“A paz é um bem precioso,
objeto da nossa esperança; por ela aspira toda a humanidade”. (Papa
Francisco, em sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2020)
Neste dia 1º de janeiro, celebramos
o Dia Mundial da Paz. A Igreja católica também celebra a Solenidade de Maria,
Mãe de Deus. Inicialmente, queremos relacionar a paz com a prática da justiça,
e em seguida vamos olhar para Maria como testemunha fiel da paz que vem de Deus.
Por que um dia dedicado à celebração da paz mundial? Como disse o Papa
Francisco, a “paz é um bem precioso”.
De fato, não há realização pessoal e social possível sem que se tenha paz. Mas a
paz não é sinônimo de ausência de conflitos entre as pessoas, grupos e nações. Paz
não é mera quietude, mas conquista humana.
Sem educação, saúde, saneamento
básico, trabalho, alimentação, moradia, lazer, assistência social, segurança
pública, água, terra, respeito aos idosos e às crianças, enfim, sem o respeito
e promoção dos direitos e garantias fundamentais, não é possível falar de paz. Como
as nações podem viver em paz se seus governantes não respeitam nem promovem os
direitos e garantias fundamentais das pessoas? Como um líder político pode
desejar a paz se não governa em prol do bem comum, mas somente visando pessoas
e grupos? Não é possível falar de paz ignorando a realidade, pois não existe
paz no abstrato. A paz não é uma ideia, nem passa a existir a partir dos belos
discursos elaborados pela inteligência humana.
A paz é fruto da justiça. Ser justo
não é ser bonzinho, nem aparentar senso de justiça. Ser justo é tratar os
outros da mesma forma com que se deseja ser tratado. A justiça exige atitude,
postura, ação honesta e transparente. Justiça é sinônimo de integridade moral,
honradez, prática do bem, correção e dedicação ao bem comum. Uma pessoa justa é
aquela que procura sempre o bem dos outros, distanciando-se do egoísmo e da
indiferença. É mais do que ter conduta ilibada, pois alguém pode ter bom comportamento,
mas não ser solidário com os outros. A solidariedade é a fiel expressão da
justiça. A paz nasce da solidariedade entre as pessoas.
Eis, portanto, o principal motivo de
não termos paz no mundo: As pessoas e instituições se ocupam cada vez mais com
a injustiça. Estamos fartos de notícias que revelam a conduta desonesta de
pessoas e grupos. A política é a área de atuação de muitas delas, mas a
corrupção do gênero humano não se revela somente na atividade política, mas,
sobretudo, no cotidiano de inúmeras pessoas. Elas até almejam a paz, mas não se
esforçam para ser justas consigo mesmas e com os outros. O egoísmo e a
indiferença tem dominado as relações interpessoais. Vive-se como se os outros
não existissem. Muitas ervas daninhas são cultivadas, dentre as quais
encontramos o medo, a desconfiança, a malícia, a inveja, o rancor, a
dissimulação, a perversidade, o apego ao dinheiro e o desejo doentio de
destruir os outros. Quem vive controlado por estas ervas do mal não conhecem
nem promovem a paz.
No seio do cristianismo não é
diferente. As Igrejas cristãs, formadas por inúmeras comunidades, conhecem o
mal da injustiça, que afeta muitos de seus membros. Infelizmente, estas ervas
do mal também estão presentes no seio das comunidades cristãs. Não deveriam,
mas estão. Muitas vezes, esquece-se do Evangelho de Jesus, para se ocupar com a
disputa pelo poder, o espírito de competição, a inveja, o apego ao dinheiro e a
destruição dos outros. Estas realidades diabólicas foram condenadas por Jesus,
pois este ensinou o caminho do poder-serviço, da comunhão, do desapego e da
promoção dos outros. Pessoas e grupos, ao invés de renunciarem a Satanás e suas
obras, renunciam ao Evangelho da unidade e da paz anunciado por Jesus para a
salvação da humanidade.
Neste sentido, o Papa Francisco tem
se ocupado com o anúncio do Evangelho que promove a unidade e a paz. Os inimigos
da paz não o escutam, mas o rejeitam e perseguem. A mensagem do Papa está em
plena sintonia com a mensagem de Jesus. No seio das Igrejas cristãs, somente a
justiça e a comunhão geram a paz. Como anunciar ao mundo a paz que vem de Deus
se no seio das Igrejas cristãs há ódio e violência? O Evangelho de Jesus nunca
perdeu a credibilidade, pois Jesus vivia o que pregava. Sua paixão e morte de
cruz, bem como a sua ressurreição constituem um valoroso e forte testemunho de
vida e de paz. Viver e pregar a paz não é tarefa fácil, e o Papa Francisco sabe
disso. Por isso, como bispo de Roma e responsável por confirmar os irmãos e
irmãs na fé, permanece firme na sua missão de anunciar a paz, fruto da justiça
e da unidade na diversidade.
Para os cristãos que professam a fé
na Igreja católica, Maria, a mãe de Jesus, é modelo de fé e de integridade. Fiel
colaboradora do projeto de Deus, ela meditava a ação divina em seu coração (cf.
Lc 2,19). Maria conheceu o amor de Deus ao se tornar a mãe do Filho de Deus,
trazendo em seu seio o Salvador da humanidade. Por isso, a Igreja católica a
venera, não a considerando acima de Jesus, como que uma espécie de divindade,
mas concebendo-a como discípula missionária do Reino de Deus. No silêncio do
seu coração, ela conheceu o significado da justiça do Reino de Deus, única
justiça que promove a paz. Maria é a expressão viva do povo de Deus em marcha,
povo chamado a ser sinal de vida e liberdade no mundo. Hoje, Deus renova este
convite ao seu povo, para que seja um testemunho vivo de unidade e paz.
Jesus de Nazaré, nascido de Maria,
deu testemunho de homem justo e pacífico; veio para os seus, mas estes não o
receberam. Ainda hoje continua sendo rejeitado por causa da sua mensagem de
paz, tanto dentro quanto fora da religião cristã. Por ele, os cristãos recebem
a graça da filiação adotiva, que confere o dom do Espírito Santo, tornando-os
filhos de Deus (cf. Gl 4,4-6). Os filhos de Deus são chamados a ser filhos da
justiça de Deus, que supera a justiça dos fariseus, fazendo-os participantes do
Reino de Deus (cf. Mt 5,20). Maria aponta para Jesus, ensinando-os a cumprir a
sua vontade (cf. Jo 2,5). Eis, portanto, o sentido da devoção à Maria, que os
católicos expressam com tanta fé e diversidade de formas: Maria, a Mãe de Jesus,
Deus e homem verdadeiro, oferece-nos um convite para fixarmos os olhos em Jesus
e sermos seus discípulos.
É Jesus o centro da fé cristã. Maria
é mãe que orienta e ensina, porque deu à luz a Jesus e conheceu a sua
intimidade. Uma mãe é a mulher mais íntima de seus filhos, única que os conhece
bem. Portanto, sem esta intimidade que Maria teve com Jesus, não é possível ser
discípulo; não é possível ser justo, nem conhecer a paz que vem de Deus. Esta paz
vem desta intimidade com Jesus. Fora da comunhão com Jesus não existe
discipulado, nem fé cristã. Viver a fé torna o crente justo. Em outras
palavras, torna-se justo pela fé, porque “o
justo vive pela fé” (Rm 1,17). Mulher de fé, Maria era justa diante de Deus
e dos homens, por isso Deus a escolheu para ser a mãe do Sol da justiça,
enviado pelo Pai para iluminar os que vivem nas trevas e na sombra da morte
(cf. Lc 1,79).
O início do Ano Novo é uma excelente
oportunidade para uma séria reflexão sobre a conduta pessoal em vista do
compromisso que se deve assumir na construção de uma sociedade mais justa e
fraterna. Gestos, palavras e pensamentos, por mais insignificantes que pareçam
ser, podem contribuir para o bem ou para o mal. Cabe-nos discernir e escolher o
caminho que conduz à vida plena. Para quem professa a fé em Jesus, não há outra
alternativa senão segui-lo, comprometendo-se com o seu projeto, que consiste na
edificação do Reino de Deus, resultado do seguimento pautado na fé, esperança e
amor. Fora disso, não há cristianismo saudável e útil à humanidade; não há
salvação. Para que 2020 seja, de fato, um Ano Novo, velhas manias precisam ser
deixadas para trás. O mundo precisa de pessoas autênticas, justas e promotoras
da paz. Estamos cansados de injustiças.
FELIZ ANO NOVO!
Tiago de França
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