quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

A Palavra se fez carne

 


                                         “A Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14)

            Anualmente, celebra-se a solenidade do Natal do Senhor. Para aqueles que não vivem em comunhão com o mistério de Cristo, 25 de dezembro é feriado, dia de muita comida e bebida, e de trocar presentes. O mercado ofuscou o verdadeiro brilho do Natal. Apesar da pandemia do novo coronavírus, milhões de pessoas continuam enxergando o Natal como uma excelente oportunidade para comprar e vender. E assim acontece, anualmente.

            Entre os católicos, há os que raramente participam da liturgia da Igreja. Mas costumam aparecer para participarem da Missa de Natal. Muitos retornam na Missa de vésperas de Ano Novo, ou na do dia 1º de janeiro. Trata-se de um jeito esporádico de ser católico. Há uma consciência maior sobre o sentido do Natal entre os que celebram o mistério pascal de Cristo durante todo o ano litúrgico. Estes sabem que não se celebra o aniversário de Jesus, mas o mistério da Encarnação da Palavra, Jesus, o Messias.

            Jesus é a Palavra de Deus, que estava com Deus desde toda a eternidade; é a vida dos homens, luz que brilha nas trevas (cf. Jo 1,4-5). Em Cristo Jesus, temos a encarnação do próprio Deus, que veio armar sua tenda no meio do mundo. Não veio a passeio, mas para permanecer. Ele é o Emanuel, Deus conosco (cf. Mt 1,23). A vinda de Jesus é a prova incontestável do amor de Deus, que jamais abandona o seu povo. O Messias foi enviado para oferecer a salvação a toda a humanidade. Ele é a expressão viva do desejo de Deus: libertar o ser humano do pecado e do poder da morte, fazendo surgir uma humanidade nova. O Messias inaugura a nova e eterna Aliança.

            Jesus, Palavra de Deus, armou a sua tenda no meio dos pobres (cf. Lc 2,6-7). Nasceu pobre não por acaso, mas porque desde os tempos de Abraão, Deus escolheu um povo frágil e pobre. Do Gênesis ao Apocalipse, as Escrituras falam da predileção divina pelos pobres. Deus ama toda a humanidade, mas seu amor se dirige especialmente aos pobres e sofredores. Estes são mais vulneráveis e, por isso mesmo, carecem de mais atenção e cuidado. A pobreza do Messias é a riqueza de todo o povo de Deus. Contemplando o Messias na manjedoura, os pobres e sofredores compreendem o sentido do Natal. No presépio natalino, o Senhor nos diz: “Eis o Messias, vosso Salvador. Ele veio para vós”.

            Jesus nasce hoje entre os pobres e sofredores de todos os povos e nações. No Brasil, Ele permanece e sofre na vida dos mais de 14 milhões de desempregados; dos familiares das vítimas da Covid-19; dos que se encontram internados nos hospitais e os que estão desenganados pelos médicos; dos familiares das vítimas da violência, principalmente as vítimas de policiais criminosos; das crianças e idosos explorados; dos que estão doentes, psicologicamente, sofrendo com depressão, ansiedade, síndromes e traumas; dos injustiçados, vítimas da arbitrariedades dos poderosos (empresários, juízes, políticos, patrões desonestos etc.); dos que são explorados por líderes religiosos mercenários etc. Todos esses e tantos outros sofredores pertencem à tenda do Senhor. Todos estão sob o olhar misericordioso e amoroso de Deus. Ai daqueles que ferem a dignidade desses filhos e filhas de Deus!

            A Igreja tem consciência de que não pode celebrar o Natal de Jesus ignorando os pobres e sofredores. A liturgia solene do Natal nos fala de encarnação, ou seja, da participação na carne de Cristo, e de Cristo na carne humana. Os pobres e sofredores são a carne de Jesus Cristo. Sem comunhão com a carne de Cristo não há Natal, mas aparência de Natal. Essa comunhão vai além das cestas de Natal dadas aos pobres, que também são importantes, pois muitos passam fome. Esta exige alimento, imediatamente. Mas também exige geração de emprego e renda. A comunhão com a carne sofrida de Jesus não é experiência desligada do necessário encontro com os pobres. Não se adora a carne sofrida de Jesus somente na adoração eucarística, mas, sobretudo, nas feridas abertas dos que sofrem.

            O Espírito do Senhor, que fecundou o ventre da Virgem Maria, torna o cristão capaz de viver em comunhão com a carne sofrida de Jesus, o Messias. Esse mesmo Espírito liberta da indiferença, do obscurantismo e da desunião. A celebração da encarnação da Palavra deve levar o cristão a despertar para a construção de um mundo novo, no qual a justiça do Reino de Deus ocupe lugar central. Sem essa justiça, a paz não é possível. Que o Natal de Jesus desperte o coração de todo cristão para o compromisso com essa justiça, que exige o feliz encontro com os sofredores deste mundo!

Feliz Natal!

Tiago de França

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