quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

A fé em Jesus e a vacina contra a Covid-19

 

(Foto: Istock foto)

       No seio de inúmeras Igrejas cristãs, muitas pessoas têm dito que não se vacinarão contra a Covid-19. Muitas são as fake news que circulam nas redes sociais, levando muita gente desinformada a crer que a vacina é um mal, não um bem à saúde humana. A desinformação causa tanto mal quanto o novo coronavírus.

            Pessoas desinformadas acreditam nas várias mentiras que se falam sobre a vacina, oriunda de vários laboratórios renomados. Dentre as mentiras se destacam as seguintes: afirmam que ela contém o vírus HIV; que causa paralisia em todo o corpo; que transforma a pessoa em um jacaré; que transforma a pessoa em homossexual; que causa impotência sexual; que faz cair o cabelo; que causa cegueira; que provoca alergia e problemas cardíacos; que é usada pelo governo para matar, em primeiro lugar, os aposentados; que a vacina chinesa é a mais perigosa, porque a China é comunista (a vacina chinesa contém o vírus do comunismo!) etc. Muitos outros absurdos sobre a vacina circulam nas redes sociais.

            É conhecida a posição do presidente da República, que nega a eficácia da vacina, principalmente a chinesa, e que já afirmou que não irá se vacinar. É algo inédito na história da República brasileira, porque nunca tivemos um presidente que tenha sido contrário a nenhum tipo de vacina. Essa posição do presidente também influencia muitos desinformados. É claro que qualquer pessoa, incluindo o presidente, pode se negar a se vacinar. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a vacinação contra a Covid-19 deve ser obrigatória, mas nenhum cidadão será forçado a se vacinar.

            Em tempos sombrios, marcados pelo obscurantismo, é preciso afirmar o óbvio: a finalidade da uma vacina não é provocar doenças, mas preveni-las. Desde a infância, todo brasileiro recebe inúmeras vacinas. Nunca houve um movimento tão forte, contrário à vacinação. Se o presidente da República fosse favorável à vacinação, e tivesse se empenhado para que a mesma se efetivasse da forma mais ágil e organizada possível, como ocorre em vários países do mundo, principalmente na Europa, certamente, no Brasil, a confusão em torno da vacina não existiria.

            O problema é que o presidente e o governador de São Paulo transformaram a vacinação numa questão política, visando as eleições de 2022. Como o governador aderiu à vacina chinesa, o presidente passou a se opor, principalmente, à “vacina comunista”. Essa situação é vergonhosa e lamentável, porque leva a crer que tanto o presidente quanto o governador não estão preocupados, em primeiro lugar, com a saúde das pessoas, mas se utilizam da vacina para se promover no cenário político nacional. Uma das evidências disso é o pedido que o governador fez ao país comunista, para que a vacina, no Brasil, seja denominada “vacina do Brasil”.

            Ninguém precisa ser oposição política ao presidente para constatar essa realidade. Não é novidade para ninguém que o presidente adota o negacionismo em questões científicas. Para o presidente e seus seguidores/admiradores, a palavra da ciência não tem muito valor. A existência da pandemia, a periculosidade do novo coronavírus, a produção e eficácia da vacina são evidências científicas. Contra tais evidências, o senso comum não tem nenhuma força, porque são realidades devidamente estudadas e comprovadas. O bom senso exige o reconhecimento daquilo que a ciência consegue comprovar, pois graças a esta a Covid-19 poderá ser controlada e erradicada.

            O que a fé em Jesus tem a dizer sobre a ciência e a confusão gerada pelo negacionismo? A Igreja Católica não se opõe à ciência; pelo contrário, inúmeros sacerdotes e leigos se dedicaram às pesquisas científicas. A história da Igreja comprova isso. Há um diálogo possível e fecundo entre fé e ciência, porque são realidades que não se excluem. Recentemente, a Congregação para a Doutrina da Fé manifestou-se por escrito, reconhecendo a possibilidade de se receber vacinas contra a Covid-19 que utilizem as linhagens celulares de fetos abortados na sua pesquisa e processo de produção.

            Considerando que a Igreja prega o Evangelho de Jesus Cristo, cujo núcleo fundamental é a promoção e defesa da vida e da dignidade da pessoa humana, o Papa Francisco recordou a necessidade de as vacinas serem acessíveis para todos, especialmente aos mais pobres e vulneráveis. Na audiência do dia 19 de agosto deste ano, disse o Papa: “Seria triste se a prioridade da vacina contra a Covid-19 fosse dada aos mais ricos. Seria triste se isso se transformasse na prioridade de uma nação e não fosse destinado a todos”. No início de 2021, toda a população do Estado do Vaticano será vacinada, incluindo, obviamente, o próprio Papa Francisco.

            A fé em Jesus não impede que uma pessoa seja vacinada. Afirmar o contrário seria um absurdo. Portanto, um cristão afirmar que não pode ser vacinado por causa da sua fé em Jesus, é algo sem sentido. Também é reprovável a atitude de todo e qualquer líder religioso que induz as pessoas a não se vacinarem. Tal atitude é passível de verificação criminal, porque coloca a vida das pessoas em risco. É gravemente ilícita a atitude de quem, disseminando mentiras, induz as pessoas a não se vacinarem. Quando um líder religioso se atreve a isso, também incorre em pecado grave. O cristão deve aderir à verdade, não à mentira, principalmente quando esta coloca em risco a vida das pessoas.

            Outra atitude reprovável ao cristão é não se vacinar pensando que, uma vez se contaminando, Jesus certamente realizará a cura da Covid-19. Jesus tem poder para curar uma pessoa? Claro que sim! Mas isso é justificativa para recusar a vacina? Claro que não! Os pais podem, em nome da fé em Jesus, deixar de vacinar seus filhos? De modo algum! Confiando na fé que tem em Jesus, pode o cristão se expor ao mal? Quando o diabo pediu para Jesus se lançar no precipício, argumentando que Deus enviaria seus anjos para protegê-lo, eis o que o Mestre respondeu: “Também está escrito: Não porás a prova o Senhor teu Deus” (Mt 4,7).

            Milhares de cristãos já morreram por Covid-19 em todo o mundo. Muitos eram ministros ordenados, homens ungidos por Deus para o apostolado na Igreja e no mundo. Por que a fé dessas pessoas não as livrou da morte? Os teimosos podem argumentar que a fé dessas pessoas não era suficientemente grande! Esse tipo de julgamento não convém fazer. Somente Deus pode julgar a fé das pessoas, porque somente Ele conhece o coração humano. Muitos desses teimosos hoje estão sepultados, porque não se preveniram: pensavam que a Covid-19 seria incapaz de tirar-lhes a vida.

            A fé cristã rima com bom senso, prevenção e cuidado. A vida humana é frágil e exige cuidado permanente. Toda pessoa precisa cuidar da saúde física e mental. A fé em Jesus não dispensa, nem substitui esse cuidado. Cuidar-se é ser responsável por si mesmo e pelos outros. Essa responsabilidade não pode ser transferida para Deus. O Senhor dotou o homem de inteligência, sensibilidade e disposição para a promoção e defesa da vida humana.

A vacina contra Covid-19 é fruto da inteligência humana, capaz de encontrar solução para os problemas que afligem toda a humanidade. Neste momento da história, crer e vacinar-se são imprescindíveis para a preservação da vida. A vida está em primeiro lugar. Toda crença que fere e ameaça a vida é incompatível com a mensagem do Evangelho de Jesus. Deus acredita no homem, e este deve aprender a confiar na capacidade que tem para colaborar com a ação salvífica de Deus.

Tiago de França

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