A conversão é uma exigência
fundamental do seguimento de Jesus. Partindo dessa premissa, a presente
reflexão visa oferecer algumas provocações sobre o tema da conversão na vida
cristã e eclesial. Essa indagação do Salmo 8, transcrita acima, revela a porta
de entrada do processo de conversão: o reconhecimento da fragilidade e da
pequenez do ser humano.
Sem reconhecer-se pecador, não é possível iniciar o
itinerário da conversão. Mas é preciso considerar um dado importante, que
antecede a esse reconhecimento: o Senhor chama e, imediatamente, concede a
graça do reconhecimento da fragilidade e da pequenez humanas. Na oração e na
escuta dos sinais que vão se manifestando no cotidiano da vida é possível
identificar a acolher essa graça.
Isso significa que a iniciativa da
conversão é de Deus. Sozinha e entregue às próprias forças, nenhuma pessoa
consegue trilhar o caminho da conversão. Deus chama e concede a graça de
iniciar e perseverar no caminho. Em outras palavras, a conversão de uma pessoa
não é resultado de mérito pessoal, mas da abertura permanente à ação da graça
de Deus. Esta graça não atua de forma mágica, nem está submetida aos caprichos
humanos. A graça é dom do Espírito de Deus, que age no tempo marcado por Deus.
É Deus quem conhece o momento de todas as coisas, quem direciona a pessoa para
a verdadeira felicidade. Pe. Cícero de Juazeiro costumava dizer que “Deus conduz o homem por caminhos que
somente Ele conhece”.
Em muitos casos, o Espírito infunde
na pessoa, de forma extraordinária, a graça. Essa efusão provoca um despertar
para Deus. De repente, a pessoa passa a enxergar a vida de outra maneira. Não
se trata de momento mágico, que possa ser experimentado mediante uma invocação
voluntária da pessoa, como se esta tivesse o poder de controlar a ação do
Espírito. Deus não pratica magia. O seu agir é discreto, silencioso e amoroso.
A ação da sua graça faz a pessoa enxergar a si mesma, suas potencialidades e
limites, luzes e sombras. Esse despertar é pura ação da graça de Deus, jamais
obra humana.
Mas Deus não age de forma forçada.
Sem a cooperação da vontade humana ninguém muda de vida. O querer humano é
importante, e Deus espera a manifestação do desejo de mudança. Santo Agostinho
dirá, sabiamente: “Aquele que te criou
sem ti, não te salvará sem ti”. Esse santo do séc. V é um exemplo de homem
que soube acolher a graça divina para trilhar o árduo e feliz itinerário da
conversão.
Santo Agostinho não nasceu santo. Aliás, ninguém nasce
santo, mas todos recebem o chamado à santidade. Os que respondem,
generosamente, a esse chamado, inevitavelmente, trilham o caminho da conversão.
Os santos e santas de Deus são pessoas convertidas, que aceitam o desafio da
santidade e se deixam lapidar pela ação da graça divina. Essa graça, que é dom
do Espírito, é concedida na liberdade e para a liberdade. Deus não age de forma
impositiva. A pedagogia divina, revelada nas Escrituras Sagradas, mostra que
Ele seduz a pessoa, com a força da sua graça, e a conduz à vida plena.
No caminho da conversão, o cristão cai e se levanta. Não há
cristão convertido que não volte a pecar, aqui e acolá. Isso ocorre porque
ninguém é perfeito. O Espírito não anula, nem substitui a natureza humana,
corrompida pelo pecado. O apóstolo Paulo explicita bem a condição humana ao
afirmar o seguinte: “Sei que em mim –
quero dizer em minha carne – o bem não habita: querer o bem está ao meu
alcance, não, porém, praticá-lo, visto que não faço o bem, que quero, e faço o
mal, que não quero” (Rm 7,18-19). Não adianta aparentar perfeição, nem se
manifestar superior aos outros, porque tais atitudes são, por si mesmas,
pecaminosas.
No caminho de Jesus não se caminha sozinho. O itinerário da
conversão é, essencialmente, comunitário. Jesus realizou a sua missão contando
com a fraterna colaboração de seus discípulos. Sozinho e isolado ninguém muda
de vida. A conversão acontece mediante o exercício da caridade: ajudando-se uns
aos outros, o itinerário se torna menos pesado e mais suave. Saindo de si mesmo
para viver em fraternidade, as potencialidades são ativadas e desenvolvidas; a
transformação acontece, sem atropelos. É para viver em comunidade que o cristão
se converte. Portanto, quem trilha o caminho da conversão se afastando dos
outros, encontra-se numa profunda contradição.
Arrogância, espírito de superioridade, mania de grandeza, competitividade,
mundanismo espiritual, e outras manias e males que caracterizam uma falsa
espiritualidade cristã, não fazem parte do itinerário da conversão. Os que se
encontram nesse itinerário se tornam mansos, alegres, generosos, disponíveis,
íntegros, amigos, humildes, desapegados, abertos aos outros, capazes de amar. Trata-se
de um processo gradativo, que exige paciência, perseverança, fé e entrega. Para
avançar no itinerário da conversão, a pessoa precisa ser como o barro nas mãos
do oleiro (cf. Jr 18,1-6). Nas mãos de Deus, o oleiro fiel, a pessoa está
segura e poderá, deixando-se moldar, transformar-se naquilo que Deus quer: uma
nova criatura, conformada a Cristo Jesus.
Atualmente, assiste-se a uma crescente desumanização da
pessoa humana. Vive-se uma grave crise civilizacional. O individualismo, o
relativismo e o materialismo destroem a dignidade da pessoa humana. O capitalismo
selvagem não considera, nem respeita essa dignidade, mas coisifica as pessoas,
instrumentalizando-as. Os bens materiais passam a ter mais importância que as
pessoas.
A pandemia do novo coronavírus, apesar de ter ceifado a
vida de milhares de pessoas, parece não ter sido suficiente para tornar inúmeras
pessoas mais sensíveis e humanas. Muitas vezes, o sofrimento é incapaz de
despertar a compaixão e a solidariedade. O itinerário da conversão gera nas
pessoas sentimentos de compaixão e ternura, impulsionando-as à ação amorosa e
transformadora. Para ser transformada, a sociedade precisa de pessoas mais
justas e fraternas, mais cordiais e verdadeiramente humanas. O mundo carece,
urgentemente, dessas pessoas.
Tiago de França
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