quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

A PAZ É FRUTO DA JUSTIÇA

“A paz é um bem precioso, objeto da nossa esperança; por ela aspira toda a humanidade”. (Papa Francisco, em sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2020)

            Neste dia 1º de janeiro, celebramos o Dia Mundial da Paz. A Igreja católica também celebra a Solenidade de Maria, Mãe de Deus. Inicialmente, queremos relacionar a paz com a prática da justiça, e em seguida vamos olhar para Maria como testemunha fiel da paz que vem de Deus. Por que um dia dedicado à celebração da paz mundial? Como disse o Papa Francisco, a “paz é um bem precioso”. De fato, não há realização pessoal e social possível sem que se tenha paz. Mas a paz não é sinônimo de ausência de conflitos entre as pessoas, grupos e nações. Paz não é mera quietude, mas conquista humana.
            Sem educação, saúde, saneamento básico, trabalho, alimentação, moradia, lazer, assistência social, segurança pública, água, terra, respeito aos idosos e às crianças, enfim, sem o respeito e promoção dos direitos e garantias fundamentais, não é possível falar de paz. Como as nações podem viver em paz se seus governantes não respeitam nem promovem os direitos e garantias fundamentais das pessoas? Como um líder político pode desejar a paz se não governa em prol do bem comum, mas somente visando pessoas e grupos? Não é possível falar de paz ignorando a realidade, pois não existe paz no abstrato. A paz não é uma ideia, nem passa a existir a partir dos belos discursos elaborados pela inteligência humana.
            A paz é fruto da justiça. Ser justo não é ser bonzinho, nem aparentar senso de justiça. Ser justo é tratar os outros da mesma forma com que se deseja ser tratado. A justiça exige atitude, postura, ação honesta e transparente. Justiça é sinônimo de integridade moral, honradez, prática do bem, correção e dedicação ao bem comum. Uma pessoa justa é aquela que procura sempre o bem dos outros, distanciando-se do egoísmo e da indiferença. É mais do que ter conduta ilibada, pois alguém pode ter bom comportamento, mas não ser solidário com os outros. A solidariedade é a fiel expressão da justiça. A paz nasce da solidariedade entre as pessoas.
            Eis, portanto, o principal motivo de não termos paz no mundo: As pessoas e instituições se ocupam cada vez mais com a injustiça. Estamos fartos de notícias que revelam a conduta desonesta de pessoas e grupos. A política é a área de atuação de muitas delas, mas a corrupção do gênero humano não se revela somente na atividade política, mas, sobretudo, no cotidiano de inúmeras pessoas. Elas até almejam a paz, mas não se esforçam para ser justas consigo mesmas e com os outros. O egoísmo e a indiferença tem dominado as relações interpessoais. Vive-se como se os outros não existissem. Muitas ervas daninhas são cultivadas, dentre as quais encontramos o medo, a desconfiança, a malícia, a inveja, o rancor, a dissimulação, a perversidade, o apego ao dinheiro e o desejo doentio de destruir os outros. Quem vive controlado por estas ervas do mal não conhecem nem promovem a paz.
            No seio do cristianismo não é diferente. As Igrejas cristãs, formadas por inúmeras comunidades, conhecem o mal da injustiça, que afeta muitos de seus membros. Infelizmente, estas ervas do mal também estão presentes no seio das comunidades cristãs. Não deveriam, mas estão. Muitas vezes, esquece-se do Evangelho de Jesus, para se ocupar com a disputa pelo poder, o espírito de competição, a inveja, o apego ao dinheiro e a destruição dos outros. Estas realidades diabólicas foram condenadas por Jesus, pois este ensinou o caminho do poder-serviço, da comunhão, do desapego e da promoção dos outros. Pessoas e grupos, ao invés de renunciarem a Satanás e suas obras, renunciam ao Evangelho da unidade e da paz anunciado por Jesus para a salvação da humanidade.
            Neste sentido, o Papa Francisco tem se ocupado com o anúncio do Evangelho que promove a unidade e a paz. Os inimigos da paz não o escutam, mas o rejeitam e perseguem. A mensagem do Papa está em plena sintonia com a mensagem de Jesus. No seio das Igrejas cristãs, somente a justiça e a comunhão geram a paz. Como anunciar ao mundo a paz que vem de Deus se no seio das Igrejas cristãs há ódio e violência? O Evangelho de Jesus nunca perdeu a credibilidade, pois Jesus vivia o que pregava. Sua paixão e morte de cruz, bem como a sua ressurreição constituem um valoroso e forte testemunho de vida e de paz. Viver e pregar a paz não é tarefa fácil, e o Papa Francisco sabe disso. Por isso, como bispo de Roma e responsável por confirmar os irmãos e irmãs na fé, permanece firme na sua missão de anunciar a paz, fruto da justiça e da unidade na diversidade.
            Para os cristãos que professam a fé na Igreja católica, Maria, a mãe de Jesus, é modelo de fé e de integridade. Fiel colaboradora do projeto de Deus, ela meditava a ação divina em seu coração (cf. Lc 2,19). Maria conheceu o amor de Deus ao se tornar a mãe do Filho de Deus, trazendo em seu seio o Salvador da humanidade. Por isso, a Igreja católica a venera, não a considerando acima de Jesus, como que uma espécie de divindade, mas concebendo-a como discípula missionária do Reino de Deus. No silêncio do seu coração, ela conheceu o significado da justiça do Reino de Deus, única justiça que promove a paz. Maria é a expressão viva do povo de Deus em marcha, povo chamado a ser sinal de vida e liberdade no mundo. Hoje, Deus renova este convite ao seu povo, para que seja um testemunho vivo de unidade e paz.
            Jesus de Nazaré, nascido de Maria, deu testemunho de homem justo e pacífico; veio para os seus, mas estes não o receberam. Ainda hoje continua sendo rejeitado por causa da sua mensagem de paz, tanto dentro quanto fora da religião cristã. Por ele, os cristãos recebem a graça da filiação adotiva, que confere o dom do Espírito Santo, tornando-os filhos de Deus (cf. Gl 4,4-6). Os filhos de Deus são chamados a ser filhos da justiça de Deus, que supera a justiça dos fariseus, fazendo-os participantes do Reino de Deus (cf. Mt 5,20). Maria aponta para Jesus, ensinando-os a cumprir a sua vontade (cf. Jo 2,5). Eis, portanto, o sentido da devoção à Maria, que os católicos expressam com tanta fé e diversidade de formas: Maria, a Mãe de Jesus, Deus e homem verdadeiro, oferece-nos um convite para fixarmos os olhos em Jesus e sermos seus discípulos.
            É Jesus o centro da fé cristã. Maria é mãe que orienta e ensina, porque deu à luz a Jesus e conheceu a sua intimidade. Uma mãe é a mulher mais íntima de seus filhos, única que os conhece bem. Portanto, sem esta intimidade que Maria teve com Jesus, não é possível ser discípulo; não é possível ser justo, nem conhecer a paz que vem de Deus. Esta paz vem desta intimidade com Jesus. Fora da comunhão com Jesus não existe discipulado, nem fé cristã. Viver a fé torna o crente justo. Em outras palavras, torna-se justo pela fé, porque “o justo vive pela fé” (Rm 1,17). Mulher de fé, Maria era justa diante de Deus e dos homens, por isso Deus a escolheu para ser a mãe do Sol da justiça, enviado pelo Pai para iluminar os que vivem nas trevas e na sombra da morte (cf. Lc 1,79).
            O início do Ano Novo é uma excelente oportunidade para uma séria reflexão sobre a conduta pessoal em vista do compromisso que se deve assumir na construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Gestos, palavras e pensamentos, por mais insignificantes que pareçam ser, podem contribuir para o bem ou para o mal. Cabe-nos discernir e escolher o caminho que conduz à vida plena. Para quem professa a fé em Jesus, não há outra alternativa senão segui-lo, comprometendo-se com o seu projeto, que consiste na edificação do Reino de Deus, resultado do seguimento pautado na fé, esperança e amor. Fora disso, não há cristianismo saudável e útil à humanidade; não há salvação. Para que 2020 seja, de fato, um Ano Novo, velhas manias precisam ser deixadas para trás. O mundo precisa de pessoas autênticas, justas e promotoras da paz. Estamos cansados de injustiças.

FELIZ ANO NOVO!

Tiago de França

Nenhum comentário: