segunda-feira, 18 de setembro de 2023

O amor de Deus e o amor humano

         


        A fé em Jesus nos leva a conhecer o amor de Deus. Este amor é o que nos faz feliz, porque eterno e fiel. Muitas vezes, em nossas comunidades cristãs, progressivamente, vamos esquecendo esta verdade: Deus nos ama! Há até os que ainda não descobriram este amor. Parece ainda não tê-lo experimentado. A missão da Igreja é levar as pessoas a experimentar o amor de Deus, no cotidiano de suas vidas, profundamente marcado pelo sofrimento, nestes tempos tão difíceis. Muito se pode dizer a respeito do amor de Deus. Nestas breves linhas ousaremos algumas afirmações à luz da experiência de Jesus de Nazaré. Ele é o modelo, por excelência, de homem amoroso, revelador sublime do amor divino. Olhemos para Jesus, que nos ensina como é o amor de Deus, bem como ensina a amar como Deus nos ama.

        Em sua passagem por este mundo, sendo igual a nós em tudo, menos no pecado, como nos ensina o apóstolo Paulo, Jesus viveu plenamente e revelou como é o amor de Deus. Sendo perfeitamente humano, com toda a liberdade dada por Deus ao criar o ser humano, Jesus amou. Desse modo, amar é uma questão de humanidade. Para ser verdadeiramente humano, é necessário amar de verdade. Aqui percebemos o grande mal que assola o mundo inteiro: a falta de amor no coração de tanta gente. 

        Há muita gente ocupada com tantas coisas, menos com o amor. Facilmente, as pessoas se ocupam com inúmeras coisas: dinheiro, vaidade, poder, prestígio etc., mas se esquecem do amor. Não se dedicam a amar, mas ao ter, aparecer, triunfar, brilhar, ganhar, ter vantagem em tudo. Perde-se com tantas coisas, que nada preenchem. As pessoas estão ocupadas com as alegrias passageiras. Não sabem o que é felicidade, pois experimentam migalhas de alegria. Passada a alegria, proporcionada pelos inúmeros prazeres que este mundo pode oferecer, caem na tristeza, no vazio, no tédio, no desespero. Este vazio deixa a pessoa sem rumo, perdida na vida, fazendo surgir a vontade de morrer. Mas isso não ocorre de uma só vez. O vazio é uma construção diária. A pessoa finge viver e, de repente, está morta!

        Em Jesus, o amor liberta. Mas esta não é uma ideia. Jesus não era um filósofo, guru ou mago. Jesus é o Filho de Deus, que revelou o amor de Deus amando as pessoas. Dedicou toda a sua vida aos outros. E aqui está o segredo do amor divino: o amor de Deus acontece quando as pessoas se abrem às outras. Quando alguém decide amar o outro, então aí se manifesta o divino, a presença amorosa de Deus. O amor de Deus se manifesta no amor humano, mas o ultrapassa. Somente Jesus amou com toda perfeição. Toda pessoa que esteve com Ele foi alcançada pelo seu amor. E seu evangelho revela que Ele tinha certa predileção ou preferência: dedicou-se às pessoas que mais precisavam do seu amor. Quem eram estas pessoas? Todos os que eram excluídos: os pobres e pecadores. O evangelho diz que Ele era incansável; não perdia tempo. 

        O pecador ama outro pecador. Esta afirmação precisa ser pensada. Geralmente, as pessoas não refletem sobre isso. Toda pessoa deseja amar e ser amada, com a mais alta perfeição. Por isso, criam expectativas, idealizam, exigem, brigam... e se frustram! Há um esforço constante, um desejo profundo de ser feliz. Isso é justo e necessário. Mas como é pecador, então não consegue amar com perfeição, mas ama segundo as possibilidades, fazendo o que é possível. O ser humano não está no nível do impossível. Somente Deus realiza o impossível, porque é o puro Amor, detentor de um poder imenso. 

        Porque não ama com perfeição, as pessoas são contaminadas pelas fraquezas que tendem a acabar com o amor que descobrem em si mesmas e nos outros. Há sentimentos negativos, bem como algumas condicionantes que integram a condição humana, que vão minando o amor: insegurança, medo, mania de perfeição, mania de superioridade, ciúme, espírito de posse e controle, ignorância, satisfação de desejos, descontrole emocional, rotina, cobranças excessivas, desejo de recompensa, obsessões, ira, rancor, manipulação, dissimulação, e tantos outros males afetam o amor. Muitas pessoas desistem de amar, porque não conseguem lidar com tais questões. O amor enfraquece e tende a morrer. Cresce cada vez mais o número daqueles que abraçaram a ilusão de que podem ser felizes sozinhos. Outros se dedicam às plantas e aos animais, ou a alguma outra coisa, frustradas com o amor humano.

        Apesar dos dilemas da vida, dos desencontros e de todo o mal que tende a prosperar, abafar e matar o amor, é necessário dizer com todas as letras: O amor é a força mais poderosa do mundo, e fora dele não há saída possível para a humanidade. Ninguém é feliz sem o amor. Não adianta fugir. Sem ele, a vida perde o seu sentido. A vocação primeira da pessoa humana é o amor. O amor liberta de todos os males acima mencionados e de todos os outros. Como me liberto do medo? Amando. Como me torno mais sereno e seguro de mim mesmo? Amando. Como me liberto do rancor? Amando. Enfim, o amor é a via mestra da liberdade: é caminho para a verdadeira liberdade. Há muita gente infeliz, porque não insiste em amar, apesar de tudo. O amor é uma escola: quanto mais amo, mais aprendo a amar. É algo diário, que exige perseverança, humildade e muita fé. Sem acreditar no amor não é possível amar. Ninguém se dedica ao amor sem acreditar que é o caminho para a verdadeira felicidade.

        A religião existe para recordar isso: Dizer às pessoas que o amor é a saída para a erradicação dos males da vida. Há tanta gente doente e morrendo por falta de amor! A carência maior do ser humano é a carência de amor. Quando ama, encontra a paz, a serenidade, a alegria de viver, a coragem para enfrentar as dificuldades da vida. Amando de verdade, nenhuma pessoa se sentirá sozinha. Sentindo-se acompanhado e amado, a vida se torna menos pesada e possível. Com o outro enxergo uma saída. Sozinho, por mais forte que seja, não se vai muito longe. Sozinho não se ama a ninguém. 

        É preciso vencer o egoísmo, saindo de si mesmo, na direção do outro, para amá-lo do jeito que ele é: virtuoso e limitado, um poço de liberdade, um encanto permanente, imagem e semelhança de Deus. Por mais desastrosa que seja uma pessoa, há nela uma centelha do amor divino. Amando, as pessoas aprendem a descobrir o que de melhor existe no outro. Muitas vezes, este precisa aprender a se descobrir e se amar, e isto só é possível quando é amado. No amor as pessoas se descobrem e, juntas, superam suas dificuldades, fraquezas e sombras. O amor une os imperfeitos para que se chegue à perfeição. Exige atitude corajosa. Tem que ter audácia para amar as pessoas. É uma aventura exigente, que vale a pena quando existe um querer profundo, uma vontade impregnada de um desejo de ver o outro feliz. 

        Carregando sua cruz para o calvário, Jesus caiu com a cruz, foi ajudado pelo Cirineu, ouviu o choro das mulheres de Jerusalém, olhou as pessoas nos olhos... Para amar, Jesus sofreu. Sofreu por amor. Assim revelou o amor de Deus; um amor sofrido, atribulado. Olhando para Ele descobrimos que o amor caminha junto com o sofrimento. Quem não quer sofrer não invente de amar. O amor não livra a ninguém das dificuldades e fraquezas, mas encoraja e dá força para que ao final de tudo, cada um possa dizer como Jesus: "Eu venci o mundo!" Só vence quem ama. 

        Todo tempo é tempo de amar. Nunca é tarde para se decidir pelo amor. As pessoas estão aí, carentes de amor. Se olharmos ao nosso redor veremos os olhos daqueles que suplicam o nosso amor. Não sejamos egoístas! O pecado está no egoísmo. Um pecado que leva à morte. O amor nos transporta para a eternidade. É passagem certa! Quem ama será salvo. Quem ama já experimenta um pouco do que é a vida feliz e eterna, porque conhece a Deus e por Ele é habitado. O amor é belo, fecundo, libertador e poderoso. Não percamos tempo. Cuidemos em salvar o mundo, amando-nos uns aos outros!

Pe. Tiago de França

        

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Os riscos provocados pelas redes sociais

        

            Entre as sugestões de temas para o nosso artigo semanal, o que intitula estas breves considerações merece a nossa atenção. As redes sociais constituem espaços virtuais importantes, que tem ajudado muita gente a notar e ser notada. Nelas, as pessoas expressam gostos, preferências, ideias, imagens; falam de si mesmas, dos outros, do mundo e da vida. As redes sociais ganharam um espaço tão grande na sociedade atual, que aqueles que não as utilizam são considerados "invisíveis". Muitas vezes, a impressão que se tem é que não existem! Esta é uma constatação assustadora, mas real. Grande parcela da humanidade está presente no mundo virtual, utilizando as redes sociais, que tomam boa parte do tempo de milhões de pessoas em todo o mundo.

       Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, Telegram e WhatsApp estão entre as principais redes, que possuem a sua importância e seus limites. Por um lado, as pessoas se beneficiam destes meios; por outro lado, prejudicam-se quando utilizam sem o necessário discernimento. O que é positivo é a facilidade com que se pode comunicar, trocar ideias e conhecer muitas situações, pessoas e visões de mundo. As redes sociais ampliam as possibilidades de comunicação. Tudo é muito vasto e nada uniforme. Há muitos elementos repetitivos, que cansam, mas é uma diversidade de estilos e modos de ser e de pensar, que são mostrados e que podem ser "curtidos" e compartilhados pelos navegantes.

      Podemos elencar, sem dificuldade, cinco pontos negativos, que podem ser considerados "riscos" para a saúde mental das pessoas, quando elas fazem uso das redes sociais, sem o necessário discernimento. O uso irracional destes meios gera prejuízo às pessoas, e muitas delas não percebem. Vamos aos riscos.

      1. O tempo gasto no uso das redes sociais. Adolescentes e jovens são os que mais utilizam. Passam horas e horas no mundo virtual. Desse modo, perdem a oportunidade de se ocupar com outras coisas no mundo real. Quando não conseguem controlar o uso, aí temos o vício. Quando se ocupam com o mundo real, estão pensando no que está acontecendo no mundo virtual. Dois outros problemas decorrem do uso exagerado das redes sociais: problema na visão e dores na coluna e pescoço. Um terceiro problema mais grave é o isolamento das pessoas. Quem muito vive no mundo virtual não quer muito contato com as pessoas no mundo real, pois este passa a ser considerado tedioso, estranho e sem sentido.

        2. O cultivo da ilusão. Desconectada do mundo real, ou fugindo dele, refugiando-se no mundo virtual, a pessoa passa a viver na ilusão. Passa a imaginar que a vida é do jeito que enxerga no mundo virtual. A frustração é o resultado de uma vida pautada na ilusão. No mundo virtual tudo é mais fácil, belo e colorido; no mundo real, a vida é mais difícil, dura e dolorosa. Neste sentido, as redes sociais podem funcionar como anestesia, ou seja, para não enxergar a dureza da vida, a pessoa se refugia no mundo virtual e passa a viver se imaginando numa realidade que só existe na cabeça dela. É a ilusão na sua forma mais cruel e desumanizadora.

        3. Perda do senso crítico. Quem nunca teve senso crítico não tem o que perder. Por isso, as redes sociais não afetam tais pessoas. Pelo contrário, nas redes elas se sentem em casa. É um ambiente confortável, que não exige reflexão. As redes sociais não foram pensadas para levar as pessoas a refletir sobre a vida. Nelas não há grandes narrativas, mas frases de efeito, para serem reproduzidas segundo o gosto e a subjetividade de cada pessoa. Não se pode negar a veracidade e utilidade de muitas ideologias e pensamentos que aparecem nas redes sociais; mas é verdade que tudo aparece pronto e acabado, para ser "degustado": as pessoas se identificam, quase que cegamente, curtem e compartilham. Há quem compartilhe sem saber ao certo o que estão compartilhando! Os que dependem do que encontram nas redes sociais, geralmente não possuem opinião própria. São apenas reprodutores. Não gastam tempo, nem se esforçam para refletir sobre o que encontram, nem sobre o que acontece no mundo real. Assim, temos a pessoa alienada.

          4. Estímulo à mentira e ofensas. Nas redes sociais, muitas pessoas que gostam de mentir e ofender pessoas e instituições encontram espaço fecundo. No mundo virtual as pessoas tendem a falar o que não tem coragem de falar pessoalmente. Há certa coragem que só aparece no mundo virtual. Dois tipos de mentiras mais comuns se proliferam: a mentira sobre os outros e a mentira sobre si mesmas. Geralmente, as pessoas não são do mesmo jeito que se apresentam nas redes sociais. Nestas aparecem de um jeito; no mundo real, de outro. Toda pessoa é movida por interesses bons, ou ruins. Quando se trata de mentira virtual, o mentiroso quer convencer as pessoas que a sua índole é a que ele apresenta no mundo virtual, bem trabalhada e aparentemente saudável. Portanto, não é seguro conhecer, nem é correto afirmar que se conhece bem uma pessoa somente por aquilo que se vê nas redes sociais. Assim como facilita a vida do mentiroso, as redes sociais também oferecem campo fértil para quem gosta de ofender. As fake news (notícias falsas) são as formas mais famosas de ofensas virtuais, que tem causado muito estrago.

         5. Culto à aparência. Há quem goste de viver de aparência. Tais pessoas adoram as redes sociais, porque nelas podem aparentar uma vida que não levam e uma personalidade que não tem. Há uma falsa felicidade estampada no semblante de milhões que se utilizam das redes sociais. Pessoas que aparentam alegria, segurança, serenidade, muito amor e ternura; mas na vida real são tristes, inseguras, agitadas e perturbadas, amargas, cheias de veneno e mal intencionadas. Há um culto à aparência e um desprezo à verdadeira essência da pessoa, que nunca se apresenta do que jeito que verdadeiramente é, mas do jeito que deseja que as pessoas a vejam e tratem. Para esconder seus reais interesses e intenções, a pessoa se utiliza da estética, de palavras e ideias que não são suas, mas que servem para dissimular. As redes sociais possuem instrumentos eficientes para quem gosta de manipular e aparentar o que não existe. Também por este motivo são muito procuradas e viciantes.

            Por fim, posso dizer por experiência própria, que estes limites das redes sociais são facilmente verificáveis. Como observador atento, que faz uso das redes sociais, verifico o quanto mal tais meios têm ocasionado na vida de muita gente. Curiosamente, as pessoas não se dão conta disso. Pelo contrário, perdem cada vez mais o contato com o mundo real, sendo vítimas de certa frustração constante. O sentimento que invade a vida de muitos é o de um vazio assustador. Aliás, o cansaço provocado pelo uso das redes gera este vazio; que tem levado muita gente a abandoná-las. Vez e outra é necessário fazer uma "desintoxicação", abstendo-se de tais meios, em vista de uma vida mais saudável. O uso exagerado das redes sociais gera inúmeros prejuízos à saúde mental das pessoas, e não são muitas que tem percebido isso. 

Pe. Tiago de França

           

        





    
 

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Opinar

    


        Semanalmente, publicarei um breve artigo de opinião sobre algum tema. O padre é um formador de opinião e não posso fugir disso. Neste primeiro texto desta série que passo a denominar "artigo semanal", desejo discorrer sobre o ato de opinar. 

    Opinião todo mundo tem, com ou sem fundamento. Há opiniões relevantes e irrelevantes, dependendo da subjetividade de quem a recebe. Não somos obrigados a aceitar a opinião alheia, mas é atitude civilizada respeitá-la. Respeitar a opinião dos outros é um ato de solidariedade com o que o outro pensa. Valorizar a opinião dos outros é da índole de quem aprendeu a conviver. Concordando ou não, o respeito ao outro revela grandeza de alma.

    Há opiniões que possuem fundamento na realidade, e há aquelas que são formadas a partir da fantasia da pessoa, que imagina que a realidade é do jeito que pensa ou deseja. As mais aceitáveis são as que possuem conexão com a realidade, porque podem ser facilmente verificadas. Opiniões sofisticadas são as que conseguem descrever, com certa precisão, o que ocorre no mundo real, revelando o pensamento do seu autor, seu posicionamento. Toda opinião é uma posição sobre alguma questão, ou situação. Quem não opina, não se posiciona. 

    Quem opina deve estar preparado para ser avaliado na sua opinião, positiva ou negativamente. Há os que acolhem e avaliam positivamente a opinião, e há aqueles que rejeitam e até depreciam. Quando quem opina é livre em relação à avaliação daquilo que opinou, então segue seu caminho com certa tranquilidade, por saber que o outro é livre para reagir como quiser. Não se pode descer ao nível dos depreciadores, sob pena de se tornar um deles. Com depreciadores não se pode perder tempo, pois o tempo é uma preciosidade.

    Nenhuma opinião consegue abarcar a totalidade do sentido das coisas. Portanto, ninguém pode pretender dar uma opinião que encerre, definitivamente, uma questão. Toda questão permanece aberta. Não reconhecer isto revela uma grande limitação, bem como falta de humildade. Nenhuma opinião é definitiva. As pessoas podem mudar de opinião. Trata-se de uma atitude inteligente. A flexibilidade é uma virtude. Opiniões engessadas são próprias de uma mente curta ou limitada. 

    Há situações sobre as quais a prudência manda opinar, há outras que recomenda fazer o contrário. Há opiniões que acrescentam, porque iluminam mentes e corações, como também pode ocorrer o contrário. Sábia é a pessoa que sabe o momento de opinar e o de calar. Há circunstâncias que não pedem a nossa opinião. O discernimento ensina que o silêncio é a opinião louvável e aceitável. Também pelo silêncio podemos opinar. A ausência de comunicação verbal ou escrita também transmite uma opinião, uma resposta. A ausência opina no sentido de dizer que a palavra não é bem-vinda nem ajuda a construir sentido. Toda ausência, assim como todo discurso, pode e deve ser lida e compreendida. 

    A sociedade dita pós-moderna e líquida é profundamente marcada pelo excesso de palavras, sons e imagens. Há um barulho que, muitas vezes, nada comunica. No excesso está a falta. Este excesso gera cansaço e tédio nas pessoas. Gera também certa indisposição interior, revelada na falta de paciência e de escuta. As pessoas parecem cansadas, e já não querem mais ouvir. Estão desiludidas com o excesso de palavras que não comunicam paz e tranquilidade, mas causam agitação, porque carregadas de violência e ilusão. A palavra está perdendo a credibilidade, apesar de necessária, porque o ser humano é um ser de palavra, de comunicação. Precisamos recuperar a credibilidade da palavra, e isto acontece quando investimos verdade nas palavras.

    Opinar com base na verdade, sem perder a caridade e a ternura. A verdade não pode ser dita de forma violenta. A forma como opino pode causar rejeição ou acolhida. Opinar com mansidão e amor, com respeito e verdade. Assim, é mais fácil para a opinião encontrar mentes e corações abertos. Do contrário, ninguém suporta. Cada pessoa que ousa opinar, deveria se perguntar: Minha opinião realmente vai acrescentar alguma coisa? Tenho me esforçado para fazer valer a minha opinião? Como tenho exercido o meu direito de opinar? Nesta dada situação, devo opinar, ou calar? Sou intolerante e desrespeitoso quando opino? Opinar é importante, mas não podemos fazê-lo de qualquer jeito. Mas tudo é processual. Ninguém nasce pronto. Assim como aprendemos a falar, andar, comer, escovar os dentes, dirigir etc., também é possível aprender a opinar.

Pe. Tiago de França

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

A polêmica em torno da relação entre homossexuais e Igreja Católica


    É no mínimo desonesta a acusação que andam fazendo contra o Papa Francisco sobre a questão que intitula estas breves considerações. Vez e outra, o Papa tem apelado para a necessidade da acolhida das pessoas que têm orientação sexual diversa da heterossexualidade. Isso muda a doutrina e a disciplina da Igreja sobre a homossexualidade? Claro que não! Então, por que os tradicionalistas insistem em acusar o Papa de mudar a moral católica neste quesito? A resposta é simples: Porque gostam de polemizar, confundindo a cabeça das pessoas, com o objetivo de levá-las a ver o Papa como inimigo da moral cristã.

Aqui não quero discorrer a respeito da necessidade de a Igreja rever alguns pontos de sua teologia moral. Tal abordagem merece uma apreciação científica, em espaços acadêmicos e culturais dados à pesquisa teológica. Hoje, na Audiência Geral no Vaticano, o Papa pediu mais uma vez que se evitem posturas condenatórias. Não se deve "se esconder no comportamento de condenação". Aqui o Papa toca no ponto central da hipocrisia de muita gente: Esconder-se no comportamento de condenação, ou seja, quando se condena as pessoas, muitos escondem comportamentos abomináveis. No mínimo, condenam no outro o muito que tem em si mesmos.
Qual a lei do cristão? O amor a Deus e ao próximo. Por que não se aceita essa lei? Por que falta a verdadeira fé, o verdadeiro amor e a esperança que salva. Os expedientes condenatórios são expressões evidentes da falta de amor. O cristão pode estar em dia com a lei religiosa, pode ser um católico 100%, mas se não tiver amor, está perdido com sua pretensa fé religiosa. Na Igreja, a falta de amor se evidencia na hipocrisia religiosa, presente nas falas e relações pautadas no juízo e condenação das pessoas. A ninguém Jesus deu o poder para julgar e condenar. Aí está um pecado grave a ser confessado sem demora.
Na Igreja há um grupo de gente maliciosa e inimiga da paz que vive de plantão, vigiando o Papa em suas falas. São iguais a muitos fariseus que viviam espionando Jesus, para pegá-lo em alguma falta e, assim, poderem acusá-lo. Geralmente, essa gente não tem moral nenhuma para acusar quem quer que seja, pois leva uma vida indigna do cristão. Os hipócritas são pecadores, que se dedicam a enxergar pecados na conduta alheia, mas são incapazes de olhar para si mesmos. São deturpadores da verdade, amigos da mentira. Como diz Jesus no Evangelho segundo João: são filhos do diabo, porque este é o pai da mentira e da confusão.
A moral cristã católica a respeito da homossexualidade permanece intocável. Todo católico que gosta de estudar a conhece. Mas esta moral não ensina nem autoriza julgamentos e condenações. As pessoas precisam ser acolhidas como realmente são: com suas virtudes, defeitos e tendências. A Igreja não nasceu para mudar as pessoas. Ninguém muda ninguém. Não se muda a natureza das pessoas. Elas são o que são. Um heterossexual assim se manifesta e pronto. O homossexual da mesma forma. Não há aí doença, nem perturbação, nem maldição, nem destino traçado. Há pessoas, que devem ser respeitadas em sua dignidade e formas de ser.
Deus é o Pai que ama a todos, porque não faz acepção de pessoas. Conhece seus filhos e filhas, e sabe do que são feitos. Deus é amor e ama a todos, santos e pecadores, cristãos e não cristãos, independente da condição ou orientação sexual das pessoas. Quando Deus nos olha, não se interessa, em primeiro lugar, se somos héteros, gays, lésbicas etc. Ele olha a nossa capacidade de amar. O mais importante não é a orientação sexual da pessoa, mas se ela é capaz de amar a Deus e ao próximo. Ninguém será salvo porque é hétero, homo, bi etc., mas porque amou a Deus e ao próximo como a si mesmo.
Quem segue Jesus ama e desperta o amor nas pessoas; ama-as como são, com todos os seus dilemas e possibilidades. A religião tem a função de despertar o amor, a fé e a esperança. Não pode ser lugar de julgamento e condenação. Religião não é tribunal, mas lugar de encontro, amizade, fraternidade. É lugar de se aprender a ser irmão do outro. Este não pode ser visto como inimigo, alguém que deva ser eliminado. Ser cristão não obriga a concordar com a orientação sexual das pessoas, mas exige o respeito, a defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana. Quem ainda não assimilou esta dimensão da fé cristã está em dívida com a própria fé em Jesus.
A fé em Jesus rima com a cultura da tolerância e da amizade entre as pessoas. Vivemos numa sociedade marcada pela violência contra as pessoas homossexuais: xingamentos, espancamentos, calúnias, mortes etc. Está gravemente doente a pessoa que agride outra por causa de sua orientação sexual. Em muitos casos, a ignorância é a doença principal dos agressores, que se acham no direito de agredir e eliminar os outros. Todo agressor é um criminoso. A Igreja deve permanecer ao lado das vítimas, porque esta foi e permanece sendo a opção de Jesus, que revelou o Deus dos injustiçados.

Pe. Tiago de França

quinta-feira, 24 de junho de 2021

João Batista: profeta do Altíssimo

 


“Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus” (Lc 1,16).

            Muito conhecida e querida a figura do profeta João Batista na caminhada dos cristãos. Desde o séc. IV se tem notícia de culto a este profeta corajoso, que preparou a chegada do Messias, Jesus de Nazaré. Pregando um batismo de conversão, apontou para o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Denunciando o pecado e o mal alojados no coração humano, ensinou o caminho da conversão.

            “A mão do Senhor estava com ele”, informa-nos o terceiro evangelista (Lc 1,66). Na Bíblia, a mão do Senhor permanece com as mulheres e homens justos, que receberam de Deus uma missão específica, em um determinado tempo e lugar. Todos tinham consciência de sua missão, e sabiam que contavam com a mão do Senhor, que acompanha e apoia todos os que são chamados a participar do plano de Deus. A mão do Senhor é a segurança daqueles que aceitam a missão confiada por Deus.

            Dentro do projeto de Deus, a atividade profética é essencial. Os profetas bíblicos cumpriram fielmente a missão recebida, apesar de suas fragilidades e das diversas circunstâncias nas quais viviam. Transmitiram com fidelidade e ousadia a mensagem de Deus. Em todo tempo e lugar, o Senhor suscita profetas, com a missão de revelar a Sua vontade para a vida e salvação da humanidade. O profeta não fala de si mesmo, mas anuncia o surgimento de uma humanidade nova, alicerçada na justiça e no direito.

            O anúncio desta humanidade nova inclui, necessariamente, a denúncia sistemática das injustiças que ferem a dignidade da pessoa humana. Por causa da denúncia das injustiças, os profetas são, muitas vezes, incompreendidos, perseguidos e mortos. Os que praticam e são coniventes com o mal odeiam os profetas, porque estes não se calam nem podem se calar. A mensagem divina precisa ser anunciada, mesmo que muitos a rejeitem. A semente precisa ser semeada, mesmo que não germine, por causa da dureza do coração das mulheres e homens dominados pelo ódio e pelas ideologias de morte que operam no mundo.

            O profeta não prega ideologias, porque estas visam o interesse de pessoas e grupos; mas prega a vontade de Deus para determinadas situações ou circunstâncias; anuncia o projeto de Deus, e fala, com a autoridade dada por Deus, qual o caminho que se deve seguir. Auxiliado pelo dom do discernimento dos espíritos, aponta para Deus. Habitado pela graça de Deus, fala daquilo que é de Deus, e não se ocupa com os interesses meramente humanos. Ao profeta são revelados os pensamentos de Deus, que estão acima dos pensamentos humanos. Na escuta atenta da voz de Deus, o profeta prepara “para o Senhor um povo bem-disposto” (Lc 1,17).

            O profeta João Batista foi assassinado porque denunciou o fato de o rei Herodes ter tomado para si a mulher do seu irmão Filipe. Enfurecida, Herodíades, que tinha sido mulher de Filipe, procurava uma oportunidade para matá-lo. Encontrando a oportunidade, por ocasião do aniversário do rei, não pensou duas vezes e pediu a cabeça do profeta, que lhe foi trazida em um prato (cf. Mc 6,14-29). João Batista sabia dos riscos que corria, mas nem por isso recuou, porque a mão do Senhor estava com ele.

            Certo de sua missão, o profeta não recua nem se entrega ao medo. Não se deixa amedrontar nem fica preocupado se está ou não agradando às pessoas. Sua missão não é agradar às pessoas, mas anunciar o Reino de Deus. As resistências ao Reino de Deus sempre existiram e continuarão a existir, porque não são todas as pessoas que estão dispostas a aceitar as exigências deste Reino. Há sempre aqueles que trilham caminhos tortuosos, e desejam ser confirmados em suas desventuras. Não cabe ao profeta tolerar nem se calar diante das injustiças. Pelo contrário, a sua missão é a de enfrentá-las, com ternura e vigor, com serenidade e firmeza, com coragem e alegria.

            A profecia será sempre um incômodo para muitos, mas não pode deixar de existir, tanto dentro quanto fora da Igreja. Ninguém jamais conseguirá acabar com a profecia na Igreja e no mundo, porque é obra do Espírito de Deus, que sopra onde, quando e em quem quer. O profeta é pessoa guiada e iluminada pelo Espírito de Deus, e contra este Espírito não há força humana que possa alguma coisa.

Os planos de Deus se realizam, apesar das resistências humanas; e o profeta está a serviço dos planos de Deus. A salvação da humanidade em Cristo Jesus, o Messias, está no centro dos planos de Deus. O profeta João Batista preparou os caminhos para a manifestação da salvação oferecida em Jesus, o Cordeiro.

Hoje, os profetas continuam anunciando esta salvação. Para isso, precisam enfrentar os poderosos deste mundo, os Herodes dos dias atuais, que perseguem e matam milhares de pessoas. Todo profeta conhece a força de Deus, e sabem que os poderosos deste mundo não conhecem nem podem contar com esta força divina. Por isso, seus poderes são frágeis, e no fim de tudo, desaparecem como a fumaça, não sobrando nada além das tristes recordações de seus feitos diabólicos neste mundo. Os profetas, pelo contrário, assim como João Batista, serão sempre lembrados como homens de Deus, filhos da luz e da verdade que liberta. 

Tiago de França

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Irmanados no Corpo e Sangue de Jesus

 


“O sangue de Cristo purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo, pois, em virtude do Espírito eterno, Cristo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha. Por isso, ele é mediador de uma nova aliança” (Hb 9,14).

            A celebração do Corpo e Sangue de Jesus é memória de sua paixão, morte e ressurreição; é celebração do mistério pascal do Senhor. No centro desse mistério está a entrega de Jesus, o oferecimento de si mesmo a Deus “como vítima sem mancha”. Ele é o Cordeiro imolado, obediente até a morte, e morte de cruz. Ressuscitado, permanece no mundo, cumprindo a sua promessa (cf. Mt 28,20). Reunida em seu nome, a Igreja, comunidade de comunidades e assembleia dos chamados à santidade, observa, perpetuamente, o preceito sublime de celebrar a Eucaristia, sacramento de sua presença real e salvífica (cf. 1 Cor 11,24).

            Eucaristia é comunhão ao redor da mesa; comunhão com Jesus e com os irmãos. Na última ceia (cf. Mc 14,12-16.22-26), Jesus se reúne, partilha o pão e o vinho, canta um hino de louvor ao Criador. “Tomai, isto é o meu corpo”; “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”: estas são as palavras de Jesus. O Corpo e o Sangue de Jesus é mais que o pão e o vinho consagrados; é toda a sua vida doada, com total liberdade e gratuidade, para a salvação de toda a humanidade. Por isso, ao participar da mesa eucarística, o discípulo de Cristo assume o compromisso de viver de acordo com a vida doada de Jesus.

            Antes e até Jesus, celebrava-se a antiga aliança que Deus fez com seu povo (cf. Ex 24,3-8). Eram imolados novilhos “como sacrifícios pacíficos ao Senhor”. Fazendo a memória da páscoa judaica, Jesus inaugura a nova e eterna aliança, derramando o seu sangue na cruz, “o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos”. Com seu sangue, ele “entrou no santuário uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12). A Eucaristia contém o mistério da cruz de Cristo, que contempla a sua ressurreição. Os que nela tomam parte devem estar dispostos a vivenciar a experiência da cruz e ressurreição, experiência que transforma o discípulo em missionário do Reino de Deus.

            A Eucaristia abre os olhos dos discípulos de Jesus, para que possam enxergar a vida com os olhos da fé. Essa nova visão da realidade concede a graça da identificação da ação de Deus no mundo. Apesar dos pesares da vida, o Senhor está no mundo, trabalhando diuturnamente. A criação continua sendo recapitulada em Cristo. A celebração da Eucaristia revela este mistério amoroso de redenção da humanidade. A ação ritual da liturgia eucarística faz o discípulo enxergar, compreender, sentir e comprometer-se com a ação redentora de Jesus. A participação na mesa do Senhor realiza o mistério da unificação, ou seja, o discípulo se torna morada de Deus, e Deus faz morada no discípulo. Este se torna um outro Cristo no mundo, capaz de realizar as obras de Deus e de receber a promessa da herança eterna.

            Há um hino eucarístico que reza o seguinte: “Vamos comungar, vamos comungar; comungar na Igreja e na vida dos irmãos”. A comunhão com Jesus exige a comunhão com os irmãos; participar da vida de Jesus significa tomar parte na vida dos irmãos. Por isso, participar da mesa eucarística é assumir os riscos da comunhão fraterna. O amor e a oração aos inimigos e perseguidores estão implícitos no ato de receber a Eucaristia, bem como o serviço generoso, alegre e gratuito aos irmãos e irmãs que sofrem. Na Eucaristia não existe exclusivismos nem indiferença. Ou seja, quem deseja entrar em comunhão com Jesus na Eucaristia precisa refletir se está disposto a entrar em comunhão com o próximo, especialmente os sofredores deste mundo. Ninguém pode receber Jesus na Eucaristia se isolando dos outros, vivendo como se estes não existissem. Eucaristia e indiferença são incompatíveis. Comunga-se para vencer este terrível pecado.

            Falar em comunhão significa promover a unidade no amor. Esta unidade exige humildade, disponibilidade e reconhecimento do outro. Unidade que não significa uniformidade ou padronização, mas aceitação e promoção da diversidade no amor. Antes de comungar, todo fiel católico responde à saudação da paz, dizendo: “O amor de Cristo nos uniu”. Portanto, assume um compromisso de viver a unidade. O Corpo e o Sangue do Senhor asseguram e mantém esta unidade. É um escândalo a participação no Corpo e o Sangue de Cristo sem este compromisso com a unidade que gera a paz. Os inimigos da paz de Cristo somente podem comungar se quiserem assumir um compromisso com a unidade e a paz. Não estão em comunhão com Jesus aqueles que se dedicam às intrigas, promovendo a divisão na Igreja de Jesus.

            Na Eucaristia o Senhor nos ama e nos convida ao amor. São tantas as pessoas necessitadas de amor. Na verdade, de amor todo ser humano é necessitado. São várias as formas de expressão deste amor. Em Cristo, a expressão máxima é a doação total da própria vida nas grandes causas do Reino de Deus: justiça, solidariedade, perdão, ternura, cuidado, alegria... Em Cristo Jesus, o discípulo missionário é sal e luz, fermento na massa, presença amorosa de Deus no mundo. Hoje, milhões de brasileiros sofrem com a falta de trabalho e alimento, com os altos índices de violência, com a falta de vacina e com o luto... Muitas são as oportunidades para viver em comunhão com Jesus nos irmãos e irmãs que sofrem.

            Por estas razões bíblicas e teológicas, que revelam a grandeza e a simplicidade do mistério eucarístico na vida cristã e eclesial, a celebração da Solenidade do Corpo e do Sangue do Senhor deve ir além da beleza da celebração ritual. Os membros do Corpo Místico de Jesus precisam, de fato, sentirem-se membros, purificados e renovados no Sangue do Senhor, para manifestarem, com palavras e ações, a caridade de Cristo; para que todos tenham vida e a tenham em abundância. Em um mundo profundamente marcado pela morte, em tempos de pandemia, a participação no mistério eucarístico deve levar cada fiel discípulo missionário de Jesus a manifestar no mundo a paixão, morte e ressurreição do Senhor. Somente dessa forma, poderão colher os frutos da redenção realizada pelo Senhor.  

Tiago de França

quarta-feira, 28 de abril de 2021

A CPI da Covid e os pecados de omissão

 


             Certa vez, um amigo padre, missionário estrangeiro no Brasil, me falou o seguinte: “Vocês, brasileiros, tem uma mania de não encarar os problemas; vocês gostam de adiar as coisas”. Ao ler as notícias de hoje, principalmente as relacionadas à CPI da Covid, instalada hoje em Brasília, veio à mente essas palavras do amigo padre missionário. Certamente, em todo lugar há os omissos e os procrastinadores. Mas o Brasil tem ganhado destaque nestes dois pontos. De fato, muitos brasileiros tem a mania de fugir dos problemas, pensando que, dessa forma, os problemas deixam de existir.

            O famoso “jeitinho brasileiro” também está inserido nesta cultura da fuga e do adiamento. Em inúmeros setores da sociedade, é comum escutarmos as pessoas falarem: “Depois a gente resolve isso!”, ou “A gente dá um jeitinho”. No caso da CPI da Covid, parlamentares investigarão as ações e omissões do governo, bem como o repasse de verbas durante a pandemia. Uma comissão parlamentar de inquérito tem a missão de investigar. Mas como a política brasileira é contaminada pelo vírus da corrupção, as CPIs já nascem com suspeitas. Há os que querem investigar, e os que querem evitar as investigações.

            O cenário é evidente: houve ações e omissões que provocaram a morte de milhares de brasileiros. Esta é a matéria das investigações. Se os parlamentares se afastarem das posições partidariamente apaixonadas e encararem o problema com seriedade, certamente a CPI encontrará os culpados. E o tempo de investigar é agora. Quando se adia uma investigação, geralmente não se investiga mais. Quando os responsáveis pelas investigações dizem não ter encontrado elementos suficientes, sem terem se ocupado com as investigações, então é porque, claramente, não se quer investigar. Consequência natural e óbvia: reforça-se a cultura da impunidade.

            O governo não quer a CPI da Covid, porque teme que os trabalhos sejam levados a sério e, assim, revelem-se os culpados. Alguém precisa ser responsabilizado pelas consequências do negacionismo que tomou conta do país. A negação da realidade pode conduzir à omissão. Se alguém nega que o vírus é capaz de provocar a morte das pessoas, esse alguém pode permitir que as pessoas morram, sem tomar nenhuma providência para evitar tal tragédia. Não querer enxergar a realidade também conduz à omissão. Quando alguém finge não enxergar o óbvio, não assume a responsabilidade de fazer alguma coisa para evitar o mal.

            Muitas pessoas deixam de falar e agir, porque não querem assumir responsabilidades; recusam-se a se comprometer. Mais do que isso, torcem para o “circo pegar fogo”, mesmo sabendo que também serão atingidas pelo fogo. Vivemos numa sociedade profundamente marcada pela falta de responsabilidade. Muitos dos detentores de poder não exercem com justiça o seu papel, gerando sofrimento e morte. A omissão sempre causa vítimas, sempre gera um mal coletivo. A falta de providência, ou a providência errada pode causar sofrimento e morte. Isso é óbvio, mas as pessoas, geralmente, não pensam nessas coisas. Essa falta de pensamento também constitui omissão. Evita-se o assunto.

            A espiritualidade cristã também fala de omissão. As pessoas podem pecar por pensamentos, palavras, atos e omissões. A omissão é um pecado. Omitir-se é deixar de fazer algum bem necessário à vida em comunidade. Também nas comunidades cristãs os problemas, muitas vezes, não são encarados. Quando não se adia a solução, decide-se de forma equivocada, prejudicando a comunidade. Muitas decisões não visam o bem da comunidade, mas somente o bem individual de muitas pessoas. Tais decisões não estão em sintonia com o projeto eclesial e comunitário, mas estão em função da satisfação do desejo pessoal dos que delas se beneficiam.

            Na Igreja Católica, apesar das dificuldades e resistências, o Papa Francisco tem tocado em algumas feridas abertas. Tocar na ferida é ação que provoca dor e incômodo. A reforma da Igreja passa, necessariamente, por incômodos, porque há aqueles que não querem tal reforma. Defendem que tudo continue do jeito de sempre. Tal posição coaduna-se com a ideia de que o Espírito Santo nada transforma, mas somente confirma o de sempre. Alguns alegam: “Sempre foi feito dessa forma; por que mudar agora?” As pessoas se acostumam, facilmente, com o mesmo, com a rotina, a mesmice, passando a gostar de uma vida insossa. Levam uma “vida espiritual” sem dinamismo, desligada do Evangelho e da ação do Espírito de Jesus.

            Quem se habitua a esse estilo de vida não consegue ser proativo, não tem iniciativa. Portanto, facilmente se omite diante da necessidade de mudanças. Dominada por este espírito mundano de ser, a Igreja se torna letárgica, uma sociedade parada no tempo, impossibilitando a experiência dos necessários rompimentos. A radicalidade do Evangelho passa a ser vista como exagero, passível de apaziguamento. A subjetividade das pessoas passa a ser a norma da vida coletiva, e o gosto de cada um precisa ser satisfeito, sacrificando o bem comum. O eu passa a ser mais importante que o nós. Não se decide pensando nas pessoas, mas na pessoa a ser beneficiada pela decisão.

            Qualquer pessoa pode pecar por omissão, tanto o governo quanto os governados; tanto que tem quanto quem não tem poder em determinada instituição. Apesar dos condicionamentos, toda pessoa goza de uma margem de liberdade para decidir conforme a sua consciência e à luz do Evangelho de Jesus. A experiência de Jesus mostra que a omissão não fez parte de sua vida, pois agia sempre orientado pela vontade do Pai. Ele agia em nome do Pai, porque era um com o Pai (cf. Jo 10,25.30). O mesmo deve fazer todo aquele que deseja ser seu discípulo: agir conforme a vontade do Pai.

            Em todas as situações que exigem decisão, para não ser omisso, deve o discípulo pensar: “O que Jesus faria nessa situação?” Os evangelhos mostram que Jesus pensava sempre no bem das pessoas. Ele não jogava fardos pesados nas costas de ninguém. Também não se omitia nas situações de injustiça. Diante da exploração religiosa, pegou o chicote e expulsões os exploradores do Templo.

Este é apenas um dos exemplos que mostra um Cristo decidido a agir para libertar as pessoas. Até que ponto somos capazes de agir, visando a libertação das pessoas? Ao nosso redor há pessoas sofrendo. Estamos enxergando, ou fingimos não enxergar? Quando decidimos agir, a nossa ação colabora com a opressão, ou com a libertação das pessoas? Ajudamos a carregar a cruz, ou agimos para a cruz se tornar mais pesada e penosa? De nada adianta ficarmos indignados com os políticos omissos, quando também somos omissos no cotidiano de nossa vida. Por fim, cabe pensar nas seguintes palavras atribuídas a Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.

 

Tiago de França