sexta-feira, 26 de setembro de 2008

São Vicente de Paulo e a opção preferencial pelos pobres


A Igreja reservou o dia 27 de setembro para celebrar a memória de um de seus maiores santos: São Vicente de Paulo. Sacerdote de oração e ação, homem evangélico sempre atual, amante da caridade missionária e iniciador de um grande projeto. A vasta biografia deste grande ícone da caridade na Igreja não me permite apresentar em um breve artigo sua fecunda história de amor pelos pobres. Portanto, tenho a intenção de expor brevemente aquilo que já foi escrito e estudado por muitos e que constitui o centro da espiritualidade da Família Vicentina: o seguimento de Jesus Evangelizador dos pobres.
“A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza” (cf. 2 Cor 8, 9) [1]. O que o Papa Bento XVI quis dizer com isso? Na fé professada em Jesus está implícita a opção preferencial pelos pobres. E quem é este Deus? É aquele que desceu até nós, tornou-se “igual a nós, exceto no pecado” [2]. Ele é o Emanuel, o “Deus que está conosco” [3]. A riqueza do cristão é ter consigo este Deus. Quando São Vicente leu a passagem da Escritura que diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu; e enviou-me para anunciar a Boa Nova aos pobres” [4] entendeu o chamado de Deus que o interpelava para assumir com a vida esta opção. Falando às Filhas da Caridade, ele expressa sua alegria e consolação: “Quanto a mim, minhas Irmãs, eu vos confesso que jamais senti maior consolação do que quando tive a honra de servir aos pobres” [5]. Estas palavras nos falam do sentimento que brota do coração de São Vicente de Paulo. Lendo com os olhos fé vemos e sentimos um homem apaixonado pelos pobres.
Na reflexão teológica pós-conciliar os pobres ganharam lugar de destaque. Os documentos conciliares, e especialmente os das Conferências do CELAM, apresentam uma preocupação evangélica pela situação dos pobres no mundo. E já no século XVII, deixando-me iluminar pela Palavra de Deus, São Vicente de Paulo soube entender e viver a opção que se tornou o núcleo do sentido do trabalho de evangelização da Igreja na América Latina. São Vicente de Paulo entende a evangelização da seguinte maneira: “A evangelização dos pobres é um ofício tão importante que foi, por excelência, o ofício do Filho de Deus. a ele nós nos aplicamos como instrumentos dos quais se serve o Filho de Deus que continua a fazer no céu o que fez na terra” [6]. Neste pensamento percebe-se explicitamente a opção preferencial pelos pobres implícita na fé cristológica. Para São Vicente de Paulo, Jesus é o modelo de missionário. O Cristo de São Vicente é o missionário do Pai. Quando escreveu ao Pe. Portail, um dos primeiros membros da Congregação da Missão, ele diz: “Lembre-se Pe. Portail, que vivemos em Jesus Cristo pela morte de Jesus Cristo, e que temos que morrer em Jesus Cristo pela vida de Jesus Cristo; que nossa vida deve está oculta em Jesus Cristo e plena de Jesus Cristo, e que para morrer como Jesus Cristo devemos viver como Jesus Cristo” [7]. A partir destas sábias e santas palavras, pode-se afirmar que o carisma vicentino é eminentemente cristológico e totalmente voltado à evangelização dos pobres. Esta é a identidade da Família Vicentina, composta de homens e mulheres, leigos e ordenados, consagrados para desenvolver esta árdua missão.
Os vários escritos de São Vicente de Paulo são considerados instruções sobre o verdadeiro exercício da caridade. No tempo de São Vicente de Paulo os pobres eram esquecidos. Esquecidos pela sociedade e pela Igreja. O clero de seu tempo estava voltado para a busca do ter e do poder, imerso num verdadeiro lamaçal de corrupção. Inicialmente, o próprio Pe. Vicente de Paulo também almejava participar deste infortúnio eclesiástico, mas tocado pela graça de Deus que se manifestou pelas influências de diretores espirituais como São Francisco de Sales, do Cardeal de Bérulle e André Duval e a realidade gritante dos oprimidos marginalizados, São Vicente de Paulo encontrou o verdadeiro sentido da vida e fim último do homem: o Deus de Jesus Cristo na pessoa do pobre. Este encontro marcou tanto sua vida, que ele declara para os Padres da Congregação da Missão por ele fundada: “Jesus Cristo é a regra da Missão” [8], e as Constituições rezam que “Jesus é o Centro de sua vida e de sua ação” [9]. Por isso, tantos os Padres como os demais membros dos demais ramos que constitui a Família Vicentina, deve ter em Jesus o fundamento e a força que encoraja e anima no exercício da caridade organizada.
Um dos alimentos do missionário e da missionária na missão do seguimento de Jesus segundo tal opção é a oração. Falando aos Padres da Missão, São Vicente de Paulo fala da importância que se deve dar à oração: “Dá-me um homem de oração e ele será capaz de tudo. Pode-se dizer como o apóstolo: tudo posso naquele que me fortalece. A Congregação durará enquanto praticar com fidelidade a oração, que é como a fortaleza inexpugnável que defende os missionários contra toda espécie de ataques” [10]. Dificilmente, um missionário pode desenvolver bem sua missão sem este alimento salutar. O mundo pós-moderno está levando ao desespero muitos cristãos, que por falta da intimidade com Deus, que se dá por meio da oração, estão perdendo as esperanças e o sentido da existência. O vicentino não pode chegar a este estado, porque aprendeu com seu Fundador a necessidade de rezar. A falta de oração torna as pessoas insensíveis diante dos sofrimentos do próximo, pois assim como Jesus mostrou a São Vicente de Paulo o verdadeiro sentido do ser cristão, que é o servir os pobres, este mesmo Cristo continua hoje apontando para estes mesmos pobres.
O carisma vicentino permanece atual porque os pobres nunca deixaram de existir. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o número de pessoas com fome no mundo passou de 850 milhões para 925 milhões em 2007, notícia publicada no dia 17 do corrente mês. Estamos diante de uma realidade que clama por socorro. O capitalismo exacerbado dos países ricos e industrializado está acentuando cada vez mais a miséria no mundo. A partir de uma leitura teológica desta realidade pode-se afirmar que esta é uma situação pecaminosa grave, que provoca a ira de Deus, pois Deus não criou os seres humanos para morrerem de fome sobre a face da Terra. O que isso tem que ver com o carisma vicentino? O que São Vicente de Paulo faria se estivesse conosco? Com certeza ele denunciaria essa aberração contra os pobres e assim como Madre Teresa de Calcutá, Dom Hélder Câmara. Ir. Doroth Stang e tantos outros e outras, que deram sua vida em prol da libertação integral do ser humano e da promoção da dignidade humana. Organizar e conscientizar os pobres devem ser o primeiro passo. Isso significa fazer com o que o pobre construa sua própria história, denunciando também toda forma de assistencialismo alienante e toda falsa prática da fé.
Finalizo esta breve reflexão expondo a visão que São Vicente de Paulo tinha dos pobres, para que também nós não os percamos de vista em nossa ação pastoral como Igreja de Jesus Cristo: “Não devemos considerar um pobre camponês segundo o seu exterior, nem segundo o alcance do seu espírito. Ainda mais quando freqüentemente quase não têm a figura, nem o espírito de pessoas racionais, tanto grosseiros e terrestres. Mas, virai a medalha e vereis, pela luz da fé, que o Filho de Deus, que quis ser pobre, nos é representado por esses pobres. Ele quase não tinha figura humana, em sua paixão. Passava por louco, no espírito dos pagãos, e por pedra de escândalos, no espírito dos judeus. E com tudo isso, ele se qualifica evangelizador dos pobres! Ó meu Deus, como é belo ver os pobres, se os consideramos em Deus e na estima que Jesus Cristo teve deles” [11]. São Vicente de Paulo, rogai por nós!

Tiago de França da Silva
Seminarista Lazarista

Notas:
[1] Discurso Inaugural proferido pelo Papa Bento XVI na Sessão Inaugural dos Trabalhos da V CELAM, 3;
[2] Hb 4, 15;
[3] Mt 1, 23;
[4] Lc 4, 18;
[5] X, 681;
[6] Conferência aos Padres da Missão (Correspondência, Conferências, Documentos. Paris, 1920 – 1925, vol. XII, trechos, p. 80 – 87;
[7] I, 230;
[8] XI, 429;
[9] Constituições da Congregação da Missão, nº 5;
[10] XI, 778;
[11] XI, 30.

Nenhum comentário: