sábado, 14 de dezembro de 2019

Para conhecer Jesus


“Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!” (Mt 11, 6)

            Na liturgia da Igreja católica, estamos no Tempo do Advento: tempo de esperança e de alegria. No primeiro momento, celebra-se a esperança pela vinda do Senhor (parusia); no segundo momento, os católicos são chamados a se prepararem para a celebração do Natal do Senhor, a festa solene da encarnação do Verbo de Deus, Jesus, o Messias enviado.

            Nestas breves linhas, queremos meditar o texto de Mt 11, 2-11, que será proclamado na liturgia do III Domingo do Advento. O texto começa falando que o profeta João Batista estava preso e recebia notícias sobre Jesus. Parece que o profeta não estava acreditando no que ouvia, e resolveu enviar alguns dos seus discípulos para saber se Jesus era o Messias, ou se seria um outro.

            Desconcertante é a resposta de Jesus: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo” (v.4). Jesus não fala das Escrituras que discorriam a seu respeito, nem apresenta uma reflexão teológica sobre o Messias. Também não apresenta uma doutrina nova. Ele convida a ouvir e ver, fazendo referência às suas obras: “os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados” (v.5).

            Para conhecer Jesus é necessário ouvir e ver as suas obras. Pelas obras se conhece quem é o Messias prometido. As obras revelam a predileção divina pelos esquecidos: cegos, paralíticos, leprosos, surdos e pobres. Quem se interessa por essa gente? Em todas as épocas da história, essa gente sempre foi esquecida e posta à margem da sociedade. Jesus revela que Deus se interessa por estas pessoas. Elas são a “menina dos olhos” de Deus. As categorias mencionadas por Jesus representam todos os desvalidos de todos os tempos e lugares.

            No Brasil atual, estes desvalidos são os desempregados, os indígenas, os negros, os homossexuais, as crianças, a mulher marginalizada, e todos aqueles que sofrem as consequências das opções opressoras do atual governo. Deus olha para todas estas pessoas e exige dos seguidores de Jesus que escutem e vejam o seu clamor. Jesus revela que Deus não está presente nas Igrejas que tapam os ouvidos e fecham os olhos para a triste realidade destes sofredores.

            Todos aqueles que exploram os pobres não podem abrir a boca para dizer que amam a Deus. Trata-se de uma terrível mentira. Para amar a Deus é preciso amar o próximo. No Brasil, boa parcela dos governantes se autodeclara “crente”, e verbaliza a defesa da moral e dos bons costumes. Mas suas ações são más, porque contrárias ao bem-estar dos desvalidos da sociedade. Jesus nos fala que estes “crentes” são sepulcros caiados, filhos de Satanás, porque devoram a carne dos pobres, tirando o pão da boca dos famintos, maltratando aqueles que são os prediletos de Deus.

            Às nossas Igrejas, Jesus ensina que o mais importante não é a lei, a doutrina, o templo, as rubricas litúrgicas, nem a conservação das estruturas que não mais correspondem às demandas dos nossos dias. O mais importante é a pessoa. Como estão as pessoas? Quais os seus sofrimentos? Como se relacionam com Deus? Como enxergam a Deus? O que fazer para que o mundo se torne menos injusto e mais fraterno? Estas são as perguntas que Jesus nos faz hoje, quando nos pede para ouvir e ver.

            Para conhecer Jesus é necessário abrir os olhos e os ouvidos. Escutar as pessoas, seus lamentos, sua situação. Ver a realidade do mundo, para enxergar a Presença divina que tudo abraça e transforma. O olhar contemplativo é o diferencial do cristão. Ver para enxergar e discernir. Aguçar o ouvido para escutar a voz de Deus que fala pela boca das pessoas. O grito dos injustiçados é o clamor do Cristo crucificado. Este clamor não pode ser ignorado por quem segue a Jesus. Como seguir a Jesus, ignorando o seu clamor na vida das vítimas deste mundo? Como prestar culto a Deus, sem ouvir o clamor das vítimas?...

            Diuturnamente, somos tentados a não ouvir nem ver. É verdade que a todo momento somos bombardeados por imagens e ruídos de todo tipo. Tudo conduz à dispersão. Praticamente, ninguém silencia para ouvir. A sociedade barulhenta provoca agitação. Vivemos em meio à gritaria. Há gritos que tendem a abafar o clamor dos sofredores. Há imagens que são criadas para cegar as pessoas, iludindo-as, porque escondem a realidade. A quantidade de pessoas cegas e surdas é assustadora: possuem ouvidos, mas não escutam; possuem olhos, mas não enxergam. Por isso, não conseguem escapar do precipício para onde são levadas. Tiraram-lhes a capacidade de ver e de ouvir.

            O cristão é alguém que viver acordado, pois enxerga e escuta. Quem permanece neste estado jamais se escandaliza por causa de Jesus; e não se escandaliza porque consegue ver as obras de Jesus e escutar a sua voz. Eis, portanto, a missão das Igrejas e, consequentemente, de cada cristão: conduzir as pessoas a Cristo Jesus, para que elas, encontrando-se com Ele, possam abrir os olhos e os ouvidos para ver e ouvir. E Jesus está na vida cotidiana do povo sofrido. Quem quiser se encontrar com Ele, não há outro lugar.

O católico pode até querer permanecer com Ele no conforto da adoração eucarística, numa bela e confortável capela do Santíssimo. Mas nesta capela, no silêncio da adoração, ele diz: Vai, eu te envio! Vai para o meio dos que sofrem! Toca as minhas chagas nos corpos dos irmãos e irmãs que encontrares pelo caminho! Meu caminho é movimento, ação e presença amorosa juntos aos outros. Levanta-te e anda!

Tiago de França

6 comentários:

Betka disse...

Lindo! É isso mesmo, Tiago!

Tiago de França disse...

Obrigado!

Unknown disse...

Excelente, Tiago. Sua reflexão faz todo o sentido para mim. Espero que toque o coração de outros cristãos e não cristãos também. Divulguei com maior parte de meus amigos. ABS.

Tiago de França disse...

Obrigado!
Abraço fraterno.

Zorenilton disse...

Deus seja louvado. Ótima reflexão.
Já fico no aguardo da próxima.

Tiago de França disse...

Obrigado, caro diácono!
Abraço fraterno.