e do erro todo aquele que se dispõe à libertação.
O santo de Deus é um iluminado, atingido pela luz de Jesus. É alguém capaz de
oferecer aos outros essa luz, tornando-a visível, colando-a sobre os telhados. O santo
reflete em sua vida a luz de Jesus.
Na Idade Média, os santos foram
fieis à sua época: contemplaram a Deus na vida monacal. Reservaram-se do mundo,
distanciando-se dele. Eram ascéticos, disciplinados, virtuosos, orantes. Os grandes
místicos eram assim: pessoas altamente compenetradas na contemplação. Enquanto alguns
clérigos procuravam manter os privilégios da Igreja, os místicos estavam diante
de Deus perguntando-se a respeito de sua vontade. Muitos não foram escutados, reconhecidos,
vistos, mencionados; caíram no sagrado anonimato, no esquecimento da memória
eclesiástica, mas permanecem vivos na memória do Deus que os chamou à
perfeição.
Karl Rahner, grande teólogo jesuíta,
em algum lugar afirmou, no século passado, que os cristãos do sec. XXI seriam
místicos, ou não seriam cristãos. De fato, o mundo atual é marcado por um
barulho dispersivo, pela crise de identidade, que geram indiferença e ódio. Os santos
não podem mais seguir as trilhas da contemplação monacal. Até os monges de hoje
estão no meio do mundo, mesmo experimentando o silêncio exterior de seus
monastérios. A humanidade está clamando por libertação e os cristãos, os santos
de Deus, precisam ser sal e luz em meio ao azedume da mesmice, do engano, da mentira,
da ilusão e da violenta exploração do homem pelo homem.
Lavar e alvejar as vestes no sangue
do Cordeiro: eis as palavras que traduzem com perfeição a vida genuinamente
cristã. Ser fermento na massa, fazer crescer a semente de mostarda que de tão
pequena se transforma na árvore da vida. O Reino precisa crescer, não pela mera força
humana, frágil e errante, mas pela força de Deus que circula nas veias dos
santos. Francisco, Terezinha, Pe. Cícero, Dorothy, Margarida, Oscar,
Helder, Gandhi, Luther King, Bonhoeffer, Comblin, Fragoso, Ibiapina, Damião e
tantas outras testemunhas da Ressurreição estão no mundo, silenciosamente,
fazendo germinar, discretamente, o Reino de Deus.
São os pobres, os aflitos, os
mansos, os famintos e sedentos de justiça, os misericordiosos, os puros, os
promotores da paz, os perseguidos e injuriados: eis os santos de Deus. Estes são
os construtores do Reino, que, cotidianamente, lavam e alvejam as vestes no
sangue de Jesus, o Cordeiro de Deus. Na Igreja de nossos dias, o sangue do
Cordeiro está na mesa do altar e nas lutas do povo; muitos o recebem nas
espécies sagradas, mas se recusam a agir impulsionados pela mensagem o
Cordeiro. A Eucaristia parece que não consegue frutificar na vida. Falta o
testemunho diário, ousado, profeticamente transformador.
Quem são, portanto, os santos do
séc. XXI? São mulheres e homens que escutam a palavra de Jesus e se arriscam ao
anunciá-la e praticá-la na vida. A maioria está fora da religião
oficial: vive a experiência de Jesus, que não era doutor da lei nem fariseu,
mas um pobre homem, considerado um clandestino, subversivo e agitador político.
A religião tenta sacralizar Jesus e os santos, mas não consegue. Eles sempre
escapam e o motivo é simples: Jesus foi conduzido não pelo imperativo
categórico da lei, mas pelo Espírito, que é livre e libertador.
Os santos trilham o mesmo caminho: deixam-se
guiar pelo Espírito que conduz à liberdade. Como na religião a
liberdade não é bem aceita, então a maioria dos santos está fora dela. Os que
se encontram nela são considerados loucos e desobedientes, simplesmente porque
são guiados pelo Espírito do Senhor e não pelas normas, prescrições e
orientações oriundas da lei criada pelos eclesiásticos; lei que não salva nem
liberta, mas somente prende e oprime. Os santos vivem o princípio bíblico da
obediência a Deus e não aos homens. Isto se chama liberdade. Não há santidade
fora da liberdade. Os santos são mulheres e homens em processo contínuo
de libertação. As palavras que os orientam são: Espírito, novidade, liberdade e
Reino de Deus. Estas palavras não se encontram na lei, mas no evangelho de
Jesus. Por isso que um santo não vive em função da lei, mas guiado pela luz e
pela força de Deus.
Tiago de França
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