sábado, 20 de julho de 2019

Pe. Cícero Romão Batista e a Igreja dos pobres


         Há 85 anos, em Juazeiro do Norte, morreu o Pe. Cícero Romão Batista, uma das figuras mais importantes da história da Igreja católica no Brasil. Sua memória permanece viva, na mente e no coração de grande parte dos católicos nordestinos. Não podemos deixar que esta memória caia no esquecimento, pois o testemunho do Pe. Cícero tem muito a ensinar à caminhada da Igreja católica e do cristianismo no Brasil. Nesta breve reflexão, queremos destacar três características da personalidade desde grande sacerdote, que pode nos ajudar a sermos fieis a Jesus em nossos dias.

            O Pe. Cícero era um homem marcado pela caridade evangélica. Os pobres que o procuravam em sua casa não saíam da sua presença sem alguma solução para seus problemas. Ele atendia a todos, e por todos era venerado. Até seus opositores o admiravam, pela sua grandeza de alma. Aos pobres dava comida, terra, casa, conselhos e orientações, remédios, ajuda financeira e alívio para toda sorte de sofrimento.

Era um homem sensível ao clamor dos pobres e desvalidos. Em suas necessidades materiais e espirituais, os pobres já sabiam a quem recorrer. Pe. Cícero foi um pastor que cuidou, fielmente, do rebanho que lhe foi confiado. Foi fiel ao ministério da caridade até o fim de seus dias.

            O Pe. Cícero era um sacerdote obediente à Igreja católica. Por causa da manifestação do chamado “milagre de Juazeiro”, que consistiu na transformação da hóstia em sangue, inúmeras vezes, na boca da beata Maria de Araújo. Este milagre lhe causou muito sofrimento. O bispo diocesano da época mandou instaurar duas comissões de especialistas para investigar o ocorrido.

A primeira comissão atestou a veracidade do milagre, afastando a acusação de embuste que pesava sobre o sacerdote e sua beata (leiga consagrada a serviço da Igreja e dos pobres). A segunda comissão reprovou o milagre, mantendo a suspeita de embuste. O caso foi à Roma, e o Pe. Cícero também para lá se dirigiu, para se explicar pessoalmente. Após os devidos esclarecimentos, recebeu a autorização para retomar o exercício do ministério ordenado, pois tinha sido suspenso pelo seu bispo.

O fato é que algum tempo depois, o bispo o suspendeu novamente, porque estava convicto de que não se tratava de um milagre. A fama do Pe. Cícero se espalhou, e o Juazeiro do Norte se transformou em um lugar de romarias. Mesmo suspenso, o povo o procurava para pedir-lhe a benção e ajudas de toda sorte.

O Pe. Cícero não optou por se rebelar contra a Igreja católica, mas foi um servo obediente. Durante todo o processo que culminou na suspensão definitiva e quase excomunhão, ele foi fiel a todas as determinações da Igreja; e morreu dizendo que “um dia a própria Igreja fará a minha defesa”. É o que está acontecendo nos últimos anos: em Roma, trabalha-se para a sua canonização na Igreja.

O Pe. Cícero era um homem orante e virtuoso. Desde criança, o Pe. Cícero cultivava um profundo espírito de oração. Nasceu e cresceu no seio de uma família tradicionalmente católica, que lhe ensinou as virtudes cristãs e o iniciou na oração. No seminário, foi educado pelos padres lazaristas franceses, onde aprendeu a ser disciplinado, e teve acesso às ciências sagradas, necessárias ao exercício do ministério ordenado. Era de personalidade forte, dedicado aos estudos e à oração.

No ministério, ensinou ao povo a devoção à Maria, Mãe de Deus e Senhora das Dores. Até hoje, os romeiros que vão ao Juazeiro do Norte sabem da força que o rosário da Mãe de Deus tem, graças aos ensinamentos do Pe. Cícero, que ensinou não somente a rezar o rosário, como também a usá-lo no pescoço. É muito comum encontrar os romeiros da Mãe de Deus usando o rosário no pescoço. Nossa Senhora das Dores e o Pe. Cícero são os personagens mais venerados no Juazeiro do Norte e por milhões de devotos em todo o nordeste.

A oração sustentava a atividade missionária do Pe. Cícero, bem como o fortalecia em seus sofrimentos. Era um homem profundamente marcado pelo sofrimento: incompreensões, calúnias, difamações e acusações de toda ordem. A devoção ao Sagrado Coração de Jesus e à Mãe das Dores o manteve firme, servindo ao povo de Deus até o último suspiro, em 20 de julho de 1934.

Humildade, simplicidade, caridade evangélica, coragem, gratidão e disponibilidade eram algumas de suas virtudes. Homem de fé inabalável, sempre enxergava os acontecimentos a partir dos desígnios de Deus. O nome de Deus estava sempre na sua boca, ao se dirigir a todos, em qualquer ocasião.

No início do seu ministério pontifício, o Papa Francisco disse que desejava uma Igreja pobre para os pobres. O testemunho do Pe. Cícero tem muito a ensinar neste sentido. Trata-se de um testemunho que ensina a servir aos pobres, por meio da escuta e do socorro aos desvalidos. Assim como na época do Pe. Cícero, também hoje a fome se multiplica em todo o mundo. Continuamos diante da exploração dos mais pobres. Nossos governantes, principalmente o governo federal brasileiro, que desde o dia 1º de janeiro não para de ceifar o que com muito sacrifício se conseguiu em matéria de direitos humanos e garantias fundamentais.

As reformas trabalhista, previdenciária e tributária não visam ajudar os pobres; não os levam em consideração. Não são reformas, mas cortes de direitos. Crescem cada vez mais a miséria e a fome. Falta emprego e perspectiva de futuro. Cortes nos gastos com educação sinalizam um país sem futuro, pois nenhuma nação progride sem educação, pesquisa e inovação tecnológica; sem distribuição da riqueza e da renda.

A Igreja dos pobres é a Igreja que se preocupa com esta situação, denunciando-a. O Evangelho de Jesus é a Boa Notícia do Reino de Deus, anúncio da verdade, da justiça, da liberdade e da vida para todos. Onde há mentira, deve-se anunciar a verdade; onde há injustiça, deve-se clamar por justiça; onde a escravidão se apresenta, deve-se clamar pela liberdade; e onde a vida está sendo ceifada, deve-se elevar um grito pela vida digna de todas as pessoas. Sem o clamor por justiça, liberdade e vida, o cristianismo facilmente se transforma em um instrumento de alienação e dominação das pessoas e da sociedade.

O Pe. Cícero, com seus gestos e palavras, nos ensina que Deus quer a vida do seu povo; que todos os inimigos do povo de Deus são inimigos de Deus; que a missão de cada cristão batizado é anunciar o Reino de justiça e liberdade para todos. Sem este anúncio não há fé cristã, não há verdadeira Igreja de Jesus Cristo, não há salvação para a humanidade. Que o testemunho do Pe. Cícero desperte a fidelidade em todos aqueles que se colocaram no caminho de Jesus, hoje e sempre.

Tiago de França

2 comentários:

Unknown disse...

Para mim é um santo sem duvida nenhuma.

Charles Rodrigues disse...

Muito bom o texto. E muito reflexivo.