segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos


           No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU, em Paris, adotou o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trata-se de um texto que traz um conjunto de princípios norteadores para a construção da solidariedade, da justiça e da paz no mundo. Considerando a atual situação do Brasil, temos alguma coisa para comemorar? Vivemos tempos sombrios.

            Apesar do trágico cenário no qual estamos inseridos, precisamos considerar que temos um número significativo de pessoas e instituições que, diuturnamente, lutam na defesa e promoção dos direitos humanos. São pessoas que vivem sendo constantemente ameaçadas. São instituições que carecem, muitas vezes, de apoio e reconhecimento. Mas mesmo assim, permanecem firmes e perseverantes na luta pelos direitos humanos.

            Um grande número de brasileiros, infelizmente, induzidos por um grupo de gente ignorante e maliciosamente interesseira, pensam que “direitos humanos só servem pra proteger bandido!” Esta afirmação é famosa, e nas eleições deste ano, o eleito presidente da República insistiu em dizer que comunga com este pensamento. Lastimavelmente, este eleito foi diplomado hoje. Na verdade, não foi diplomação, mas puro deboche.

            A ideologia “direitos humanos só servem pra proteger bandido!” revela a ignorância de grande parcela do povo. É uma ideologia que beneficia os ricos e poderosos do País. Estes são os que vivem à custa do suor e do sangue da maioria. Esta minoria rica não está preocupada com a situação dos pobres, negros, crianças, mulheres, indígenas, quilombolas, LGBTs, jovens, idosos e outras categorias de gente excluída. Esta multidão constitui as minorias do País.

            Quando afirmam que os “direitos humanos só servem pra proteger bandidos!”, na verdade, estão querendo esconder a triste realidade brasileira, que tende a se agravar nos próximos anos. Quem quiser ter uma ideia de como serão tratados os direitos humanos nos próximos anos, basta observar o currículo e o histórico dos ministros indicados pelo presidente eleito. Não é possível que estes indicados traiam as suas biografias. Certamente, vão agir conforme o currículo e o histórico que possuem. São figuras assustadoras.

            Qual é a nossa situação? Por mais que a mídia tente desviar o foco das atenções do público, a realidade está aí, nua e crua. Somos um País marcado pela matança de pessoas. Fere-se, facilmente, o direito à vida. Mais de 63 mil pessoas são assassinadas a cada ano. Somos o País que mais mata travesti no planeta terra. Milhares de mulheres são desrespeitadas, estupradas, espancadas e mortas. O machismo é uma das marcas da nossa “cultura”.

            A concentração de renda cresce cada vez mais, ao mesmo que tempo em que cresce, assustadoramente, o número de pobres e miseráveis. Estamos voltando ao mapa da fome. Nossos adolescentes e jovens terminam o ensino médio (quando terminam!), sem saber ler e escrever corretamente. A falta de educação de qualidade para todos faz crescer o número de analfabetos funcionais, bem como daqueles que não tem a mínima noção da realidade: brasileiros que não tem noção do que está acontecendo no Brasil.

            Os presídios estão lotados de pobres, negros, analfabetos e pobres. Somos o terceiro país do mundo com o maior número de presos, sendo que um terço deles estão aguardando julgamento, ainda. A grande maioria, quando consegue cumprir a totalidade da pena imposta, não consegue reconstruir a própria vida. A maioria retorna ao mundo do crime. Dia e noite, nossos policiais matam e morrem. E o que o governo manda fazer é: Matem mais! “Bandido bom é bandido morto!” Este “bandido bom” é o favelado, pobre, negro e jovem: os sem nada na vida!

Apesar do aumento da insegurança, continuam acreditando que matar é a solução. Para isso, reivindicam a liberação do porte de armas e a excludente de ilicitude para policiais, dando-lhes poder para matar, indiscriminadamente. A vida humana perdeu o seu valor. Quem mata é aplaudido e condecorado. Matam cinco suspeitos e aparecem cinquenta. Há um círculo vicioso de mortes dos pobres. Ninguém vê gente rica sendo morta nem punida na forma da lei, pelos crimes que pratica. O aparelho estatal é usado para mandar matar, para dar a impressão de que o Estado está cumprindo o seu papel.

O desmatamento da Amazônia cresce a cada dia. Os ricos compram terras e invadem outros. Os grandes invasores de terras no Brasil são os ricos, verdadeiros grileiros. Para isso, expulsam os povos originários de suas terras, e tomam as que pertencem à União. A regra é desmatar para produzir. Dizem que é para produzir riqueza para o país, para que o PIB (Produto Interno Bruto) cresça. Mas este PIB cresce para quem? Para os ricos. O PIB cresce, mas os pobres permanecem na miséria e a desigualdade social aumenta.

Na escola, a violência virou quase a regra. Há a ilusão de que se ensina e se aprende. E para completar a situação, querem impor a “Escola sem partido”. Esta significa: Escola com o partido do governo eleito. Trata-se da junção da doutrina neoliberal com o conservadorismo. Querem ensinar às crianças e jovens que o melhor para os EUA é o melhor para o Brasil, e que ser patriota significa ser gerenciado pelos EUA.

Acredita-se que os norteamericanos querem ajudar o Brasil a se transformar numa potência econômica. Além disso, desejam também trabalhar uma agenda conservadora, alicerçada nos valores tradicionais exclusivistas, cujo resultado será o controle da maioria sobre as minorias. A regra é transformar o Brasil em um país cristão, sendo o fundamentalismo a marca deste cristianismo. Os que desejam impor este conservadorismo extremado afirmam que os “direitos humanos é coisa de comunista!”

Estas e tantas outras situações revelam uma sistemática violação dos direitos humanos no Brasil. É um fato que muito nos envergonha perante o mundo. De uns tempos para cá, principalmente após o golpe parlamentar de 2016, o Brasil tem ganhado a fama de ser um país intolerante e marcado por inúmeras e graves violações. Assim como em muitas partes do mundo, cresce no Brasil a cultura da intolerância e desrespeito às liberdades individuais e coletivas. Os direitos fundamentais são tratados como se fossem privilégio de grupos isolados, o que, na verdade, são direitos de todos, que devem ser assegurados pelo Estado.

O que fazer diante desta situação triste e vergonhosa? Certamente, as pessoas precisam tomar conhecimento do verdadeiro significado dos direitos humanos. Precisam, definitivamente, aprender que estes direitos são universais, inalienáveis e imprescindíveis à promoção da dignidade da pessoa humana. É necessário que surjam líderes para reunir o povo, para despertar a consciência crítica e o interesse em agir coletivamente para que se crie uma cultura da resistência. Com criatividade, ousadia e coragem, partindo da realidade dos pobres, é possível criar outro mundo possível, alicerçado na justiça que constrói a paz.

É urgente que as pessoas se reúnam e se organizem nas Igrejas, nos partidos políticos, nas associações e sindicatos, utilizando das mídias sociais e outros meios, para a construção de uma ampla frente de resistência popular. Somente assim é possível preservar os direitos conquistados e conseguir que outros sejam implementados.

Governos autoritários e inclinados à corrupção somente podem ser vencidos na força da resistência organizada e consciente do seu papel. Sem organização que vise a promoção do bem comum, restará somente um povo que reclama, mas que não luta pela sua libertação. Hoje, como em outras épocas, buscando novas formas de organização e manifestação, resta-nos trilhar o caminho da liberdade. Sim, isto é possível. Não podemos nos curvar diante dos que nos oprimem. O ser humano é chamado a ser livre, e somente se realiza na liberdade.

Tiago de França

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