sábado, 4 de fevereiro de 2017

Ser sal e luz

“Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo” (Mt 5, 13. 14).

        Sem o sal, o alimento se torna impróprio. Comida sem sal é sem gosto, ninguém gosta. Mas não se pode colocar muito para não ficar salgada. É preciso saber a medida certa. Assim, eis o convite de Jesus: somos chamados a ser sal, na medida certa. Não podemos ser insossos nem salgados, mas pessoas de bom gosto, no sentido de sermos, na vida do outro, uma presença que dá gosto, que o ajuda a encontrar-se consigo mesmo e com Jesus.

        A pessoa insossa é aquela que não se posiciona nem se compromete. O mundo está cheio de gente assim: que nada faz e tudo critica; em tudo enxerga defeito, mas nada propõe. Juntamente com elas estão as que são salgadas: são aquelas demasiadamente desproporcionais. Em outras palavras, pessoas que não tem paz de espírito e tendem a tirar a paz do espírito do outro. Impaciência, inquietação, pressa, ausência de discernimento e outros males fazem parte de suas vidas.

        Alargando o horizonte de compreensão da citação evangélica, Jesus nos pede para irmos para além de nós mesmos. Ele nos chama e envia. Quem nele crê se compromete com o Reino de Deus. Assumir este compromisso e manter-se fiel até as últimas consequências: isto é ser sal e luz do mundo. O Reino de Deus acontece no cotidiano de nossas vidas: na oração pessoal e comunitária, no encontro e reencontro com as pessoas, no abraço fraterno, na partilha do pão, no compartilhar das tristezas e alegrias, angústias e esperanças.

        Ser sal da terra e luz do mundo é abraçar o estilo de vida de Jesus: um estilo de vida livre e libertador. Amar como Jesus amou revela o seu jeito de ser e de viver. É o amor que expressa fielmente a pessoa e a mensagem de Jesus. Não precisamos recorrer à letra da lei, ao espírito da lei nem à sistemática dos dogmas. Estas coisas podem falar de Jesus, mas é o amor o centro de sua vida e do seu projeto. Na qualidade de seguidores de Jesus, quando nos entregamos ao amor, amando o próximo como Jesus amou, estamos sendo, de fato, sal da terra e luz do mundo.

        Como Jesus amou as pessoas? O que podemos aprender com a sua experiência amorosa? Vamos ousar algumas afirmações à luz do seu Evangelho. Jesus amou na e para a liberdade. É assim porque somente o amor liberta. Não são as normas que criamos em nossas religiões que nos aproximam de Deus. O que nos faz, simultaneamente, humanos e divinos é o amor. Amor de atos, não de palavras e/ou discursos. As pessoas se cansaram dos discursos e documentos eclesiásticos, mas esperam que sejamos amorosos. Quando amamos, cumprimos a lei e estamos em plena comunhão com Deus. Assim viveu Jesus. Fora do amor não há comunhão com Deus e com o próximo.

        Nos meios eclesiásticos, na Igreja Católica, bem como nas demais denominações religiosas cristãs, há uma excessiva preocupação pela observância dos preceitos religiosos. Há regra para praticamente tudo. Para um conjunto de clérigos e leigos, o mais importante é a observância da lei, e não a observância do evangelho. Jesus exigiu dos seus discípulos que não se tornassem escravos da lei. O apóstolo Paulo ensina que a letra mata e o espírito é que dá a vida. Todo o Novo Testamento da Escritura Sagrada é expressão da nova e eterna aliança, alicerçada no amor e na misericórdia. Mas isto não tem importância para os escravos da lei. Para estes, a lei está acima do Evangelho.

        Todas as leis religiosas precisam estar em sintonia com o Evangelho de Jesus, pois nenhuma daquelas está acima deste. Por mais bem elaborada que seja, nenhuma lei salva. Toda lei é criação humana, imperfeita e passível de mudança. Somente Jesus tem palavras de vida eterna e, portanto, o seu Evangelho permanece para sempre como a palavra da salvação. Todo cristão precisa saber que somente a palavra de Jesus é palavra de salvação. Nenhuma palavra humana pode afastar a palavra de Jesus. Todas as leis, tradições, costumes e regras precisam estar em sintonia com a palavra libertadora de Jesus.

        Nenhum cristão deve obedecer à lei que segrega e, portanto, cria divisão. Toda lei que cria hierarquia entre os cristãos, obrigando-lhes a uma relação de obediência a homens em detrimento da obediência a Deus, não pode ser considerada. Jesus nos ensinou que todos somos filhos de Deus, membros de uma só família, irmãos e amigos. Ninguém recebeu dele o poder de escravizar, de mandar. Estes verbos não fazem parte do genuíno vocabulário cristão. Nas Igrejas e no mundo, todos somos sal, todos somos luz, em Cristo Jesus e na força do Espírito. Ser sal e luz não é um privilégio conferido a um conjunto seleto de pessoas, mas é um chamado universal.

        O mundo atual está mergulhado nas trevas da ignorância e da violência. Diuturnamente, assistimos ao que existe de pior no gênero humano. A situação atual do mundo é a expressão plena daquilo que há de mais miserável na espécie humana. Distante do amor e entregue à busca e satisfação dos próprios interesses, milhões de pessoas incendeiam o mundo, deixando-o em chamas.

Cresce cada vez mais o número das vítimas de um sistema econômico que sobrevive do suor e do sangue dos fracos e oprimidos. Portanto, é urgente que cada seguidor e seguidora de Jesus tome consciência de sua missão no mundo, amando a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, dando, assim, testemunho da Ressurreição de Jesus para a vida do mundo e de toda a humanidade; do contrário, a nossa religiosidade se transforma numa pedra tropeço e motivo de escândalo e confusão, portanto, um desserviço.


Tiago de França

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