“Deus
amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o
que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).
Muito antes de Jesus, a cruz foi considerada sinal de
maldição (cf. Dt 21, 22 – 23). Portanto, pendurado na cruz, Jesus se torna um escândalo.
Seus discípulos certamente ficaram desconcertados, pois não compreendiam
praticamente nada. O mestre passou pelo mundo fazendo o bem e, de repente, é
crucificado. Este era seu destino? Estava tudo esquematizado? Havia um plano
premeditado para a sua morte? A autêntica teologia da cruz de Cristo não nos
permite enxergarmos sua morte pelo viés do mero destino ou predestinação.
No cristianismo, quer de vertente católica, quer
protestante, há uma corrente espiritualista que prega a cruz desvirtuada do
evangelho. Para eles, Jesus morreu simplesmente para expiar os pecados da
humanidade. Há um culto do sangue e das chagas abertas de Jesus. “Oh, sangue e
água, que jorrastes do coração de Jesus como fonte de misericórdia para nós, eu
confio em vós!”: esta é a prece dos espiritualistas. Cultua-se um Cristo
ensanguentado. Reza-se diante do crucifixo. Rios de lágrimas jorram dos olhos
da multidão pecadora. Trata-se de um culto piedosamente forte, que toca o mais
íntimo dos sentimentos.
Há, porém, um problema neste culto: as pessoas não se
perguntam pelos motivos que levaram Jesus a morrer crucificado. Simplesmente,
olham para as profecias antigas e repetem a lição que lhes foi ensinada: Jesus
morreu por causa de nossos pecados, para nos purificar e salvar. Desse modo,
parece que Jesus caminhava serenamente, como um anjo, para a morte, sem motivos
historicamente apreciáveis. Estava tudo escrito a respeito dele e, assim, tudo
deveria se cumprir com perfeição. Neste sentido, os evangelistas souberam
escrever sobre o relato e foram fieis às profecias messiânicas. Os escritos estão
em plena sintonia com estas profecias. Não há nada a ser reprovado em relação a
isto.
A festa da exaltação da santa cruz exige de cada cristão
um novo olhar, um olhar atualizado sobre a morte de Jesus. A interpretação
moderna nos ensina que na cruz estava Jesus de Nazaré, missionário fiel à
palavra do Pai. Esta fidelidade aponta para toda uma vida dedicada ao serviço
do próximo, à libertação das pessoas com as quais conviveu. Este serviço está
inserido em um projeto universal de salvação. Desde sua adolescência, no seio
de sua pobre família, Jesus foi descobrindo a sua missão, tomando consciência
de fazer a vontade de Deus a quem chamava carinhosamente de Pai.
Viveu tão unido ao Pai que no fiel cumprimento da missão se
sentiu escolhido e enviado para fazer com que toda a humanidade pudesse
reencontrar o caminho que conduz à vida em plenitude. Ele mesmo se tornou este
caminho. Tornou-se o único mediador entre Deus e os homens. Portanto, a cruz é
o desdobramento de sua missão, é a consequência lógica e inevitável de sua
fidelidade à missão recebida. Pendurado na cruz, declara: “Tudo está consumado”,
ou seja, estava cumprida, com todo o amor que um ser humano pode demonstrar,
com sinceridade e verdade, a missão recebida. O Reino estava inaugurado.
Diante da cruz de Jesus, o cristão precisa se perguntar: Como
anda minha fidelidade no seguimento de Jesus? Estou trilhando um caminho
estreito e pedregoso, ou me encontro numa estrada larga, prazerosa e cômoda? Como
estou carregando a cruz do meu cotidiano: murmurando como os filhos de Israel a
caminho da terra prometida, ou dando graças ao Pai por estar participando da
mesma sorte de Jesus? O que tenho feito para ajudar o meu próximo a carregar a
sua cruz? São indagações para nossa meditação pessoal, para a escuta sincera e
humilde de nossa consciência.
Por fim, precisamos dizer com todas as letras o que o
evangelho nos inspira a crer: Se quisermos, de fato, viver e participar já
neste mundo da vida eterna, precisamos tomar parte na cruz de Cristo. Isto não
significa cultuar o sofrimento e transformá-lo no pão nosso de cada dia,
apegando-nos a ele. Isso é masoquismo, e não seguimento de Jesus. A cruz está
no caminho de Jesus. Neste caminho é preciso permanecer, perseverando até as
últimas consequências. O Pai nos enviou o Filho unigênito porque nos ama,
infinita e incondicionalmente. Isto significa que somos chamados a fazermos a
mesma coisa: permanecendo no caminho do Filho, na direção do Pai, vivendo o
amor ao próximo, até chegar o dia definitivo, o dia do encontro alegre e feliz
da festa do Reino sem fim.
Tiago de França
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