“Vê, a noite cobre a terra e a escuridão, os
povos, mas sobre ti levanta-se o Senhor, e sua glória te ilumina” (Is 60, 2).
Neste domingo, 5 de janeiro, a
Igreja católica celebra a Solenidade da Epifania do Senhor. Meditando o texto
evangélico desta Solenidade (cf. Mt 2,1-12), queremos partilhar algumas
provocações sobre a manifestação (epifania) do Senhor.
O texto fala que Jesus nasceu em
Belém, “a menor entre as cidades de Judá”,
como disse o profeta. Isto significa que o Pai enviou o seu Filho ao mundo,
fazendo-o nascer na periferia do império romano. Jesus não nasceu em uma cidade
grande e de prestígio, mas num lugar pequeno, sem importância, no meio dos
pobres.
O evangelista continua dizendo que
Jesus nasceu no tempo do rei Herodes. Este rei não era uma boa pessoa. Contam
que era sanguinário, mandante de muitos assassinatos. Jesus nasceu na era
imperial, em um contexto político marcado pela opressão. A Escritura fala que
Jesus foi enviado “quando veio a
plenitude dos tempos” (Gl 4, 4). Era o tempo previsto no projeto de Deus
para a realização da promessa.
O texto começa a ficar
desconcertante quando fala de magos que vieram do oriente para Jerusalém. Eles procuravam
o rei dos judeus, e queriam adorá-lo. Quando soube disso, o rei Herodes ficou
perturbado. O rei não sabia do nascimento de outro rei, e se interessou em
saber quem era. Imediatamente, reuniu-se com sacerdotes e escribas para saber “onde havia de nascer o Cristo” (Mt 2,
3-4). O rei também se reuniu com os magos, pedindo-lhes que o informassem a
respeito do menino, pois tinha interesse em adorá-lo. Considerando a
personalidade de Herodes, este interesse era falso.
A narrativa é marcada por símbolos,
e a estrela que guiava os magos era um deles. Esta estrela os guiou até o lugar
onde estava Jesus, com Maria, sua mãe. Outra simbologia interessante é
representada pelos presentes trazidos por eles para o menino Jesus: ouro,
incenso e mirra. Em torno destes símbolos, a tradição criou significados
interessantes: ouro, simbolizando a realeza; incenso, a divindade; e mirra, a
humanidade de Jesus. A tradição diz que eram três reis orientais, mas o texto
não confirma isso.
Esses magos apontam para a
universalidade da salvação oferecida por Deus, em Cristo Jesus, à humanidade. Eles
não eram judeus. Jesus não trouxe a salvação para um povo específico, mas para
toda a humanidade. Ele próprio é a salvação. Seu nome significa Deus salva. Jesus é a manifestação de
Deus no mundo. Ele é o Cristo, o Ungido do Pai, o Messias prometido, que “veio para o que era seu, mas os seus não o
receberam” (Jo 1, 11).
Também hoje, Jesus continua sendo
rejeitado por muitos. Há os que não compreendem a sua mensagem; há os que
compreendem, mas não aceitam; há também os que não querem compreendê-la. Os Herodes
de hoje, que oprimem os povos, continuam se comportando da mesma forma,
procurando matar Jesus. Fazem isso quando exploram e matam os empobrecidos. Sugam
e derramam o sangue dos fracos, e marginalizam milhões ao redor do mundo. Lucram
com a desgraça e a morte dos mais fracos.
Mas o projeto de Deus, que resulta
na salvação gratuita e universal, oferecida a todos os povos, na diversidade
das línguas e culturas, permanece atuante. A força de Deus é infinitamente superior
ao mal presente no mundo. Deus convida a todos à comunhão em um só corpo, “participantes
da promessa em Cristo Jesus pelo Evangelho” (Ef 3, 6). A manifestação
divina se dirige a todos, especialmente aos empobrecidos, aos órfãos, viúvas e
estrangeiros de hoje.
Em um mundo envolto em trevas, o
anúncio da manifestação de Deus aparece como luz que irradia e ilumina a todos.
Foi para alimentar a esperança dos vencidos que Deus se manifestou. A criação,
corrompida pelo pecado, não foi abandonada pelo Criador. Nestes dias, em nome
do combate ao terrorismo, estamos assistindo a um conflito entre Estados Unidos
da América e Irã; violência gerando violência. E no meio do fogo cruzado estão
os inocentes, brutalmente assassinados. O ataque dos EUA ao Irã atesta a sede
de poder hegemônico que para ser saciada, necessariamente, provoca a morte de
milhares de pessoas.
O sangue dos inocentes, assassinados
pelos Herodes de hoje, clama por justiça. Sedento de sangue, o ser humano
provoca a própria destruição. Estas forças de morte que operam no mundo são contrárias
ao Reino de Deus, revelado em Jesus de Nazaré. Portanto, quem professa a fé em
Jesus não pode concordar nem reforçar esta terrível cultura da morte que impera
no mundo. Não pertencem ao Reino de Deus, nem hoje nem após a consumação deste
Reino, aqueles que neste mundo exercem o papel de anticristos, ceifando a vida
das pessoas, quer com mecanismos de política econômica, quer por meio de
conflitos armados. Todos serão julgados por Deus, que é misericordioso e justo.
A celebração da manifestação do
Senhor é uma feliz oportunidade para cada cristão analisar a sua consciência
diante de Deus. Algumas perguntas podem nos ajudar neste sentido: Será que
prestamos culto e adoramos ao Deus e Pai de Jesus? Como temos nos posicionado
diante das forças de morte que operam ao nosso redor? O que a fragilidade do
Menino de Belém ensina ao nosso ser cristão e ser Igreja hoje? Somos os magos
que procuram adorar Jesus, ou o Herodes que procura matá-lo em nossos irmãos e
irmãs?
Tiago
de França
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