Há
muitas reflexões sobre o diálogo ecumênico. Com mais esta
reflexão queremos aprofundar ou tornar explícita uma realidade preocupante: a
crescente divisão entre os cristãos. Trata-se de um contratestemunho que
envergonha a todos. Torna-se incontável o número de grupos religiosos que se
multiplicam em todo o mundo e torna o Cristianismo uma religião cada vez mais plural.
Para sermos didáticos e para que nossa
reflexão não se estenda muito, abordaremos três aspectos que são entraves e
três que facilitam o diálogo entre as Igrejas cristãs. Posteriormente,
falaremos brevemente do desejo de Jesus a respeito da unidade. O que pensava
Jesus quando falava de unidade entre seus seguidores?
Entre os diversos entraves ao
diálogo ecumênico podemos mencionar, em primeiro lugar, o espírito de superioridade
que há em todas as Igrejas. Como entender este espírito? A falta de humildade,
o sentir-se superior ao outro, a prepotência que leva a ver o outro de cima
para baixo, esperar que o outro venha ao encontro, pensar-se detentor da
verdade absoluta etc.: tudo isto caracteriza tal espírito. Muitas posturas
tomadas pelas Igrejas têm este espírito como alicerce. Assim, é impossível
dialogar com quem se sente superior ou dono da verdade. Não há a mínima
predisposição em acolher o que o outro tem a dizer de sua experiência religiosa.
Parte-se do princípio de que o outro não tem nada a ensinar, mas somente a
aprender.
Um segundo entrave é o proselitismo
que está presente em todas as Igrejas. É um dos males mais praticados
atualmente no seio do Cristianismo. Apela-se para os mais absurdos discursos e
práticas para “converter” as pessoas. Aqui, a conversão significa sair de uma Igreja
para ingressar em outra. Este trânsito religioso é marcado pelo
proselitismo. Tudo se converte em um mercado religioso, no qual o fiel encontra tudo o quanto
deseja para satisfazer suas necessidades materiais e espirituais.
Neste sentido, o Cristianismo não passa
de uma religião de satisfação dos desejos. O proselitismo é caracterizado
fundamentalmente pela falta de respeito à boa fé das pessoas. Quanto mais
ingênua for a pessoa mais vítima se torna dos que se utilizam do proselitismo
para aumentar o número de fiéis de sua respectiva Igreja. A preocupação com o
número sempre foi uma constante na vida das Igrejas.
Um terceiro e último entrave que
podemos mencionar é o fundamentalismo bíblico que gera o
mal do conservadorismo nas Igrejas. Ler a Bíblia ao pé da letra é um
dos piores males que existem. Neste caso, a Bíblia se torna um livro nocivo: instrumento
propício para condenar as pessoas e causar divisões. Quem o pratica se torna
conservador, fechado ao diálogo e ao novo que o Espírito faz surgir.
A leitura fundamentalista da Bíblia costuma
ser marcada pelos interesses pessoais e corporativistas, ou seja, inventam-se
doutrinas e práticas religiosas e busca-se legitimá-las com citações bíblicas
deslocadas do seu contexto original. Efetivam-se absurdas deturpações do texto
bíblico em função dos mencionados interesses. É possível ver nas Igrejas os
mais diversos absurdos “legitimados” nas Escrituras Sagradas: um gravíssimo
entrave à genuína vivência cristã e ao diálogo ecumênico.
O que possibilita o diálogo ecumênico e
a unidade cristã é aquilo que as Igrejas têm em comum: a fé em Jesus de Nazaré,
a Sagrada Escritura e a caridade evangélica para com o próximo. Há outros
elementos comuns, mas nossa reflexão quer frisar estes três, devido sua
singular importância na vida de todo crente. As Igrejas são chamadas a refletir
sobre o valor daquilo que lhes é comum, somente assim o diálogo é possível. Assiste-se
o contrário: acentuam-se os aspectos negativos e ignora-se o essencial. Infelizmente,
é preciso admitir que a situação se agrava cada vez mais e o Cristianismo cai
em um constante descrédito perante o mundo e à sociedade pós-moderna.
A fé em Jesus de Nazaré torna possível
o diálogo. Partilhar as diversas experiências em vista da mútua edificação é
essencial para a unidade cristã e para a paz entre as Igrejas. No diálogo é
preciso reconhecer a validade das experiências do outro, pois a fé é uma só,
mas a mesma se manifesta de diversos modos. Por isso, ignorar a diversidade das
manifestações da fé cristã vivenciadas na pluralidade das Igrejas é ir contra o
verdadeiro espírito de unidade. É preciso reconhecer ainda a presença amorosa
de Jesus em todas as Igrejas: o Filho de Deus é livre e libertador, nenhuma
Igreja o transforma numa propriedade particular. Jesus está muito além das
fronteiras entre Igrejas e religiões: ele é o Irmão universal, que veio salvar
a todos.
A Sagrada Escritura é comum a todas as
Igrejas: a fé na palavra de Deus é tesouro comum que faz surgir e enriquece a fé
cristã. A pregação do Evangelho de Jesus de Nazaré faz parte da missão de todas
as Igrejas, todas devem ter o único interesse de anunciar ao mundo o Evangelho
de Deus: Jesus de Nazaré. Neste sentido, este Evangelho não pode ser motivo de
brigas e divisões entre os cristãos. Quando isto acontece, constata-se
claramente que o Evangelho não está sendo compreendido.
Infelizmente, a Bíblia tem sido vítima
das más intenções de muitas pessoas que a utilizam para fins desonestos e
desumanos: é um mal que precisa ser constantemente denunciado, pois afeta
gravemente a fé cristã e o anúncio da Boa Nova de Jesus. Os cristãos devem ver
na Bíblia a oportunidade de compreenderem-se e aceitarem-se no respeito às
diferenças. Nela encontramos a história da revelação divina no mundo e compreendemos
a ação misericordiosa de Deus ao longo dos séculos até os dias de hoje. Não há
diálogo possível sem que esteja alicerçado na palavra de Deus.
Por fim, é preciso considerar a caridade
evangélica como fonte de unidade e diálogo entre as Igrejas cristãs. A fé
em Jesus e na palavra de Deus é inválida se não for verificada na prática
cotidiana do amor ao próximo. Nada está acima do amor. Este é o fundamento da
vida cristã, é a seiva sem a qual tudo perece. Todos os cristãos em todas as
Igrejas devem aprender o mandamento novo ensinado por Jesus: amor que se faz
solidariedade com o próximo. A caridade evangélica deve ser a marca indelével,
aquela que identifica o cristão em todo lugar em que esteja. Somente a caridade
evangélica nos faz irmãos uns dos outros e nos permite superar os limites que
impedem a verdadeira fraternidade.
Pensar em ecumenismo não significa falar
em Igreja verdadeira em detrimento de Igreja falsa: não há verdadeira e falsa
Igreja, mas deve haver comunhão fraterna entre todas. Também não se pode pensar
em unificar todas as Igrejas numa só. Quando falava da necessidade de unidade
de seus seguidores, Jesus não estava pensando em unificação de Igreja enquanto
corpo institucional. O que Jesus estava dizendo e continua a nos dizer é que
todos os que desejam segui-lo devem fazê-lo no espírito de fraternidade. Lutar para
que haja fraternidade entre as pessoas e cesse a violência: eis a missão das
Igrejas cristãs. Este deve ser seu projeto comum: tornar possível o Reino de
Deus neste mundo. Isto foi o que Jesus pediu para ser vivido. Fora deste
projeto comum não há ecumenismo possível.
Tiago de França
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