sábado, 4 de janeiro de 2020

A manifestação do Senhor


“Vê, a noite cobre a terra e a escuridão, os povos, mas sobre ti levanta-se o Senhor, e sua glória te ilumina” (Is 60, 2).

            Neste domingo, 5 de janeiro, a Igreja católica celebra a Solenidade da Epifania do Senhor. Meditando o texto evangélico desta Solenidade (cf. Mt 2,1-12), queremos partilhar algumas provocações sobre a manifestação (epifania) do Senhor.
            O texto fala que Jesus nasceu em Belém, “a menor entre as cidades de Judá”, como disse o profeta. Isto significa que o Pai enviou o seu Filho ao mundo, fazendo-o nascer na periferia do império romano. Jesus não nasceu em uma cidade grande e de prestígio, mas num lugar pequeno, sem importância, no meio dos pobres.
            O evangelista continua dizendo que Jesus nasceu no tempo do rei Herodes. Este rei não era uma boa pessoa. Contam que era sanguinário, mandante de muitos assassinatos. Jesus nasceu na era imperial, em um contexto político marcado pela opressão. A Escritura fala que Jesus foi enviado “quando veio a plenitude dos tempos” (Gl 4, 4). Era o tempo previsto no projeto de Deus para a realização da promessa.
            O texto começa a ficar desconcertante quando fala de magos que vieram do oriente para Jerusalém. Eles procuravam o rei dos judeus, e queriam adorá-lo. Quando soube disso, o rei Herodes ficou perturbado. O rei não sabia do nascimento de outro rei, e se interessou em saber quem era. Imediatamente, reuniu-se com sacerdotes e escribas para saber “onde havia de nascer o Cristo” (Mt 2, 3-4). O rei também se reuniu com os magos, pedindo-lhes que o informassem a respeito do menino, pois tinha interesse em adorá-lo. Considerando a personalidade de Herodes, este interesse era falso.
            A narrativa é marcada por símbolos, e a estrela que guiava os magos era um deles. Esta estrela os guiou até o lugar onde estava Jesus, com Maria, sua mãe. Outra simbologia interessante é representada pelos presentes trazidos por eles para o menino Jesus: ouro, incenso e mirra. Em torno destes símbolos, a tradição criou significados interessantes: ouro, simbolizando a realeza; incenso, a divindade; e mirra, a humanidade de Jesus. A tradição diz que eram três reis orientais, mas o texto não confirma isso.
            Esses magos apontam para a universalidade da salvação oferecida por Deus, em Cristo Jesus, à humanidade. Eles não eram judeus. Jesus não trouxe a salvação para um povo específico, mas para toda a humanidade. Ele próprio é a salvação. Seu nome significa Deus salva. Jesus é a manifestação de Deus no mundo. Ele é o Cristo, o Ungido do Pai, o Messias prometido, que “veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1, 11).
       Também hoje, Jesus continua sendo rejeitado por muitos. Há os que não compreendem a sua mensagem; há os que compreendem, mas não aceitam; há também os que não querem compreendê-la. Os Herodes de hoje, que oprimem os povos, continuam se comportando da mesma forma, procurando matar Jesus. Fazem isso quando exploram e matam os empobrecidos. Sugam e derramam o sangue dos fracos, e marginalizam milhões ao redor do mundo. Lucram com a desgraça e a morte dos mais fracos.
            Mas o projeto de Deus, que resulta na salvação gratuita e universal, oferecida a todos os povos, na diversidade das línguas e culturas, permanece atuante. A força de Deus é infinitamente superior ao mal presente no mundo. Deus convida a todos à comunhão em um  só corpo, “participantes da promessa em Cristo Jesus pelo Evangelho” (Ef 3, 6). A manifestação divina se dirige a todos, especialmente aos empobrecidos, aos órfãos, viúvas e estrangeiros de hoje.
            Em um mundo envolto em trevas, o anúncio da manifestação de Deus aparece como luz que irradia e ilumina a todos. Foi para alimentar a esperança dos vencidos que Deus se manifestou. A criação, corrompida pelo pecado, não foi abandonada pelo Criador. Nestes dias, em nome do combate ao terrorismo, estamos assistindo a um conflito entre Estados Unidos da América e Irã; violência gerando violência. E no meio do fogo cruzado estão os inocentes, brutalmente assassinados. O ataque dos EUA ao Irã atesta a sede de poder hegemônico que para ser saciada, necessariamente, provoca a morte de milhares de pessoas.
            O sangue dos inocentes, assassinados pelos Herodes de hoje, clama por justiça. Sedento de sangue, o ser humano provoca a própria destruição. Estas forças de morte que operam no mundo são contrárias ao Reino de Deus, revelado em Jesus de Nazaré. Portanto, quem professa a fé em Jesus não pode concordar nem reforçar esta terrível cultura da morte que impera no mundo. Não pertencem ao Reino de Deus, nem hoje nem após a consumação deste Reino, aqueles que neste mundo exercem o papel de anticristos, ceifando a vida das pessoas, quer com mecanismos de política econômica, quer por meio de conflitos armados. Todos serão julgados por Deus, que é misericordioso e justo.
            A celebração da manifestação do Senhor é uma feliz oportunidade para cada cristão analisar a sua consciência diante de Deus. Algumas perguntas podem nos ajudar neste sentido: Será que prestamos culto e adoramos ao Deus e Pai de Jesus? Como temos nos posicionado diante das forças de morte que operam ao nosso redor? O que a fragilidade do Menino de Belém ensina ao nosso ser cristão e ser Igreja hoje? Somos os magos que procuram adorar Jesus, ou o Herodes que procura matá-lo em nossos irmãos e irmãs?

Tiago de França

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