sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

A fé cristã e a cultura do ódio nas redes sociais


          A cultura do ódio no mundo virtual, principalmente nas redes sociais, é uma realidade que tem preocupado muitas pessoas e instituições. Neste breve artigo, tratarei da questão à luz da fé cristã, na esfera religiosa. Posteriormente, poderei discorrer sobre o assunto à luz do direito penal. Inicialmente, quero tratar da existência de pessoas e grupos que utilizam as redes sociais (Facebook, Instagram, YouTube e WhatsApp, entre outras) para disseminar o ódio entre as pessoas. Muitas destas afirmam professar a fé em Jesus Cristo. Esta é uma conduta louvável à luz do Evangelho? Verifiquemos.
            O que seria esta cultura do ódio? Trata-se de um movimento violento, que induz as pessoas a se odiarem, ou odiarem determinada pessoa ou grupo. Este movimento é composto por indivíduos que gastam seu tempo e suas energias com a disseminação de informações falsas (fake news) e interpretações equivocadas e preconceituosas sobre a Sagrada Escritura e a doutrina cristã católica. Estamos tratando de perfis católicos nas redes sociais. Em inglês, estas pessoas são denominadas haters (odiadores).
            Algumas se utilizam de perfis falsos para extravasar o seu ódio, outras revelam a sua identidade. Ambas não aceitam discutir fora do mundo virtual, e o motivo é simples: geralmente, são medrosas e desprovidas de conhecimento fundamentado sobre o que falam. Muitas não conseguem se controlar e cometem crimes contra a honra alheia: difamação e calúnia. Quando denunciadas, respondem a processos judiciais. A linguagem que usam é direta, veemente e agressiva; possuem uma visão míope sobre a realidade, são reducionistas.
            Politicamente, são de direita ou de extrema-direita. Entre os mais famosos difamadores e caluniadores “cristãos” não se encontram pessoas de esquerda. Os alvos principais costumam ser o Romano Pontífice, o Papa Francisco, e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O pessoal da esquerda se identifica com o Papa Francisco, por ser um Papa mais aberto e reconhecedor da importância das questões sociais. Não é de se negar que há, quase que inevitavelmente, um conflito entre os chamados progressistas, politicamente de esquerda, e os ultraconservadores, politicamente de extrema-direita. Estamos nos referindo ao âmbito político das opções. Geralmente, é assim que tais pessoais e grupos se apresentam.
            Nas eleições gerais de 2018, milhões de católicos e cristãos de outras Igrejas se identificaram com as pautas e os perfis de políticos ultraconservadores, representados pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro. Assim, ficou evidente que a maioria dos cristãos conservadores e ultraconservadores se identifica com projetos políticos que possuem a mesma linha ideológica. Inclusive, os políticos ultraconservadores se utilizam de ideias e doutrinas religiosas mais conservadoras para justificar suas opções políticas. Agora estamos assistindo ao resultado desta onda ultraconservadora que tomou conta do catolicismo, do protestantismo e do Estado brasileiro.
            Teologicamente falando, nenhuma forma de violência pode ser justificada. Quem conhece a Bíblia sabe que o Deus e Pai de Jesus Cristo é pacífico, justo e misericordioso. Jesus Cristo nos revelou a verdadeira face de Deus: um Deus apaixonado pelo ser humano e por toda a criação; que foi capaz de enviar o seu único Filho para salvar toda a humanidade; que se revelou como Pai, Filho e Espírito Santo, Trindade amorosa, desprovida de qualquer desejo de vingança. O Deus dos cristãos não é dado à violência, nem é um vingador, mas é o Deus da justiça e da paz.
            No Evangelho, encontramos Jesus felicitando os mansos: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mateus 5,5). Não são os violentos que são felizes, mas os mansos. Noutro momento, diz Jesus: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mateus 11,29). Portanto, a cultura do ódio, expressa na disseminação da mentira, entre outras atitudes maléficas, não possui justificação no Evangelho. Quem instiga o ódio se coloca na contramão do Evangelho, sendo totalmente contrário à mensagem pacífica de Jesus Cristo.
            Nas redes sociais, o cristão é convidado a expressar sempre a verdade e combater a mentira, pois é a verdade que liberta o ser humano (cf. João 8,32). A mentira sistemática, que visa destruir a boa reputação de pessoas, grupos e instituições, é obra de Satanás, que é o pai da mentira (cf. João 8,44). Por isso, insistir na mentira para prejudicar aos outros é ação antievangélica, porque contraria a fé cristã. A mentira gera engano e confusão, e destrói a vida comunitária e a paz social.
            No seio da Igreja católica há dois grupos contrários ao Papa Francisco e a todos aqueles que estão em comunhão com ele: Os ultraconservadores, que o acusam de ser herege e pedem a sua renúncia. Estes também afirmam que a Sé Romana está vacante desde a renúncia do Papa Bento XVI. Não aceitam Francisco como Papa, mesmo sabendo que Francisco foi, legitimamente, eleito. O segundo grupo é menos radical: Os conservadores, que não chegam a acusar o Papa de ser herege, mas não comungam com o seu pensamento e gestos. Nestes grupos é possível encontrar leigos, seminaristas, diáconos, padres, bispos e até cardeais.
            Os ultraconservadores acreditam que o Papa Francisco é uma ameaça à ortodoxia da fé cristã. Propagam a ideia de que o Papa ameaça a Tradição da Igreja. Na verdade, não acontece nem uma coisa, nem outra. Na prática, o Papa retoma a centralidade de Jesus e sua Palavra na vida e missão da Igreja. Neste sentido, o Papa está em plena sintonia com o concílio Vaticano II, que fez a Igreja retornar às fontes primitivas. Os opositores do Papa são pessoas com mentalidade de cristandade, ou seja, ainda acreditam que o mundo gira em torno da Igreja católica. Apesar da sobrevivência de alguns resquícios da cristandade, esta tende a desaparecer de forma definitiva.
            O mundo gira em torno do poder, do prestígio e do dinheiro. Não pertence mais à religião cristã ou a qualquer outra a palavra final sobre as diversas questões que afetam a humanidade. Na pós-modernidade, marcada pela globalização e pelo relativismo ético e moral, as pessoas não mais escutam o que dizem as religiões. Vivemos numa época marcada pelo desprezo e pela marginalização das tradições religiosas.
As pessoas que conservam a fé em Deus tendem a alimentar a sua fé fora dos muros dos templos religiosos. Não adianta negar esta realidade. Por isso, o Papa Francisco, atento a este cenário, defende e promove uma “Igreja em saída”. Na cristandade, a Igreja não saía em direção ao mundo, mas fugia deste porque o considerava obra das trevas. Os que tem mentalidade de cristandade pensam assim: É preciso subir até Deus, pois o mundo está dominado pelo diabo e seus agentes. O que nos diz o Evangelho? Jesus fala que seus discípulos devem fazer o caminho inverso: Ide e evangelizai! “O que vocês estão fazendo aí, olhando para o alto?”, questiona a mensagem de Jesus.
A busca por seguranças, dinheiro, prestígio e poder leva muita gente a rejeitar um modelo de “Igreja em saída”. Sair é movimento inseguro, é abraçar o caminho de Jesus: estreito, pedregoso, marcado pela cruz. Mas não é uma cruz romantizada, sem sofrimento nem martírio. É a cruz que implica perseguição, incompreensão, difamação, calúnia, desprezo e sangue. Esta é a espiritualidade da cruz de Cristo: Mais cristianismo, menos devocionismo e apego a costumes, práticas e estruturas ultrapassadas. Os opositores do Papa e da “Igreja em saída” não conhecem esta espiritualidade. Na verdade, gostam do espetáculo, do estrelismo, do ego inflamado, do barulho e da confusão. São pessoas que precisam se ocupar com o exercício libertador da caridade fraterna.
Jesus nos diz que a boca fala daquilo que o coração está cheio (cf. Mateus 12,34). Este é um dos critérios de discernimento para saber as reais intenções destas pessoas. Se somente falam mal do próximo, emitindo opiniões sem fundamento na verdade, então são dignas do nosso descrédito. Quando se ocupam somente com o juízo e a condenação dos outros, não precisamos ouvi-las, pois estão na contramão do que disse Jesus (cf. Marcos 4,24; Mateus 7,1).
A caridade é o critério mais importante. Perdemos a razão quando faltamos com a caridade com o próximo. Fechar-se ao diálogo e à concórdia é faltar com a caridade. As outras pessoas merecem a nossa atenção, escuta e respeito. Inventar mentiras sobre os outros é uma grave falta de caridade. Todos precisamos aprender a dialogar. O diálogo continua sendo o caminho para o entendimento mútuo e para a paz social. Ninguém convence os outros usando da mentira. Aderir à verdade é assumir um compromisso com a comunhão fraterna. Os falsos profetas são mentirosos, porque não promovem a comunhão, mas são servidores da divisão, inimigos da unidade cristã.
O ódio não é mais forte que o amor, nem é superior ao testemunho daqueles que se encontram na verdade. Somente aqueles que estão na verdade escutam a voz de Jesus (cf. João 18,37). Os servidores da mentira são filhos do diabo (cf. João 8,44), agentes da discórdia, “profetas da desgraça” (expressão usada por São João XXIII, Papa que convocou o Vaticano II). Todos os que se dedicam ao ódio serão cobertos de vergonha e confusão, porque o mal não prospera, mas destrói as pessoas (cf. Salmo 70,2-3).
Por fim, cabe-nos dizer, sem equívoco algum: Todo aquele que gasta seu tempo nas redes sociais para criar e compartilhar mentiras, promovendo, assim, a disseminação da cultura do ódio, não está em comunhão com Jesus, nem com a Igreja. É inadmissível abrir a boca para dizer que Jesus é o Senhor e, ao mesmo tempo, difamar e caluniar o próximo. É possível a existência de discordâncias, pois são diversos os pontos de vista. Mas é inaceitável que em nome da liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade de consciência, alguém crie e compartilhe mentiras sobre outras pessoas.
Na Igreja, à luz do Evangelho, da Tradição e do magistério dos Papas e Bispos, os pastores integram o povo de Deus, e deve existir o necessário clima de respeito, estima e consideração entre clérigos e não clérigos. Diante de Deus não existe classe superior, mas todos são irmãos em Cristo Jesus, filhos de um mesmo Pai, e todos bebem do mesmo Espírito. Cada um a seu modo, dentro de suas possibilidades, são chamados a promover a unidade e a paz. O cristão não é um agente da divisão, mas é um discípulo missionário de Cristo Jesus, vivendo no mundo sem ser do mundo, sendo sal da terra e luz do mundo, para que todos tenham vida e a tenham em abundância. Esta é a vontade de Deus para a salvação da humanidade.  
Tiago de França

2 comentários:

Unknown disse...

O verdadeiro cristão é propagador da paz e nunca do ódio. Parabéns pelo artigo gostei muito.

Tiago de França disse...

Verdade.
Obrigado!