No dia 10 de dezembro de 1948,
a Assembleia Geral da ONU, em Paris, adotou o texto da Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Trata-se de um texto que traz um conjunto de princípios
norteadores para a construção da solidariedade, da justiça e da paz no mundo.
Considerando a atual situação do Brasil, temos alguma coisa para comemorar? Vivemos
tempos sombrios.
Apesar do trágico cenário no qual estamos inseridos,
precisamos considerar que temos um número significativo de pessoas e
instituições que, diuturnamente, lutam na defesa e promoção dos direitos
humanos. São pessoas que vivem sendo constantemente ameaçadas. São instituições
que carecem, muitas vezes, de apoio e reconhecimento. Mas mesmo assim,
permanecem firmes e perseverantes na luta pelos direitos humanos.
Um grande número de brasileiros, infelizmente, induzidos
por um grupo de gente ignorante e maliciosamente interesseira, pensam que “direitos
humanos só servem pra proteger bandido!” Esta afirmação é famosa, e nas
eleições deste ano, o eleito presidente da República insistiu em dizer que
comunga com este pensamento. Lastimavelmente, este eleito foi diplomado hoje. Na
verdade, não foi diplomação, mas puro deboche.
A ideologia “direitos humanos só servem pra proteger
bandido!” revela a ignorância de grande parcela do povo. É uma ideologia que
beneficia os ricos e poderosos do País. Estes são os que vivem à custa do suor
e do sangue da maioria. Esta minoria rica não está preocupada com a situação
dos pobres, negros, crianças, mulheres, indígenas, quilombolas, LGBTs, jovens,
idosos e outras categorias de gente excluída. Esta multidão constitui as
minorias do País.
Quando afirmam que os “direitos humanos só servem pra
proteger bandidos!”, na verdade, estão querendo esconder a triste realidade
brasileira, que tende a se agravar nos próximos anos. Quem quiser ter uma ideia
de como serão tratados os direitos humanos nos próximos anos, basta observar o
currículo e o histórico dos ministros indicados pelo presidente eleito. Não é
possível que estes indicados traiam as suas biografias. Certamente, vão agir
conforme o currículo e o histórico que possuem. São figuras assustadoras.
Qual é a nossa situação? Por mais que a mídia tente
desviar o foco das atenções do público, a realidade está aí, nua e crua. Somos um
País marcado pela matança de pessoas. Fere-se, facilmente, o direito à vida. Mais
de 63 mil pessoas são assassinadas a cada ano. Somos o País que mais mata
travesti no planeta terra. Milhares de mulheres são desrespeitadas, estupradas,
espancadas e mortas. O machismo é uma das marcas da nossa “cultura”.
A concentração de renda cresce cada vez mais, ao mesmo
que tempo em que cresce, assustadoramente, o número de pobres e miseráveis. Estamos
voltando ao mapa da fome. Nossos adolescentes e jovens terminam o ensino médio
(quando terminam!), sem saber ler e escrever corretamente. A falta de educação
de qualidade para todos faz crescer o número de analfabetos funcionais, bem
como daqueles que não tem a mínima noção da realidade: brasileiros que não tem
noção do que está acontecendo no Brasil.
Os presídios estão lotados de pobres, negros, analfabetos
e pobres. Somos o terceiro país do mundo com o maior número de presos, sendo
que um terço deles estão aguardando julgamento, ainda. A grande maioria, quando
consegue cumprir a totalidade da pena imposta, não consegue reconstruir a
própria vida. A maioria retorna ao mundo do crime. Dia e noite, nossos policiais
matam e morrem. E o que o governo manda fazer é: Matem mais! “Bandido bom é
bandido morto!” Este “bandido bom” é o favelado, pobre, negro e jovem: os sem
nada na vida!
Apesar
do aumento da insegurança, continuam acreditando que matar é a solução. Para isso,
reivindicam a liberação do porte de armas e a excludente de ilicitude para
policiais, dando-lhes poder para matar, indiscriminadamente. A vida humana
perdeu o seu valor. Quem mata é aplaudido e condecorado. Matam cinco suspeitos
e aparecem cinquenta. Há um círculo vicioso de mortes dos pobres. Ninguém vê
gente rica sendo morta nem punida na forma da lei, pelos crimes que pratica. O aparelho
estatal é usado para mandar matar, para dar a impressão de que o Estado está
cumprindo o seu papel.
O desmatamento
da Amazônia cresce a cada dia. Os ricos compram terras e invadem outros. Os grandes
invasores de terras no Brasil são os ricos, verdadeiros grileiros. Para isso,
expulsam os povos originários de suas terras, e tomam as que pertencem à União.
A regra é desmatar para produzir. Dizem que é para produzir riqueza para o
país, para que o PIB (Produto Interno Bruto) cresça. Mas este PIB cresce para
quem? Para os ricos. O PIB cresce, mas os pobres permanecem na miséria e a
desigualdade social aumenta.
Na escola,
a violência virou quase a regra. Há a ilusão de que se ensina e se aprende. E para
completar a situação, querem impor a “Escola sem partido”. Esta significa:
Escola com o partido do governo eleito. Trata-se da junção da doutrina
neoliberal com o conservadorismo. Querem ensinar às crianças e jovens que o
melhor para os EUA é o melhor para o Brasil, e que ser patriota significa ser
gerenciado pelos EUA.
Acredita-se
que os norteamericanos querem ajudar o Brasil a se transformar numa potência
econômica. Além disso, desejam também trabalhar uma agenda conservadora,
alicerçada nos valores tradicionais exclusivistas, cujo resultado será o
controle da maioria sobre as minorias. A regra é transformar o Brasil em um
país cristão, sendo o fundamentalismo a marca deste cristianismo. Os que
desejam impor este conservadorismo extremado afirmam que os “direitos humanos é
coisa de comunista!”
Estas
e tantas outras situações revelam uma sistemática violação dos direitos humanos
no Brasil. É um fato que muito nos envergonha perante o mundo. De uns tempos
para cá, principalmente após o golpe parlamentar de 2016, o Brasil tem ganhado
a fama de ser um país intolerante e marcado por inúmeras e graves violações. Assim
como em muitas partes do mundo, cresce no Brasil a cultura da intolerância e
desrespeito às liberdades individuais e coletivas. Os direitos fundamentais são
tratados como se fossem privilégio de grupos isolados, o que, na verdade, são
direitos de todos, que devem ser assegurados pelo Estado.
O que
fazer diante desta situação triste e vergonhosa? Certamente, as pessoas
precisam tomar conhecimento do verdadeiro significado dos direitos humanos. Precisam,
definitivamente, aprender que estes direitos são universais, inalienáveis e
imprescindíveis à promoção da dignidade da pessoa humana. É necessário que
surjam líderes para reunir o povo, para despertar a consciência crítica e o
interesse em agir coletivamente para que se crie uma cultura da resistência. Com
criatividade, ousadia e coragem, partindo da realidade dos pobres, é possível
criar outro mundo possível, alicerçado na justiça que constrói a paz.
É urgente
que as pessoas se reúnam e se organizem nas Igrejas, nos partidos políticos,
nas associações e sindicatos, utilizando das mídias sociais e outros meios,
para a construção de uma ampla frente de resistência popular. Somente assim é
possível preservar os direitos conquistados e conseguir que outros sejam
implementados.
Governos
autoritários e inclinados à corrupção somente podem ser vencidos na força da
resistência organizada e consciente do seu papel. Sem organização que vise a
promoção do bem comum, restará somente um povo que reclama, mas que não luta
pela sua libertação. Hoje, como em outras épocas, buscando novas formas de
organização e manifestação, resta-nos trilhar o caminho da liberdade. Sim, isto
é possível. Não podemos nos curvar diante dos que nos oprimem. O ser humano é
chamado a ser livre, e somente se realiza na liberdade.
Tiago
de França
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