Com muito entusiasmo,
as pessoas tomam conhecimento da persistência do Papa Francisco na tentativa
incansável de reformar a Igreja. Recentemente, o Papa publicou sua primeira exortação
apostólica, intitulada Evangelii Gaudium (A alegria do
Evangelho). Ainda não tive tempo para me debruçar sobre ela, mas as primeiras
palavras da mesma merecem nossa atenção: “A
alegria do Evangelho enche o coração e a vida daqueles que se encontram com
Jesus”. Vamos ousar algumas ideias a partir destas palavras do Papa.
A
alegria do Evangelho
Desde o início
do seu pontificado o Papa vem chamado a atenção da Igreja e do mundo para a importância
da alegria. De fato, diante de tanto sofrimento, a alegria merece o seu lugar
na vida humana; mas a alegria da qual fala o pontífice não é a alegria
meramente mundana, oriunda do mero desfrute dos prazeres, mas se refere à
perfeita alegria, da qual também falava São Francisco de Assis. A perfeita
alegria o mundo não consegue dar, pois ela não é passageira, e traz consigo a
paz. Quem goza da perfeita alegria não perde o bom humor e sempre está em paz
consigo mesmo, com os outros e com Deus.
O cristão precisa ser uma pessoa alegre. Por meio de
palavras e gestos é chamado a transmitir a alegria da ressurreição de Jesus. Como
tão bem tem lembrado o Papa, Jesus era um homem alegre. A tristeza leva ao
desânimo e este engessa a pessoa, tirando-lhe a alegria de viver. Mesmo que a
vida nos pareça difícil e pesada, é preciso permanecer no espírito da
verdadeira alegria, aquela alegria que animou Jesus na missão, no encontro com
as pessoas. Pessoas alegres tornam o mundo melhor, pois a alegria interfere
positivamente nas relações interpessoais.
A Boa Notícia de Jesus possui em si mesma uma alegria radiante
porque liberta as pessoas de toda espécie de prisão. Quem está preso está
triste, desolado, sem estímulo para viver. Chamado à liberdade, o ser humano reencontra
a alegria quando livre das forças que provocam a morte. Esta liberdade somente
é obtida por meio do anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus. Portanto, a
reforma da Igreja desejada pelo Papa e por tantos cristãos está intimamente
ligada à alegria do Evangelho. Cristãos tomados por esta alegria são verdadeiramente
capazes de aderir ao projeto do Reino de Deus anunciado por Jesus.
A
conversão do coração
Nestes dias
estive lendo algumas homilias do Papa. Ele fala com convicção e com alegria. Suas
palavras vem de seu coração. Então, me recordei de um pensamento do famoso
jesuíta Anthony de Mello: “A religião não
é uma questão de rituais ou estudos acadêmicos. Não é um tipo de culto ou de
boas ações. Religião é uma questão de arrancar as impurezas do coração. Este é
o caminho para encontrar a Deus”. Rituais, estudos acadêmicos, culto e boas
ações: desde sempre o ser humano reduziu a religião a isso. Portanto, o
essencial foi esquecido. Passaram-se séculos de apego ao secundário.
Quem realmente se interessa em arrancar as impurezas do próprio
coração? Por que as pessoas resistem a isso? O que fazer para alcançar esta
graça? Anthony de Mello, SJ, em sua vasta obra espiritual aponta o desapego
como caminho para a libertação interior, para que seja possível arrancar as
impurezas do coração. De fato, compreendendo o que significa o desapego, este
parecer ser o único caminho que conduz à verdadeira liberdade. Jesus ensina no
Evangelho que o que torna o homem impuro não é o que entra no ser humano, mas o
que sai dele. Assim sendo, toda pessoa possui impurezas que precisam ser
arrancadas. Eis a questão da religião.
Essas impurezas do coração nos tornam agentes das forças
de morte que operam no mundo. Elas nos conduzem ao mal, à ofensa a nós mesmos e
ao outro; transformam-nos em pessoas calculistas, oportunistas, egoístas,
falsas, desonestas, mentirosas, arrogantes e dissimuladas. Há uma tendência de
maquinar o mal contra o outro e uma falsa alegria em vê-lo destruído. A situação
pecaminosa do ser humano é tão lastimosa que há pessoas que sentem prazer em
ver seu semelhante destruído, humilhado, desorientado, aflito, desesperado e
morto. Isso precisa ser arrancado de dentro de nós.
Precisamos
nos libertar desta cruel tendência em levar o próximo à desgraça. Esta e tantas
outras impurezas somente desaparecem quando nos desapegamos de nós mesmos e de
tudo o que existe neste mundo. A raiz da ofensa ao outro está na busca de
nossos interesses mesquinhos. Isso se chama egoísmo. Quando procuramos
prejudicar nosso semelhante estamos, na verdade, procurando alguma satisfação,
estamos querendo ganhar alguma coisa em troca. Sempre foi assim e enquanto o
desapego não for o caminho a ser trilhado, a situação, infelizmente, vai continuar
sendo a mesma.
A
Igreja precisa de mulheres e homens que ousem fazer a reforma do coração, pois
sem esta não é possível reformar nenhuma espécie de estrutura. A reforma
da Igreja passa pela reforma do coração, e reformar o coração significa
arrancar as suas impurezas. Neste sentido, o que o Papa está propondo é o que
Jesus exortou no seu Evangelho: convertam-se e creiam no evangelho! Sem esta
conversão, que passa pelo coração, não é possível reforma alguma. Aliás,
precisamos mais de que uma reforma, precisamos de rupturas! Estas exigem
coragem e determinação para serem realizadas, mas antes é preciso alegria e
desapego para que haja libertação do medo, do egoísmo e das diversas formas de
apegos que nos aprisionam. Que o Espírito do Senhor nos ajude com sua força.
Tiago
de França
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