“Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros. No entanto, vosso Pai celeste os alimenta. Será que vós não valeis mais do que eles?” (Mt 6,26)
Muitas são as características e as
exigências da missão, porque esta não se realiza de qualquer jeito, mas requer
preparação, discernimento, coragem e desapego. Nestas breves linhas, trataremos
do significado e importância do desapego em vista da missão do cristão.
Desapego é caminho para a liberdade. O missionário precisa ser livre para, de
fato, ser presença do Deus da liberdade neste mundo. Trata-se de um desafio
imenso, porque neste mundo capitalista as pessoas são induzidas ao apego,
principalmente no que se refere aos bens materiais.
Para relacionar-se bem com Deus e,
assim, viver uma intensa experiência com Ele, é necessário desapegar-se de tudo
aquilo que prende e aliena. Desapegar-se de si mesmo parece ser uma das formas
de desapego mais exigente. Há ideias e modo de ser que, muitas vezes, não
correspondem à vontade de Deus. Os pensamentos de Deus são diferentes dos
nossos (cf. Is 55,8); por isso, é necessário analisar e discernir os
pensamentos que povoam a mente, para saber se há sintonia com o que Deus espera
e exige. O missionário é alguém que projeta a sua vida considerando o projeto
de Deus, pois não é Deus que deve se submeter ao que o missionário planejou
para a sua vida.
Há modos de ser que dificultam a
vida do missionário, tornando-o indiferente em relação às pessoas,
especialmente os pobres e esquecidos. O ideal de vida do missionário deve ser o
de Jesus. Ou seja, é necessário adotar o estilo de Jesus, marcado pela
simplicidade, humildade, disponibilidade, despojamento, abertura, solidariedade,
compreensão, ternura e amor. Desapegar-se de um estilo de vida egoísta e
medíocre é fundamental para viver uma vida autenticamente missionária. O
egoísmo é incompatível com a missão, porque uma pessoa egoísta somente pensa em
si mesma, e corre o risco de transformar a missão em um instrumento de
satisfação de seus próprios interesses.
A missão do cristão nasce com a
experiência de Jesus e é continuada por seus discípulos. Quem se dispõe a
seguir Jesus se torna missionário e participa da sua missão. Isso significa que
a missão nasce com Jesus, deve ser vivida com Jesus, aponta para Jesus, e tem
como razão de ser o próprio Jesus. Falar de Jesus é falar do Reino de Deus,
porque a sua missão está em função do Reino. Foi para inaugurar o Reino que foi
enviado. Portanto, pelo batismo cada cristão participa da missão de Jesus. Assim,
não pode o cristão realizar a missão de acordo com seus pensamentos e anseios,
mas deve partir do Evangelho, observando a pedagogia de Jesus.
O desenvolvimento da missão exige
proximidade e deslocamentos, porque a missão é movimento. Jesus não realizou a
sua missão somente pregando no Templo e nas sinagogas. A sua forma de ser
missionário era dinâmica, marcada pelo contato com as pessoas: vivia caminhando
com elas e as visitando. Seus primeiros seguidores não o conheceram no Templo
ou na sinagoga, mas nos caminhos que conduziam aos mais simples do povo. Por
isso, o missionário deve desapegar-se do comodismo. Certamente, é mais cômodo
esperar que as pessoas procurem o missionário, mas Jesus ensinou que este deve
procurá-las, indo ao encontro delas. É necessário enfrentar as resistências que
aparecem, capazes de impedir o missionário de sair ao encontro das pessoas.
Muitas vezes, a missão exige que o
missionário se distancie de sua própria família, para viver distante, próximo
daqueles para os quais foi enviado. Esta saída para conhecer e viver em outros
lugares, com outras culturas, exige desapego. É verdade que o missionário não
deve esquecer, nem perder o vínculo com a sua família biológica, mas é verdade
também que a missão lhe oferece uma família mais ampla, para cuidar e deixar-se
cuidar. É necessário cortar o cordão umbilical e partir, confiando no chamado
de Deus e na Providência divina, que a todos assiste, misteriosamente.
Outro tipo de apego a ser superado
para o cristão ser verdadeiramente missionário é o apego aos cargos. No seio da
Igreja, algumas pessoas exercem a liderança, ocupando alguns cargos: coordenam
grupos e comunidades (párocos, administradores, vigários, coordenações
diocesanas e paroquiais etc.); outros são chamados a exercer os inúmeros
ministérios presentes na vida da Igreja. Todos os cargos e ministérios devem
estar em função da missão; do contrário, transformam-se em instrumentos de
envaidecimento e autoritarismo.
A teologia dos ministérios é clara ao ensinar que, na vida
eclesial, os que ocupam cargos e ministérios são chamados a servir. Infelizmente,
os desvios aparecem quando as pessoas se servem dos cargos e ministérios para
serem vistas como influentes, bem como para gozar de possíveis privilégios. Quando
isso ocorre, perde-se o sentido da missão, e o “mundanismo espiritual”
(expressão muito utilizada pelo Papa Francisco) passa a dominar a vida
eclesial. Desapegar-se das ambições e/ou pretensões contrárias ao espírito de
serviço é fundamental para o fiel cumprimento da missão.
Por fim, e não menos importante, é preciso desapegar-se de
lugares e pessoas. A missão faz com que o missionário se relacione com muitas
pessoas, e com elas estabeleça vínculos de amizade. Isso é bom, justo e
necessário. Sem amizade a missão não se realiza, porque o missionário não é um
despachante, mas alguém que se envolve com os dilemas das pessoas,
disponibilizando-se a ajudá-las. O apego às pessoas está no fato de não
conseguir se libertar delas, criando uma espécie de dependência. Aí já não
temos amizade, mas prisão. O missionário não pode perder a liberdade; do
contrário, não consegue evangelizar. Permanecer preso às pessoas e grupos é
prejudicial à missão, porque prejudica o anúncio do Evangelho. Quem se prende a
pessoas e grupos corre o risco de falar somente o que lhes agrada, ocultando a
verdade do Evangelho.
A disponibilidade é uma das regras da missão. Quem assume a
missão se coloca à disposição da missão, sendo nomeado e enviado para os
lugares nos quais a necessidade exige determinado perfil de missionário. Havendo
missionário suficiente para atender à demanda da missão, o ideal é atender às
exigências de determinados ofícios e lugares, no sentido de escolher o
missionário “certo” para determinado lugar, ou ofício. Isso evita que
determinado lugar, ou cargo tenha um missionário totalmente incompatível com as
respectivas exigências. Quando isso ocorre, o povo de Deus sofre as
consequências.
As obras e ofícios pertencem à Igreja, instrumento a
serviço da missão de Jesus, e exigem pessoas capazes e disponíveis para servir.
Este é o ideal a ser buscado e vivido. Fora deste ideal, a Igreja pode ser
transformada em uma empresa, cujos cargos e ministérios são disputados, gerando
conflitos e escândalos. Desapegar-se de lugares e não cair na tentação de
exigir determinados lugares, cargos e ministérios são virtudes que revelam
liberdade e consciência da missão. Trata-se de um processo de discernimento e
um caminho que pode ser trilhado com o auxílio da graça de Deus, sem a qual não
existe missão.
Tiago de França
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