domingo, 29 de janeiro de 2017

O cristão do século XXI

         Segundo Karl Rahner, teólogo jesuíta alemão, o cristão do século XXI é um místico. Quais as características de um místico? Em que consiste a mística cristã? Baseando-nos na teologia mística e na experiência de místicos como Santa Teresinha do Menino Jesus e Dom Helder Câmara, discorreremos, brevemente, sobre algumas características do que podemos denominar cristão místico.

        Não é verdade que o místico é alguém voltado para as alturas dos céus, que vive enclausurado em um outro mundo diferente do nosso. Os místicos não fogem do mundo nem são fariseus (separados). Portanto, não podemos identificar o místico como alguém alheio à realidade, distante do mundo e de seus problemas. O místico está no mundo, mas não é um homem mundano. Não vive o mundanismo espiritual.

        Também não é verdade que os místicos possuem feições angelicais ou características marcadamente diferentes das demais pessoas. O místico não possui aparência estranha, pois não é um ser de outro mundo. Não procura ter semblante piedoso nem vive trajado de hábito religioso para se destacar das demais pessoas. A discrição e a naturalidade marcam o místico. Aparentemente, é igual às demais pessoas.

        Outra realidade falsa que costuma ser relacionada ao místico é a de que este vive rezando diuturnamente. É verdade que os místicos possuem uma profunda vida de oração, mas não é verdade que não fazem outra coisa senão rezar. Sem dúvida ninguém possui um contato mais íntimo com Deus do que os místicos, mas como vivem mergulhados em Deus, eles não vivem diuturnamente encerrados em rituais orantes (liturgia exterior).

        Há, ainda, outra questão importante a ser considerada sobre a vida mística: os místicos não possuem poderes sobrenaturais. Não são mágicos nem adivinhos. Não procuram experimentar fenômenos extraordinários, mas são prudentes (livres da falsa prudência), humildes, e depositam a sua confiança na graça de Deus. A vida mística já se constitui extraordinária, pois é totalmente voltada para Deus sem fugir do mundo.

        Muito se pode falar a respeito da vida mística, mas finalizemos estas breves considerações, discorrendo sobre três características da vida de um místico: vigilância, contemplação, permanecer acordado, despojamento.

        Vigilância. Jesus de Nazaré pediu para sermos vigilantes. Vigiar é estar atento, saber esperar em Deus. A postura do vigilante é a de quem não dorme nem cochila, mas permanece à espera, num permanente espírito de atenção, para não ser surpreendido. O vigilante não espera no escuro, mas com a sua lamparina acesa (cf. Mt 26, 40 e ss.), para estar acordado quando o seu Amigo chegar. O místico sabe que a carne é fraca, mas o espírito é forte. Portanto, sabe que é preciso vigiar e orar, incessantemente.

        Contemplação. Contemplar as maravilhas de Deus presentes em sua criação é missão do místico. A contemplação concede o dom da visão de Deus. Para ver a Deus é preciso contemplá-lo e glorificá-lo em todas as coisas. Mas o místico não é um contemplativo alienado. Alguém que vive repousando no Espírito, sendo indiferente ao mundo. De modo algum! O místico é um contemplativo na ação. Age contemplando a presença de Deus, transmitindo aos outros o amor generoso do Deus que se faz presente.

        Permanecer acordado. Não estamos falamos que os místicos não dormem. O corpo humano precisa de sono. Por isso, não estamos falando do sono do corpo, mas do sono do espírito. O místico não é um cristão de espírito apagado ou sonâmbulo. O Espírito que o conduz é o Espírito de Jesus, que o manteve acordado na missão. Portanto, o místico é alguém que enxerga muito além do mundo físico, mas consegue discernir e identificar a presença divina em todas as coisas. Quem passa a vida dormindo não é capaz disso. O místico é alguém que foi despertado para a vida, para viver a vida, senti-la como Deus a criou.

        Despojamento. Os seguidores de Jesus são homens e mulheres livres. Livres porque despojados, desapegados de tudo e de todos. Os místicos nada acumulam, nem física nem espiritualmente. Nada possuem nem são possuídos por nada. Uma vez livres, nada consegue prendê-los. São como os pássaros do céu, não se preocupam com comer nem com o que vão vestir, pois sabem que a Divina Providência não lhes falta. Procuram o Reino de Deus, e isto lhes basta. O caminho do místico é o caminho de Jesus, marcado pela procura de Deus. Do ponto de vista material, os místicos são pessoas pobres, assim como Jesus o foi.

        Por fim, é preciso considerar que os místicos não vivem segundo a carne, mas segundo o Espírito. Mas isto não significa que são moralistas, como eram os fariseus e mestres da lei do tempo de Jesus. Os místicos não são legalistas, pois não vivem segundo a lei. Viver segundo a carne é viver segundo a lei dos homens, desprezando a lei de Deus. Viver segundo o Espírito é viver segundo a lei de Deus. O Espírito nos faz capazes do amor. Os místicos procuram amar. O amor é a lei do Espírito, a lei de Deus, a lei que rege a vida mística.

        Há místicos religiosos, que praticam a mística no interior da religião. Mas isto não quer dizer que são místicos porque são religiosos. De modo algum! Não é a religião que faz o místico, mas o apelo ao amor. Há outros que não vivem no interior de nenhuma religião, mas seguem Jesus sem praticar preceitos religiosos. São como Jesus, que era criticado por não cumprir fielmente os preceitos do Judaísmo. Jesus não vivia segundo a carne.

Os místicos estão no mundo, lugar da manifestação de Deus. Eles apontam para Jesus e não para si mesmos. São sinais da presença de Deus. No Cristianismo, eles recordam e, por isso mesmo, incomodam, ao proclamar a verdade fundamental e salvadora: Jesus é o centro da vida cristã, e no centro da sua mensagem está o Reino de Deus. O Cristianismo perde o sentido se esquecer da centralidade da mensagem de Jesus. Sem a mensagem de Jesus, o Cristianismo se transforma num mundanismo espiritual, portanto, desnecessário à humanidade. Os místicos são a memória viva de Deus no mundo, dentro e fora da religião.

Tiago de França

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