De 06 a 27 de outubro
realizar-se-á em Roma a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região
Pan-Amazônica, convocado pelo Papa Francisco no dia 15 de outubro de 2017. Essa
assembleia sinodal tem sido muito comentada, elogiada e criticada em
praticamente todo o mundo. Não é nada extraordinário que apareçam críticas e
elogios. Mas o extraordinário é quando tais críticas, com teor destrutivo e/ou depreciativo
e, em alguns casos, calunioso e difamatório, surjam dentro da própria Igreja
Católica, com o objetivo único de depreciar e questionar a legitimidade do Papa,
causando divisão e confusão na cabeça das pessoas. Na história recente da
Igreja, nunca um Sínodo e um Papa foram tão questionados.
A
oposição ao Sínodo fora da Igreja
O governo de Jair
Bolsonaro constitui a maior expressão oposicionista ao Sínodo dos Bispos. Tanto
o presidente quanto pessoas do seu governo, civis e militares, levantaram
algumas suspeitas descabidas sobre o evento. Constatada a oposição, podemos
frisar três pontos.
Primeiro, o governo (presidente e sua equipe) não parece
ter clareza do que vem a ser um Sínodo de Bispos na Igreja Católica. As falas
revelam total ignorância. Explícita e vergonhosamente, não sabem nem procuram
saber o que é um Sínodo de Bispos. Propositadamente, confundem o evento com uma
espécie de reunião de uma organização não-governamental (ONG). A Igreja
Católica não é uma ONG. Espalham também a ideia de que o Sínodo é uma espécie de
reunião com finalidade meramente civil, no sentido de criar projetos para
resolver os problemas da região amazônica, projetos que poderiam questionar ou
colocar em risco a soberania nacional. Os bispos não se reunião com esta
finalidade. Um Sínodo não existe para isso.
O Sínodo é um evento eclesial, convocado pelo Papa, que
conta com a participação de Bispos e especialistas/peritos no assunto a ser
tratado. Evento eclesial significa evento religioso, promovido por uma
instituição religiosa, com finalidade religiosa. Parece simples, mas o governo
não entende isso. O Papa não convocou os Bispos para traçar um plano, visando a
derrubada de governos; nem para pensar em como se infiltrar em questões estritamente
governamentais. Neste sentido, a Igreja não vive mais atrelada ao Estado. Não é
mais a reguladora da ordem social. Hoje, a Igreja Católica está com
dificuldades de regular a si mesma. Portanto, não há interesse em traçar
projetos reguladores para que os governos observem.
Segundo, o governo entende instituição religiosa como
totalmente desvinculada dos problemas do mundo. O presidente e seus
correligionários parecem desconhecer a ação evangelizadora da Igreja. A Igreja
Católica não existe para si mesma, mas é instrumento da salvação no mundo. Isto
significa que os problemas sociais são matéria de preocupação, estudos e ação
pastoral. O agir eclesial acontece no mundo, não fora dele. É no mundo que
estão os cristãos, seguidores de Jesus Cristo.
Tudo o
que interfere na vida cristã constitui matéria de interesse da Igreja Católica.
Para o campo social, a Igreja Católica elaborou o que se denomina Doutrina
Social da Igreja, que consiste no conjunto de orientações doutrinais e
critérios de ação, pautados na Bíblia, na doutrina dos Santos Padres, dos
teólogos e do magistério dos bispos e dos últimos Papas. A instituição
eclesiástica não é alheia ao que ocorre no mundo. A questão ambiental na
Amazônia é de grande interesse para a Igreja Católica, pois a fé cristã
contempla a Deus como Criador de todas as coisas, e este Deus exige o cuidado
da Terra, Casa comum. A Igreja Católica é chamada a ser promotora e defensora
da vida, na diversidade de suas manifestações, defendendo uma ecologia
integral.
Terceiro,
o governo é contrário à promoção de uma ecologia integral. Dificilmente, o
presidente sabe o que significa esta ecologia integral. Isto não quer dizer que
não tenha consciência do que diz e do que faz. O governo tem a plena clareza de
que está reforçando o projeto de morte da Amazônia, quando faz aliança e aprova
medidas que afrouxam a fiscalização, evitando a punição dos que a destroem.
É do
conhecimento de todos que o presidente da República não é fã da defesa do meio
ambiente. A prova disso está na política ambiental adotada (se é que podemos
falar em política ambiental neste governo!). Nunca na história do Brasil a
região amazônica sofreu tanto ataque e destruição de sua biodiversidade como
está sofrendo no atual governo. Nunca! Qualquer pessoa que faz uso do bom senso
reconhece isso. Terríveis crimes ambientais são cometidos, diuturnamente, mas o
governo não demonstra interesse em fiscalizar e punir, como manda a legislação
ambiental. Pelo contrário, estão mudando as leis para que os criminosos se
sintam estimulados a continuar cometendo seus crimes.
Além do
governo federal, grandes empresários dos ramos do agronegócio e da mineração
são contrários ao Sínodo. Empresários e fazendeiros, interessados em explorar a
região amazônica, espalham mentiras sobre o Sínodo. Não é difícil compreender
as reais intenções destas figuras milionárias, que fazem o capitalismo selvagem
acontecer, em detrimento da preservação ambiental. Foram estes empresários e
fazendeiros que trabalharam para eleger o atual presidente da República. Este era
o candidato deles. Como conseguiram eleger, então pensam que podem tudo, por
serem ricos e terem o governo para facilitar seus projetos de destruição da
natureza. É o que está acontecendo no Brasil, diante dos olhos do mundo
inteiro.
Estes empresários
e latifundiários são insaciáveis: quanto mais dinheiro, melhor. Não estão
interessados em proteger a vida dos povos originários da região amazônica. Assim
como o presidente da República, acham que os povos originários possuem terras
demais. Defendem também a falsa tese de que tais povos precisam se desenvolver,
abraçando o estilo de vida capitalista, que mata milhões de pessoas ao redor do
mundo. A grande mídia tem uma função importante neste processo gradativo de destruição
das riquezas naturais: aliar-se ao governo e aos ricos empresários para
convencer a população menos instruída de que estão trabalhando pelo
desenvolvimento. As mentiras são produzidas e veiculadas com este objetivo.
Também
os EUA tem interesse na exploração da Amazônia. O governo brasileiro considera
os norteamericanos um exemplo para o mundo. De fato, são exemplos de falsa democracia,
e de projeto predatório de poder, bem como representam uma gravíssima ameaça à
saúde do gênero humano em todo o mundo. Os EUA não respeitam a legislação e
acordos internacionais, tanto em matéria ambiental quanto em outras esferas do
direito e da economia.
Geralmente,
não se comprometem com a preservação ambiental nem com o equilíbrio climático,
pois entendem ser um entrave ao desenvolvimento. Para os norteamericanos, em
primeiro lugar, estão a produção de riquezas, o consumo desenfreado e irresponsável,
e o controle político das nações pobres e em vias de desenvolvimento. Todo Chefe
de Estado que possui uma visão escravocrata da vida social e da política,
explicitada numa cultura da subserviência, submete-se a eles.
No caso
do Brasil, o presidente e sua família tem verdadeira veneração pelos EUA,
principalmente pelo presidente Trump. Equivocadamente, Jair Bolsonaro pensa que
o Brasil ganharia notoriedade internacional somente por ser aliado aos EUA; mas
a realidade tem demonstrado que o Brasil, por este e outros motivos, está
passando vergonhosa no cenário internacional. Trump e Bolsonaro são retratos
fieis da velha política corrompida e predatória e, por isso mesmo, prestam um
desserviço à humanidade. Nestes dias, tivemos notícia de que o presidente
norteamericano corre o risco de sofrer impeachment, sob a acusação de
desonestidade e traição à pátria.
A
oposição ao Sínodo dentro da Igreja Católica
No seio da Igreja
Católica, leigos, padres, bispos e até cardeais são contrários ao Sínodo dos Bispos
para a região Pan-Amazônica. Não se sabe ao certo quantificar o número deles. O
certo é que estão conseguindo fazer muito barulho. Na verdade, geralmente, os
que se opõem ao Sínodo são os mesmos que se opõem ao Papa Francisco e seu jeito
de exercer a missão pontifícia. Desse modo, o Sínodo se tornou uma excelente
oportunidade para seus opositores o acusarem. Podemos analisar alguns motivos
que explicam esta oposição ao Sínodo por parte de muitas pessoas, leigos e
clérigos, na Igreja Católica.
O primeiro motivo é a falta de conhecimento da temática
que vai ser tratada na assembleia sinodal. O Sínodo vai tratar da evangelização
na Amazônia e da ecologia integral. Pelo teor das críticas, de modo geral, os
que se opõem ao Sínodo desconhecem a história da Igreja na Amazônia, bem como o
processo de evangelização dos povos amazônicos. Este motivo, por si só, já é
suficiente para invalidar os argumentos dos opositores do Sínodo. Eles opinam
sem conhecimento de causa. Não se ocupam sequer com a leitura do instrumento de
trabalho que norteará as discussões do evento. Trata-se de uma oposição
intelectualmente fraca e desonesta.
O segundo motivo é mais implícito: a briga pelo poder no
seio da Igreja Católica. Este parece ser os casos dos cardeais que,
abertamente, questionaram o Sínodo: cardeais Walter Brandmüller e Raymond
Burke. Por trás da crítica destes cardeais, que uma vez analisadas se mostram
contraditórias e teologicamente sem fundamento, estão a frustração e o
ressentimento por não estarem ocupando altos cargos na Cúria Romana, no
pontificado de Francisco. No caso de padres e bispos opositores ao Sínodo, que
também revela uma oposição ao Papa, encontramos o mesmo problema: o Papa tem
combatido o clericalismo dentro da Igreja Católica, e os que são clericalistas
não se sentem bem com a denúncia do Papa.
Por isso,
uma vez desmascarados, passam a tentar deslegitimar a forma como o Papa exerce
o seu ministério. Aí encontramos mesquinhez, covardia e grave pecado contra a
unidade da Igreja. Há até os que são favoráveis e exigem a renúncia do Papa! Os
opositores do Papa são ousados e violentos, mas como não possuem boa-fé nem
estão alicerçados na verdade, nada conseguirão. Tudo o que se opõe à verdade
não prospera. A história está aí com inúmeros casos ilustrativos disso.
O
terceiro motivo é a tentativa frustrada de ressuscitar o espírito de
cristandade no seio da Igreja Católica. O tempo da cristandade já passou. A Igreja
Católica não é mais a instituição reguladora da vida social. Hoje, sequer
consegue regular a vida de seus membros. O tempo passou, e as sociedades
assistem à evolução. Estamos em tempos pós-modernos.
Não adianta
querer voltar aos tempos medievais. A Igreja Católica é convidada a acompanhar
a evolução da vida social e de todas as coisas. Conservando o depósito da fé, é
necessário anunciar o Evangelho de Jesus em linguagem pós-moderna. É necessário
repensar os métodos de evangelização, as estruturas físicas e os esquemas
mentais. Sem a conversão das estruturas e da mentalidade não é possível
evangelizar.
A cada
dia surgem novas demandas, novos problemas, novos desafios. Não é possível
avançar, oferecendo respostas e esquemas antigos. O homem medieval passou. A grande
maioria dos católicos, que não tem prática religiosa, está em plena sintonia
com o pensamento e o estilo de vida pós-modernos. Estão metidos na confusão
atual do mundo. São atingidos pela “globalização da indiferença” (expressão do
Papa Francisco). As crianças, adolescentes e jovens de hoje possuem outra
mentalidade, totalmente diferente da mentalidade dos que viveram nos séculos
passados.
A evolução
dos tempos obriga as instituições a se atualizarem. Com a Igreja não deve ser
diferente. Os estudiosos em eclesiologia falam de uma certa “falsa prudência”
da Igreja, no que se refere ao seu lento processo de atualização. É verdade que
uma instituição bimilenar não se moderniza nem se atualiza da noite para o dia.
Na Igreja, praticamente tudo foi construído lentamente, e lentamente é revisto.
Algumas coisas não são revistas, apesar de expressarem pouca coisa às pessoas
de hoje. Conservando-se o essencial, é possível transformar a Igreja naquilo
que o Concílio Vaticano II declarou: a Igreja é “em Cristo, como que o
sacramento ou sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de
todo o género humano” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 42).
Na Igreja
há um fenômeno um tanto curioso: Os que são contrários à evolução das práticas
eclesiais somente o são litúrgica, pastoral e canonicamente; pois no uso
daquilo que é pós-moderno (roupas, calçados, joias, computadores, casas, carros,
contas bancárias etc.) são totalmente atualizados. Basta observar os usos
pessoais de boa parte do clero para perceber este fenômeno.
Há pessoas
com mentalidades antigas, fazendo uso de estilos de vida pós-modernos. Também entre
os leigos conservadores e ultraconservadores isso é constatado. Há clérigos com
mentalidade tridentina, mas que fazem uso de objetos de luxo, de última geração.
Só querem aderir à liturgia proclamada em Trento; nada mais. Se fossem aderir à
rigorosa disciplina clerical estabelecida por aquele Concílio, certamente não
suportariam. Prevalece a ética da conveniência.
O
que esperar do Sínodo?
Os estudiosos em teologia, principalmente os
pastoralistas, esperam que o Sínodo possibilite o surgimento de uma Igreja com
rosto amazônico. Os números demonstram que os católicos na Amazônia brasileira
estão cada vez mais reduzidos. Nas últimas décadas, cresceu significativamente
o número de protestantes. Isto não significa que a Igreja Católica tenha que abandonar
a região. Cada Igreja cristã possui os seus métodos de evangelização. A Igreja
Católica está presente na Amazônia há séculos. Portanto, para evitar o espírito
de competição e o proselitismo, deve-se repensar a forma e a linguagem que a
Igreja Católica utiliza na evangelização dos povos amazônicos.
Neste sentido, não constitui heresia a necessária revisão
da disciplina eclesiástica, dos ministérios e dos métodos de evangelização da
Igreja presente naquela importante região do mundo. Cada contexto exige da
Igreja uma forma diferente de evangelização. Um exemplo simples inaugurado pelo
Concílio Vaticano II: antes deste, as celebrações eram realizadas em latim;
após o Concílio, adotaram-se as línguas vernáculas (de cada país, ou região). A
liturgia e a disciplina eclesiásticas não caíram prontas do céu, mas foram
sendo criadas e recriadas pelos cristãos ao longo dos séculos. O Sínodo não
está propondo uma mudança substancial da doutrina da Igreja Católica. Não é
disso que se trata. Não se tocará no essencial, mas apenas que se faça uma
revisão da caminhada da Igreja Católica nas realidades amazônicas.
Não é possível anunciar o Evangelho aos povos amazônicos
com a mesma linguagem e métodos utilizados na evangelização que acontece no Rio
de Janeiro, São Paulo, Brasília, Rio Grande do Sul, ou em qualquer outro lugar
fora da Amazônia legal. Estamos falando de contextos diferentes. Conservando o
essencial, é possível que na Amazônia exista um jeito diferente de evangelizar.
Segundo o instrumento de trabalho, devidamente lido e analisado, esta é a
proposta.
Assim,
afirmar que o Sínodo constitui uma ameaça à Tradição da Igreja é de uma
ignorância escandalosa e covarde. Sem ousadia e criatividade, tudo continuará
do mesmo jeito. Os povos amazônicos e a biodiversidade presente naquela região
precisam da presença e da atuação profética da Igreja Católica.
Aquela
região corre graves riscos. O Papa Francisco, tomando conhecimento destes
graves riscos, não se demorou para atender ao pedido dos bispos e demais
pessoas envolvidas, convocando o Sínodo. Impulsionados pela Palavra de Deus, o
Papa e os Bispos certamente expressarão, em alto e bom tom, um grito profético,
desde Roma, para que o mundo inteiro saiba o que está acontecendo na Amazônia.
A Igreja Católica não pode perder esta feliz oportunidade, pois já é tempo de renovação
da presença eclesial, principalmente naquela região, para que todos possam ter
vida, e vida em abundância.
Tiago
de França
Nenhum comentário:
Postar um comentário