quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Algumas considerações sobre o Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica


           De 06 a 27 de outubro realizar-se-á em Roma a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, convocado pelo Papa Francisco no dia 15 de outubro de 2017. Essa assembleia sinodal tem sido muito comentada, elogiada e criticada em praticamente todo o mundo. Não é nada extraordinário que apareçam críticas e elogios. Mas o extraordinário é quando tais críticas, com teor destrutivo e/ou depreciativo e, em alguns casos, calunioso e difamatório, surjam dentro da própria Igreja Católica, com o objetivo único de depreciar e questionar a legitimidade do Papa, causando divisão e confusão na cabeça das pessoas. Na história recente da Igreja, nunca um Sínodo e um Papa foram tão questionados.

A oposição ao Sínodo fora da Igreja

            O governo de Jair Bolsonaro constitui a maior expressão oposicionista ao Sínodo dos Bispos. Tanto o presidente quanto pessoas do seu governo, civis e militares, levantaram algumas suspeitas descabidas sobre o evento. Constatada a oposição, podemos frisar três pontos.

            Primeiro, o governo (presidente e sua equipe) não parece ter clareza do que vem a ser um Sínodo de Bispos na Igreja Católica. As falas revelam total ignorância. Explícita e vergonhosamente, não sabem nem procuram saber o que é um Sínodo de Bispos. Propositadamente, confundem o evento com uma espécie de reunião de uma organização não-governamental (ONG). A Igreja Católica não é uma ONG. Espalham também a ideia de que o Sínodo é uma espécie de reunião com finalidade meramente civil, no sentido de criar projetos para resolver os problemas da região amazônica, projetos que poderiam questionar ou colocar em risco a soberania nacional. Os bispos não se reunião com esta finalidade. Um Sínodo não existe para isso.

            O Sínodo é um evento eclesial, convocado pelo Papa, que conta com a participação de Bispos e especialistas/peritos no assunto a ser tratado. Evento eclesial significa evento religioso, promovido por uma instituição religiosa, com finalidade religiosa. Parece simples, mas o governo não entende isso. O Papa não convocou os Bispos para traçar um plano, visando a derrubada de governos; nem para pensar em como se infiltrar em questões estritamente governamentais. Neste sentido, a Igreja não vive mais atrelada ao Estado. Não é mais a reguladora da ordem social. Hoje, a Igreja Católica está com dificuldades de regular a si mesma. Portanto, não há interesse em traçar projetos reguladores para que os governos observem.

            Segundo, o governo entende instituição religiosa como totalmente desvinculada dos problemas do mundo. O presidente e seus correligionários parecem desconhecer a ação evangelizadora da Igreja. A Igreja Católica não existe para si mesma, mas é instrumento da salvação no mundo. Isto significa que os problemas sociais são matéria de preocupação, estudos e ação pastoral. O agir eclesial acontece no mundo, não fora dele. É no mundo que estão os cristãos, seguidores de Jesus Cristo.

Tudo o que interfere na vida cristã constitui matéria de interesse da Igreja Católica. Para o campo social, a Igreja Católica elaborou o que se denomina Doutrina Social da Igreja, que consiste no conjunto de orientações doutrinais e critérios de ação, pautados na Bíblia, na doutrina dos Santos Padres, dos teólogos e do magistério dos bispos e dos últimos Papas. A instituição eclesiástica não é alheia ao que ocorre no mundo. A questão ambiental na Amazônia é de grande interesse para a Igreja Católica, pois a fé cristã contempla a Deus como Criador de todas as coisas, e este Deus exige o cuidado da Terra, Casa comum. A Igreja Católica é chamada a ser promotora e defensora da vida, na diversidade de suas manifestações, defendendo uma ecologia integral.

Terceiro, o governo é contrário à promoção de uma ecologia integral. Dificilmente, o presidente sabe o que significa esta ecologia integral. Isto não quer dizer que não tenha consciência do que diz e do que faz. O governo tem a plena clareza de que está reforçando o projeto de morte da Amazônia, quando faz aliança e aprova medidas que afrouxam a fiscalização, evitando a punição dos que a destroem.

É do conhecimento de todos que o presidente da República não é fã da defesa do meio ambiente. A prova disso está na política ambiental adotada (se é que podemos falar em política ambiental neste governo!). Nunca na história do Brasil a região amazônica sofreu tanto ataque e destruição de sua biodiversidade como está sofrendo no atual governo. Nunca! Qualquer pessoa que faz uso do bom senso reconhece isso. Terríveis crimes ambientais são cometidos, diuturnamente, mas o governo não demonstra interesse em fiscalizar e punir, como manda a legislação ambiental. Pelo contrário, estão mudando as leis para que os criminosos se sintam estimulados a continuar cometendo seus crimes.

Além do governo federal, grandes empresários dos ramos do agronegócio e da mineração são contrários ao Sínodo. Empresários e fazendeiros, interessados em explorar a região amazônica, espalham mentiras sobre o Sínodo. Não é difícil compreender as reais intenções destas figuras milionárias, que fazem o capitalismo selvagem acontecer, em detrimento da preservação ambiental. Foram estes empresários e fazendeiros que trabalharam para eleger o atual presidente da República. Este era o candidato deles. Como conseguiram eleger, então pensam que podem tudo, por serem ricos e terem o governo para facilitar seus projetos de destruição da natureza. É o que está acontecendo no Brasil, diante dos olhos do mundo inteiro.

Estes empresários e latifundiários são insaciáveis: quanto mais dinheiro, melhor. Não estão interessados em proteger a vida dos povos originários da região amazônica. Assim como o presidente da República, acham que os povos originários possuem terras demais. Defendem também a falsa tese de que tais povos precisam se desenvolver, abraçando o estilo de vida capitalista, que mata milhões de pessoas ao redor do mundo. A grande mídia tem uma função importante neste processo gradativo de destruição das riquezas naturais: aliar-se ao governo e aos ricos empresários para convencer a população menos instruída de que estão trabalhando pelo desenvolvimento. As mentiras são produzidas e veiculadas com este objetivo.

Também os EUA tem interesse na exploração da Amazônia. O governo brasileiro considera os norteamericanos um exemplo para o mundo. De fato, são exemplos de falsa democracia, e de projeto predatório de poder, bem como representam uma gravíssima ameaça à saúde do gênero humano em todo o mundo. Os EUA não respeitam a legislação e acordos internacionais, tanto em matéria ambiental quanto em outras esferas do direito e da economia.

Geralmente, não se comprometem com a preservação ambiental nem com o equilíbrio climático, pois entendem ser um entrave ao desenvolvimento. Para os norteamericanos, em primeiro lugar, estão a produção de riquezas, o consumo desenfreado e irresponsável, e o controle político das nações pobres e em vias de desenvolvimento. Todo Chefe de Estado que possui uma visão escravocrata da vida social e da política, explicitada numa cultura da subserviência, submete-se a eles.

No caso do Brasil, o presidente e sua família tem verdadeira veneração pelos EUA, principalmente pelo presidente Trump. Equivocadamente, Jair Bolsonaro pensa que o Brasil ganharia notoriedade internacional somente por ser aliado aos EUA; mas a realidade tem demonstrado que o Brasil, por este e outros motivos, está passando vergonhosa no cenário internacional. Trump e Bolsonaro são retratos fieis da velha política corrompida e predatória e, por isso mesmo, prestam um desserviço à humanidade. Nestes dias, tivemos notícia de que o presidente norteamericano corre o risco de sofrer impeachment, sob a acusação de desonestidade e traição à pátria.

A oposição ao Sínodo dentro da Igreja Católica

            No seio da Igreja Católica, leigos, padres, bispos e até cardeais são contrários ao Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica. Não se sabe ao certo quantificar o número deles. O certo é que estão conseguindo fazer muito barulho. Na verdade, geralmente, os que se opõem ao Sínodo são os mesmos que se opõem ao Papa Francisco e seu jeito de exercer a missão pontifícia. Desse modo, o Sínodo se tornou uma excelente oportunidade para seus opositores o acusarem. Podemos analisar alguns motivos que explicam esta oposição ao Sínodo por parte de muitas pessoas, leigos e clérigos, na Igreja Católica.

            O primeiro motivo é a falta de conhecimento da temática que vai ser tratada na assembleia sinodal. O Sínodo vai tratar da evangelização na Amazônia e da ecologia integral. Pelo teor das críticas, de modo geral, os que se opõem ao Sínodo desconhecem a história da Igreja na Amazônia, bem como o processo de evangelização dos povos amazônicos. Este motivo, por si só, já é suficiente para invalidar os argumentos dos opositores do Sínodo. Eles opinam sem conhecimento de causa. Não se ocupam sequer com a leitura do instrumento de trabalho que norteará as discussões do evento. Trata-se de uma oposição intelectualmente fraca e desonesta.

            O segundo motivo é mais implícito: a briga pelo poder no seio da Igreja Católica. Este parece ser os casos dos cardeais que, abertamente, questionaram o Sínodo: cardeais Walter Brandmüller e Raymond Burke. Por trás da crítica destes cardeais, que uma vez analisadas se mostram contraditórias e teologicamente sem fundamento, estão a frustração e o ressentimento por não estarem ocupando altos cargos na Cúria Romana, no pontificado de Francisco. No caso de padres e bispos opositores ao Sínodo, que também revela uma oposição ao Papa, encontramos o mesmo problema: o Papa tem combatido o clericalismo dentro da Igreja Católica, e os que são clericalistas não se sentem bem com a denúncia do Papa.

Por isso, uma vez desmascarados, passam a tentar deslegitimar a forma como o Papa exerce o seu ministério. Aí encontramos mesquinhez, covardia e grave pecado contra a unidade da Igreja. Há até os que são favoráveis e exigem a renúncia do Papa! Os opositores do Papa são ousados e violentos, mas como não possuem boa-fé nem estão alicerçados na verdade, nada conseguirão. Tudo o que se opõe à verdade não prospera. A história está aí com inúmeros casos ilustrativos disso.

O terceiro motivo é a tentativa frustrada de ressuscitar o espírito de cristandade no seio da Igreja Católica. O tempo da cristandade já passou. A Igreja Católica não é mais a instituição reguladora da vida social. Hoje, sequer consegue regular a vida de seus membros. O tempo passou, e as sociedades assistem à evolução. Estamos em tempos pós-modernos.

Não adianta querer voltar aos tempos medievais. A Igreja Católica é convidada a acompanhar a evolução da vida social e de todas as coisas. Conservando o depósito da fé, é necessário anunciar o Evangelho de Jesus em linguagem pós-moderna. É necessário repensar os métodos de evangelização, as estruturas físicas e os esquemas mentais. Sem a conversão das estruturas e da mentalidade não é possível evangelizar.

A cada dia surgem novas demandas, novos problemas, novos desafios. Não é possível avançar, oferecendo respostas e esquemas antigos. O homem medieval passou. A grande maioria dos católicos, que não tem prática religiosa, está em plena sintonia com o pensamento e o estilo de vida pós-modernos. Estão metidos na confusão atual do mundo. São atingidos pela “globalização da indiferença” (expressão do Papa Francisco). As crianças, adolescentes e jovens de hoje possuem outra mentalidade, totalmente diferente da mentalidade dos que viveram nos séculos passados.

A evolução dos tempos obriga as instituições a se atualizarem. Com a Igreja não deve ser diferente. Os estudiosos em eclesiologia falam de uma certa “falsa prudência” da Igreja, no que se refere ao seu lento processo de atualização. É verdade que uma instituição bimilenar não se moderniza nem se atualiza da noite para o dia. Na Igreja, praticamente tudo foi construído lentamente, e lentamente é revisto. Algumas coisas não são revistas, apesar de expressarem pouca coisa às pessoas de hoje. Conservando-se o essencial, é possível transformar a Igreja naquilo que o Concílio Vaticano II declarou: a Igreja é “em Cristo, como que o sacramento ou sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 42).

Na Igreja há um fenômeno um tanto curioso: Os que são contrários à evolução das práticas eclesiais somente o são litúrgica, pastoral e canonicamente; pois no uso daquilo que é pós-moderno (roupas, calçados, joias, computadores, casas, carros, contas bancárias etc.) são totalmente atualizados. Basta observar os usos pessoais de boa parte do clero para perceber este fenômeno.

Há pessoas com mentalidades antigas, fazendo uso de estilos de vida pós-modernos. Também entre os leigos conservadores e ultraconservadores isso é constatado. Há clérigos com mentalidade tridentina, mas que fazem uso de objetos de luxo, de última geração. Só querem aderir à liturgia proclamada em Trento; nada mais. Se fossem aderir à rigorosa disciplina clerical estabelecida por aquele Concílio, certamente não suportariam. Prevalece a ética da conveniência.

O que esperar do Sínodo?

             Os estudiosos em teologia, principalmente os pastoralistas, esperam que o Sínodo possibilite o surgimento de uma Igreja com rosto amazônico. Os números demonstram que os católicos na Amazônia brasileira estão cada vez mais reduzidos. Nas últimas décadas, cresceu significativamente o número de protestantes. Isto não significa que a Igreja Católica tenha que abandonar a região. Cada Igreja cristã possui os seus métodos de evangelização. A Igreja Católica está presente na Amazônia há séculos. Portanto, para evitar o espírito de competição e o proselitismo, deve-se repensar a forma e a linguagem que a Igreja Católica utiliza na evangelização dos povos amazônicos.

            Neste sentido, não constitui heresia a necessária revisão da disciplina eclesiástica, dos ministérios e dos métodos de evangelização da Igreja presente naquela importante região do mundo. Cada contexto exige da Igreja uma forma diferente de evangelização. Um exemplo simples inaugurado pelo Concílio Vaticano II: antes deste, as celebrações eram realizadas em latim; após o Concílio, adotaram-se as línguas vernáculas (de cada país, ou região). A liturgia e a disciplina eclesiásticas não caíram prontas do céu, mas foram sendo criadas e recriadas pelos cristãos ao longo dos séculos. O Sínodo não está propondo uma mudança substancial da doutrina da Igreja Católica. Não é disso que se trata. Não se tocará no essencial, mas apenas que se faça uma revisão da caminhada da Igreja Católica nas realidades amazônicas.

            Não é possível anunciar o Evangelho aos povos amazônicos com a mesma linguagem e métodos utilizados na evangelização que acontece no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Rio Grande do Sul, ou em qualquer outro lugar fora da Amazônia legal. Estamos falando de contextos diferentes. Conservando o essencial, é possível que na Amazônia exista um jeito diferente de evangelizar. Segundo o instrumento de trabalho, devidamente lido e analisado, esta é a proposta.

Assim, afirmar que o Sínodo constitui uma ameaça à Tradição da Igreja é de uma ignorância escandalosa e covarde. Sem ousadia e criatividade, tudo continuará do mesmo jeito. Os povos amazônicos e a biodiversidade presente naquela região precisam da presença e da atuação profética da Igreja Católica.

Aquela região corre graves riscos. O Papa Francisco, tomando conhecimento destes graves riscos, não se demorou para atender ao pedido dos bispos e demais pessoas envolvidas, convocando o Sínodo. Impulsionados pela Palavra de Deus, o Papa e os Bispos certamente expressarão, em alto e bom tom, um grito profético, desde Roma, para que o mundo inteiro saiba o que está acontecendo na Amazônia. A Igreja Católica não pode perder esta feliz oportunidade, pois já é tempo de renovação da presença eclesial, principalmente naquela região, para que todos possam ter vida, e vida em abundância.

Tiago de França

Nenhum comentário: