Geralmente, as pessoas
confundem Direito com Justiça, bem como Justiça com Judiciário. Em breves
linhas, queremos oferecer algumas provocações que podem ajudar a clarear um
pouco as diferenças não somente conceituais, mas, sobretudo, práticas destas realidades.
O Direito é uma ciência. No curso de Direto fala-se da
possibilidade de uma ciência jurídica. Assim como as demais ciências, a ciência
jurídica é criação humana, sujeita a manipulações. O homem criou o Direito e o
aperfeiçoa a partir das evoluções que vão se dando nas diversas sociedades ao
longo da história.
Como ciência, há teorias e técnicas. De forma sucinta,
podemos dizer que no Direito, temos as leis, que podem ser materiais e
processuais. Lei material trata dos direitos em geral como, por exemplo, o
direito à educação. Há uma hierarquia entre as leis, estando a Constituição no
topo da pirâmide legal. A Constituição é a Lei Maior, a Lei Fundamental, a
Carta Magna. Abaixo dela, podemos encontrar as demais leis: complementares e
ordinárias, entre outros regulamentos.
A lei processual é a que rege os processos. Temos a lei
processual civil (código de processo civil), a lei processual penal (código de
processo penal) e outras. Isso significa que o processo não pode ser realizado
de qualquer forma, pois há leis que regem os processos. Há ritos processuais a
serem observados, para que se possa ter a legalidade na aplicação da lei. Processos
que fogem da lei processuais são nulos, ou viciados, impondo-se a nulidade, ou
a revisão processual.
Portanto, a ciência jurídica é técnica e exige habilidade.
O operador do Direito (juiz, advogado, ministério público) são pessoas que
estudam a ciência jurídica e são capacitados para lidar com ela. São técnicos,
manipuladores (no bom sentido do termo) da ciência e da técnica processuais. Sem
o estudo sistemático da ciência jurídica, toda e qualquer opinião não passa de
achismo. Em matéria científica, o achismo não tem valor, pois, em ciência, “quem
acha” não conhece.
Isso significa, ainda, que todos os institutos materiais
e processuais do Direito possuem fundamentação, que implica conhecimento da
matéria (daquilo que cada instituto significa) e da técnica processual (do como
se aplica). Em outras palavras, é necessário saber o que é e como se aplica. Durante
todo o curso de Direito, em um percurso formativo de cinco anos, aprende-se,
sistematicamente, estas duas coisas: o que é e como se aplica cada instituto do
Direito. A sistemática jurídica é complexa, densa e sujeita a constantes
atualizações.
Nos Tribunais temos a jurisprudência, que consiste no
entendimento firmado acerca de determinada questão, que passa a ser seguido de
forma vinculante (obrigatória). A jurisprudência, na prática jurídica, funciona
como que uma lei processual que deve ser observada. Não é lei, mas é como se
fosse. Exemplo: a partir da última decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a
prisão após condenação em segunda instância, a jurisprudência deste Tribunal
firmou o entendimento vinculante de que não se pode mandar prender após a
condenação em segunda instância, exceto nos casos em que caiba prisão, nos
termos do artigo 282 do Código de Processo Penal (medidas cautelares).
No curso de Direito se aprende que aos operadores do
Direito, enquanto seres humanos dotados de subjetividade, é possível a
manipulação (no mau sentido da palavra) do Direito para fins contrários à
justiça; considerando que esta é o resultado daquele. Facilmente, o Direito
pode se transformar em instrumento de opressão e, portanto, de injustiças. A manipulação
da ciência jurídica, praticada nos Tribunais, mostra que é possível
desrespeitar os direitos e garantias fundamentais se utilizando da própria lei.
Trata-se do que se passou a chamar de injustiça institucionalmente legalizada.
O legislador, aquele que cria as leis (Poder Legislativo:
vereadores, deputados e senadores), é capaz de criar leis injustas, e nos
Tribunais estas leis podem ser aplicadas, sem dar ao cidadão a possibilidade de
recorrer a quem quer que seja. Se a lei injusta foi criada respeitando-se o processo
legislativo previsto, e se os Tribunais aplicam tal lei respeitando o devido
processo legal, o cidadão vai recorrer a quem? Parece ser isto que está
acontecendo no Brasil. Dois exemplos claros disso são as reformas trabalhista e
previdenciária, que foram pensadas não para beneficiar os que mais precisam,
mas para manter as vantagens e privilégios dos mais ricos dos brasileiros.
Além da aplicação de leis injustas, os juízes, únicos que
podem julgar, segundo a Constituição, podem também cometer injustiças contra as
pessoas, principalmente as pessoas pobres. Estas pessoas costumam repetir nas
rodas de conversas: “O pobre não tem vez quando procura a Justiça”. Corrigindo
a expressão, o correto seria dizer: “O pobre não tem vez quando procura o
Judiciário”. Muitas vezes, este não pratica a Justiça. De modo geral, os pobres
não encontram saída, sendo, portanto, obrigados a sofrer sem ter para onde
correr: “Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come!”, diz o ditado
popular.
É verdade que existem bons juízes, preocupados com esta
situação. Juízes que aplicam a lei, de forma justa, e até questionam as leis
injustas, esforçando-se para torná-las menos nocivas aos mais pobres. Estes juízes
existem, mas não constituem a maioria da magistratura. Os mais ricos sabem
disso, e encontram na maioria do Judiciário, do Executivo e do Legislativo o
apoio necessário para manter suas vantagens e privilégios injustos. A maioria
dos que compõem estes três poderes da República veio das famílias ricas. Por isso,
a tendência é defender os interesses dos ricos. Esta é uma realidade histórica.
As notícias revelam uma realidade vergonhosa de
manipulação judicial. Muitas decisões judiciais são visivelmente injustas, pois
não correspondem ao que se considera Justiça. Basta ter bom senso para perceber
que tais decisões são viciadas, pautadas na subjetividade de quem trabalha para
beneficiar pessoas e grupos, em detrimento do bem comum. São decisões que ferem
os direitos e garantias, violando, assim, a dignidade da pessoa humana, princípio
fundamental da ordem constitucional vigente.
Um caso, entre outros, que revela esta vergonhosa situação
é o da investigação da Polícia Federal na Bahia. A operação Faroeste, cuja 4ª
fase foi deflagrada nesta quinta-feira, 19 de dezembro, investiga um suposto
esquema criminoso de venda de decisões judiciais por juízes e desembargadores
do Tribunal de Justiça da Bahia. É apenas uma demonstração, pois não se trata
de caso isolado. O mais vergonhoso é saber que, muitas vezes, estas
investigações não resultam em condenação e cumprimento de sentença. Quando o
réu é juiz, o processo se desenrola por anos, e quando não resulta em condenação,
ocorre a prescrição do crime, livrando o réu da necessária punição.
Por incrível que pareça, a saída para este problema está
no exercício livre e consciente do voto nas eleições. As pessoas precisam ter
consciência da importância do Poder Legislativo para o progresso do País. Vereadores,
deputados e senadores criam as leis. No Estado Democrático de Direito, a
economia, a cultura e todas as demais dimensões da vida social dependem da
política.
O Brasil
precisa de políticos competentes e honestos. E não adianta dizer que não existe
político honesto. Isso é mentira. Temos boas pessoas na política, e outras
desejosas de atuar na política partidária. O problema está na falta de educação
política, que provoca o que estamos assistindo hoje: políticos incompetentes e
desonestos, eleitos por uma nação formada por gente ignorante (a maioria do
povo brasileiro não sabe sequer o significado da palavra política!).
Bons políticos
acreditam na educação como caminho capaz de assegurar o verdadeiro progresso. Uma
educação de qualidade, acessível a todos. Uma educação que não priorize a
criação de mão de obra para o mercado financeiro, mas capacite as pessoas não
somente para atuar no mercado de trabalho, mas, sobretudo, atuar na sociedade
como cidadãos livres e conscientes. A maioria de nossos políticos revela o
tamanho da ignorância da grande maioria do povo brasileiro.
Se tivéssemos
uma educação de qualidade, acessível a todos e que promovesse a conscientização
dos brasileiros, o País certamente seria diferente, mais justo e menos
desigual. Teríamos cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres; políticos
atuantes, que agiriam em prol do bem comum; juízes competentes e promotores da
justiça social; enfim, um povo verdadeiramente brasileiro, livre e igualitário,
modelo para o resto do mundo.
Tiago
de França
2 comentários:
A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto. (Darcy Ribeiro). Se tivéssemos uma educação libertadora, como dizia Paulo Freire, o país seria muito melhor. Mas o sistema não quer.
Verdade, Ana. Estamos vivenciando uma situação vergonhosa. Rezemos.
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