Há 85 anos, em Juazeiro do
Norte, morreu o Pe. Cícero Romão Batista, uma das figuras mais importantes da
história da Igreja católica no Brasil. Sua memória permanece viva, na mente e
no coração de grande parte dos católicos nordestinos. Não podemos deixar que
esta memória caia no esquecimento, pois o testemunho do Pe. Cícero tem muito a
ensinar à caminhada da Igreja católica e do cristianismo no Brasil. Nesta breve
reflexão, queremos destacar três características da personalidade desde grande
sacerdote, que pode nos ajudar a sermos fieis a Jesus em nossos dias.
O Pe. Cícero era
um homem marcado pela caridade evangélica. Os pobres que o procuravam em
sua casa não saíam da sua presença sem alguma solução para seus problemas. Ele atendia
a todos, e por todos era venerado. Até seus opositores o admiravam, pela sua
grandeza de alma. Aos pobres dava comida, terra, casa, conselhos e orientações,
remédios, ajuda financeira e alívio para toda sorte de sofrimento.
Era um
homem sensível ao clamor dos pobres e desvalidos. Em suas necessidades
materiais e espirituais, os pobres já sabiam a quem recorrer. Pe. Cícero foi um
pastor que cuidou, fielmente, do rebanho que lhe foi confiado. Foi fiel ao
ministério da caridade até o fim de seus dias.
O Pe. Cícero era
um sacerdote obediente à Igreja católica. Por causa da manifestação do
chamado “milagre de Juazeiro”, que consistiu na transformação da hóstia em
sangue, inúmeras vezes, na boca da beata Maria de Araújo. Este milagre lhe
causou muito sofrimento. O bispo diocesano da época mandou instaurar duas
comissões de especialistas para investigar o ocorrido.
A primeira
comissão atestou a veracidade do milagre, afastando a acusação de embuste que
pesava sobre o sacerdote e sua beata (leiga consagrada a serviço da Igreja e
dos pobres). A segunda comissão reprovou o milagre, mantendo a suspeita de
embuste. O caso foi à Roma, e o Pe. Cícero também para lá se dirigiu, para se
explicar pessoalmente. Após os devidos esclarecimentos, recebeu a autorização
para retomar o exercício do ministério ordenado, pois tinha sido suspenso pelo
seu bispo.
O fato
é que algum tempo depois, o bispo o suspendeu novamente, porque estava convicto
de que não se tratava de um milagre. A fama do Pe. Cícero se espalhou, e o
Juazeiro do Norte se transformou em um lugar de romarias. Mesmo suspenso, o
povo o procurava para pedir-lhe a benção e ajudas de toda sorte.
O Pe.
Cícero não optou por se rebelar contra a Igreja católica, mas foi um servo
obediente. Durante todo o processo que culminou na suspensão definitiva e quase
excomunhão, ele foi fiel a todas as determinações da Igreja; e morreu dizendo
que “um dia a própria Igreja fará a minha defesa”. É o que está acontecendo nos
últimos anos: em Roma, trabalha-se para a sua canonização na Igreja.
O Pe. Cícero era um homem orante e
virtuoso. Desde criança, o Pe. Cícero cultivava um profundo espírito
de oração. Nasceu e cresceu no seio de uma família tradicionalmente católica,
que lhe ensinou as virtudes cristãs e o iniciou na oração. No seminário, foi
educado pelos padres lazaristas franceses, onde aprendeu a ser disciplinado, e
teve acesso às ciências sagradas, necessárias ao exercício do ministério
ordenado. Era de personalidade forte, dedicado aos estudos e à oração.
No ministério,
ensinou ao povo a devoção à Maria, Mãe de Deus e Senhora das Dores. Até hoje,
os romeiros que vão ao Juazeiro do Norte sabem da força que o rosário da Mãe de
Deus tem, graças aos ensinamentos do Pe. Cícero, que ensinou não somente a
rezar o rosário, como também a usá-lo no pescoço. É muito comum encontrar os
romeiros da Mãe de Deus usando o rosário no pescoço. Nossa Senhora das Dores e
o Pe. Cícero são os personagens mais venerados no Juazeiro do Norte e por
milhões de devotos em todo o nordeste.
A oração
sustentava a atividade missionária do Pe. Cícero, bem como o fortalecia em seus
sofrimentos. Era um homem profundamente marcado pelo sofrimento:
incompreensões, calúnias, difamações e acusações de toda ordem. A devoção ao
Sagrado Coração de Jesus e à Mãe das Dores o manteve firme, servindo ao povo de
Deus até o último suspiro, em 20 de julho de 1934.
Humildade,
simplicidade, caridade evangélica, coragem, gratidão e disponibilidade eram
algumas de suas virtudes. Homem de fé inabalável, sempre enxergava os
acontecimentos a partir dos desígnios de Deus. O nome de Deus estava sempre na
sua boca, ao se dirigir a todos, em qualquer ocasião.
No início
do seu ministério pontifício, o Papa Francisco disse que desejava uma Igreja pobre para os pobres. O testemunho
do Pe. Cícero tem muito a ensinar neste sentido. Trata-se de um testemunho que
ensina a servir aos pobres, por meio da escuta e do socorro aos desvalidos. Assim
como na época do Pe. Cícero, também hoje a fome se multiplica em todo o mundo.
Continuamos diante da exploração dos mais pobres. Nossos governantes,
principalmente o governo federal brasileiro, que desde o dia 1º de janeiro não
para de ceifar o que com muito sacrifício se conseguiu em matéria de direitos
humanos e garantias fundamentais.
As reformas
trabalhista, previdenciária e tributária não visam ajudar os pobres; não os
levam em consideração. Não são reformas, mas cortes de direitos. Crescem cada
vez mais a miséria e a fome. Falta emprego e perspectiva de futuro. Cortes nos
gastos com educação sinalizam um país sem futuro, pois nenhuma nação progride
sem educação, pesquisa e inovação tecnológica; sem distribuição da riqueza e da
renda.
A Igreja
dos pobres é a Igreja que se preocupa com esta situação, denunciando-a. O
Evangelho de Jesus é a Boa Notícia do Reino de Deus, anúncio da verdade, da
justiça, da liberdade e da vida para todos. Onde há mentira, deve-se anunciar a
verdade; onde há injustiça, deve-se clamar por justiça; onde a escravidão se apresenta,
deve-se clamar pela liberdade; e onde a vida está sendo ceifada, deve-se elevar
um grito pela vida digna de todas as pessoas. Sem o clamor por justiça,
liberdade e vida, o cristianismo facilmente se transforma em um instrumento de
alienação e dominação das pessoas e da sociedade.
O Pe.
Cícero, com seus gestos e palavras, nos ensina que Deus quer a vida do seu
povo; que todos os inimigos do povo de Deus são inimigos de Deus; que a missão de
cada cristão batizado é anunciar o Reino de justiça e liberdade para todos. Sem
este anúncio não há fé cristã, não há verdadeira Igreja de Jesus Cristo, não há
salvação para a humanidade. Que o testemunho do Pe. Cícero desperte a
fidelidade em todos aqueles que se colocaram no caminho de Jesus, hoje e
sempre.
Tiago de França
2 comentários:
Para mim é um santo sem duvida nenhuma.
Muito bom o texto. E muito reflexivo.
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