“Tua
fé te salvou. Vai em paz!” (Lc 7, 50).
Em todo tempo e lugar, as pessoas
que erram, de modo geral, são incompreendidas. O ser humano tem a tendência de
olhar a ocasião do pecado, deixando de lado as motivações, as causas que levam
ao erro. De modo geral, o juízo que se faz dos pecadores é superficial,
preconceituoso e hipócrita. Superficial porque não se vai às causas do
problema; preconceituoso porque as desconhece e hipócrita porque, muitas vezes,
trata-se de um cego querendo guiar outro. O texto evangélico deste XI Domingo
Comum (cf. Lc 7, 36 – 8,3) é um convite para repensarmos a maneira como
tratamos uns aos outros, especialmente aqueles que cometem erros que tem maior
repercussão na comunidade cristã.
Segundo o texto, Jesus se encontra
na casa de um fariseu e de repente aparece uma mulher “conhecida na cidade como pecadora”. A mulher não fala
absolutamente nada e parte para os gestos de amor: chora e começa a banhar os
pés de Jesus, enxugando-os com os cabelos, beijando-os e os ungindo com
perfume. Como era de se esperar, o fariseu reagiu, pensando: “Se este homem fosse um profeta, saberia que
tipo de mulher está tocando nele, pois é uma pecadora”. Diante do
julgamento hipócrita do fariseu, Jesus reage falando que o perdão dos pecados
está intimamente ligado ao amor: “Por
esta razão, eu te declaro: os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados, porque
ela mostrou muito amor. Aquele a quem se perdoa pouco mostra pouco amor”.
Após ter ensinado ao fariseu como
Deus é bom e misericordioso, Jesus volta-se para a mulher e a perdoa; em seguida,
pronuncia as seguintes palavras: “Tua fé
te salvou. Vai em paz!” Os fariseus ficaram escandalizados com Jesus, por
ter acolhido a mulher pecadora e por ter lhe perdoado os pecados. Certamente,
Jesus continua escandalizando os fariseus presentes em nossas comunidades
cristãs.
Em nossas comunidades encontramos
clérigos e leigos que se julgam melhores dos que aquelas pessoas conhecidas
como pecadoras. Os fariseus de hoje são semelhantes aos do tempo de Jesus: por
conhecerem a lei e por serem fiéis às práticas religiosas pensam estar
justificados diante de Deus, mas eis o que nos diz o apóstolo Paulo: “Assim fomos justificados pela fé em Jesus
Cristo e não pela prática da lei, porque pela prática da lei ninguém será
justificado” (Gl 2, 16).
A mulher acolhida por Jesus não
praticava a lei, era julgada e condenada pelos que praticavam. Jesus chama a
atenção para a sua demonstração de amor e para a sua fé: eis as duas grandes
virtudes da mulher pecadora. Em nossas comunidades as demonstrações de amor,
que ocorrem na prática do amor efetivo, estão muito fragilizadas. A ênfase na
realização perfeita da liturgia abafa a preocupação pelos pecadores e
necessitados. Quando estes aparecem nos templos religiosos, a maioria olha com
desprezo e em questão de minutos são postos pra fora. Nos templos religiosos,
os pecadores públicos não são bem-vindos. A maioria dos que frequentam nossas
igrejas estão “em dia” com as leis.
Para o leitor não pensar que é
exagero, vamos a um exemplo corriqueiro. As pessoas que se “juntaram” e, portanto,
não “casaram na Igreja” vivem em situação irregular perante a lei. Injusta e
absurdamente, a Igreja ensina que estas pessoas irregulares não podem receber a
comunhão eucarística e há padres que são cruéis ao declarar repetidamente: “A Igreja ensina que não podem comungar
porque estes casais se encontram em estado pecaminoso!”
Qual a diferença entre estes padres e o
fariseu que convidou Jesus para uma refeição em sua casa? Só pode comungar os
que estão “justificados” perante a lei? Quem é o justo diante de Deus? Jesus
veio para os santos ou para os pecadores? Qual o verdadeiro sentindo da
comunhão eucarística? A Eucaristia é um banquete de vida para todos ou somente
para os que cumprem a lei? A Igreja precisa repensar melhor a participação
eucarística; do contrário, continuaremos assistindo a triste cena dos que
desejam sair de seu lugar para irem ao encontro da Mesa da Vida e não podem por
não cumprirem a lei.
Por fim, é preciso considerar que é
a partir da mesa eucarística que a comunhão eclesial acontece. Por isso, todos
devem ser incluídos nela. É inválida diante de Deus toda e qualquer legislação
oposta ao princípio evangélico da misericórdia e da acolhida. Nenhuma lei é
superior ao evangelho de Cristo. Para participar da mesa eucarística, segundo
as Escrituras neotestamentárias, duas atitudes são necessárias: querer receber
o Cristo eucarístico e se predispor a colocar-se em seu caminho; recebendo-o se
caminha seguramente até que chegue o grande dia de sua vinda gloriosa.
Acolhendo a mulher conhecida como
pecadora, Jesus exige de seus seguidores a acolhida recíproca e generosa. Todos
somos pecadores e em Cristo somos reunidos e formamos a grande família de Deus.
Ninguém é superior a ninguém, somos filhos amados do mesmo Pai. Ele nos ama e
nos perdoa, indistintamente, e quer a salvação de todos.
A justiça não vem pela prática da lei,
mas pela fé em Cristo Jesus; fé provada no amor. Tomemos, pois, cuidado com o
juízo que fazemos, pois somente Deus conhece o que se passa na mente e no
coração das pessoas. O amor e a fé não passam, necessariamente, pelas práticas
religiosas, mas são duas virtudes infundidas na pessoa pela ação amorosa, livre
e libertadora do Espírito de Deus, que guia, guarda e sopra onde quer. Acolhidos
por Deus, sejamos, pois, verdadeiramente livres no amor, porque “foi para a liberdade que Cristo nos
libertou” (Gl 5, 1).
Tiago de França
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