sexta-feira, 9 de outubro de 2020

A missão e o desapego

 


“Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros. No entanto, vosso Pai celeste os alimenta. Será que vós não valeis mais do que eles?”
(Mt 6,26)

            Muitas são as características e as exigências da missão, porque esta não se realiza de qualquer jeito, mas requer preparação, discernimento, coragem e desapego. Nestas breves linhas, trataremos do significado e importância do desapego em vista da missão do cristão. Desapego é caminho para a liberdade. O missionário precisa ser livre para, de fato, ser presença do Deus da liberdade neste mundo. Trata-se de um desafio imenso, porque neste mundo capitalista as pessoas são induzidas ao apego, principalmente no que se refere aos bens materiais.

            Para relacionar-se bem com Deus e, assim, viver uma intensa experiência com Ele, é necessário desapegar-se de tudo aquilo que prende e aliena. Desapegar-se de si mesmo parece ser uma das formas de desapego mais exigente. Há ideias e modo de ser que, muitas vezes, não correspondem à vontade de Deus. Os pensamentos de Deus são diferentes dos nossos (cf. Is 55,8); por isso, é necessário analisar e discernir os pensamentos que povoam a mente, para saber se há sintonia com o que Deus espera e exige. O missionário é alguém que projeta a sua vida considerando o projeto de Deus, pois não é Deus que deve se submeter ao que o missionário planejou para a sua vida.

            Há modos de ser que dificultam a vida do missionário, tornando-o indiferente em relação às pessoas, especialmente os pobres e esquecidos. O ideal de vida do missionário deve ser o de Jesus. Ou seja, é necessário adotar o estilo de Jesus, marcado pela simplicidade, humildade, disponibilidade, despojamento, abertura, solidariedade, compreensão, ternura e amor. Desapegar-se de um estilo de vida egoísta e medíocre é fundamental para viver uma vida autenticamente missionária. O egoísmo é incompatível com a missão, porque uma pessoa egoísta somente pensa em si mesma, e corre o risco de transformar a missão em um instrumento de satisfação de seus próprios interesses.

            A missão do cristão nasce com a experiência de Jesus e é continuada por seus discípulos. Quem se dispõe a seguir Jesus se torna missionário e participa da sua missão. Isso significa que a missão nasce com Jesus, deve ser vivida com Jesus, aponta para Jesus, e tem como razão de ser o próprio Jesus. Falar de Jesus é falar do Reino de Deus, porque a sua missão está em função do Reino. Foi para inaugurar o Reino que foi enviado. Portanto, pelo batismo cada cristão participa da missão de Jesus. Assim, não pode o cristão realizar a missão de acordo com seus pensamentos e anseios, mas deve partir do Evangelho, observando a pedagogia de Jesus.

            O desenvolvimento da missão exige proximidade e deslocamentos, porque a missão é movimento. Jesus não realizou a sua missão somente pregando no Templo e nas sinagogas. A sua forma de ser missionário era dinâmica, marcada pelo contato com as pessoas: vivia caminhando com elas e as visitando. Seus primeiros seguidores não o conheceram no Templo ou na sinagoga, mas nos caminhos que conduziam aos mais simples do povo. Por isso, o missionário deve desapegar-se do comodismo. Certamente, é mais cômodo esperar que as pessoas procurem o missionário, mas Jesus ensinou que este deve procurá-las, indo ao encontro delas. É necessário enfrentar as resistências que aparecem, capazes de impedir o missionário de sair ao encontro das pessoas.

            Muitas vezes, a missão exige que o missionário se distancie de sua própria família, para viver distante, próximo daqueles para os quais foi enviado. Esta saída para conhecer e viver em outros lugares, com outras culturas, exige desapego. É verdade que o missionário não deve esquecer, nem perder o vínculo com a sua família biológica, mas é verdade também que a missão lhe oferece uma família mais ampla, para cuidar e deixar-se cuidar. É necessário cortar o cordão umbilical e partir, confiando no chamado de Deus e na Providência divina, que a todos assiste, misteriosamente.

            Outro tipo de apego a ser superado para o cristão ser verdadeiramente missionário é o apego aos cargos. No seio da Igreja, algumas pessoas exercem a liderança, ocupando alguns cargos: coordenam grupos e comunidades (párocos, administradores, vigários, coordenações diocesanas e paroquiais etc.); outros são chamados a exercer os inúmeros ministérios presentes na vida da Igreja. Todos os cargos e ministérios devem estar em função da missão; do contrário, transformam-se em instrumentos de envaidecimento e autoritarismo.

A teologia dos ministérios é clara ao ensinar que, na vida eclesial, os que ocupam cargos e ministérios são chamados a servir. Infelizmente, os desvios aparecem quando as pessoas se servem dos cargos e ministérios para serem vistas como influentes, bem como para gozar de possíveis privilégios. Quando isso ocorre, perde-se o sentido da missão, e o “mundanismo espiritual” (expressão muito utilizada pelo Papa Francisco) passa a dominar a vida eclesial. Desapegar-se das ambições e/ou pretensões contrárias ao espírito de serviço é fundamental para o fiel cumprimento da missão.

Por fim, e não menos importante, é preciso desapegar-se de lugares e pessoas. A missão faz com que o missionário se relacione com muitas pessoas, e com elas estabeleça vínculos de amizade. Isso é bom, justo e necessário. Sem amizade a missão não se realiza, porque o missionário não é um despachante, mas alguém que se envolve com os dilemas das pessoas, disponibilizando-se a ajudá-las. O apego às pessoas está no fato de não conseguir se libertar delas, criando uma espécie de dependência. Aí já não temos amizade, mas prisão. O missionário não pode perder a liberdade; do contrário, não consegue evangelizar. Permanecer preso às pessoas e grupos é prejudicial à missão, porque prejudica o anúncio do Evangelho. Quem se prende a pessoas e grupos corre o risco de falar somente o que lhes agrada, ocultando a verdade do Evangelho.

A disponibilidade é uma das regras da missão. Quem assume a missão se coloca à disposição da missão, sendo nomeado e enviado para os lugares nos quais a necessidade exige determinado perfil de missionário. Havendo missionário suficiente para atender à demanda da missão, o ideal é atender às exigências de determinados ofícios e lugares, no sentido de escolher o missionário “certo” para determinado lugar, ou ofício. Isso evita que determinado lugar, ou cargo tenha um missionário totalmente incompatível com as respectivas exigências. Quando isso ocorre, o povo de Deus sofre as consequências.

As obras e ofícios pertencem à Igreja, instrumento a serviço da missão de Jesus, e exigem pessoas capazes e disponíveis para servir. Este é o ideal a ser buscado e vivido. Fora deste ideal, a Igreja pode ser transformada em uma empresa, cujos cargos e ministérios são disputados, gerando conflitos e escândalos. Desapegar-se de lugares e não cair na tentação de exigir determinados lugares, cargos e ministérios são virtudes que revelam liberdade e consciência da missão. Trata-se de um processo de discernimento e um caminho que pode ser trilhado com o auxílio da graça de Deus, sem a qual não existe missão.

Tiago de França

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