“Feliz aquele que não
se escandaliza por causa de mim!” (Mt 11, 6)
Na liturgia da Igreja católica,
estamos no Tempo do Advento: tempo de esperança e de alegria. No primeiro
momento, celebra-se a esperança pela vinda do Senhor (parusia); no segundo
momento, os católicos são chamados a se prepararem para a celebração do Natal
do Senhor, a festa solene da encarnação do Verbo de Deus, Jesus, o Messias
enviado.
Nestas breves linhas, queremos
meditar o texto de Mt 11, 2-11, que será proclamado na liturgia do III Domingo
do Advento. O texto começa falando que o profeta João Batista estava preso e
recebia notícias sobre Jesus. Parece que o profeta não estava acreditando no
que ouvia, e resolveu enviar alguns dos seus discípulos para saber se Jesus era
o Messias, ou se seria um outro.
Desconcertante é a resposta de
Jesus: “Ide contar a João o que estais
ouvindo e vendo” (v.4). Jesus não fala das Escrituras que discorriam a seu
respeito, nem apresenta uma reflexão teológica sobre o Messias. Também não
apresenta uma doutrina nova. Ele convida a ouvir e ver, fazendo referência às
suas obras: “os cegos recuperam a vista,
os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos
ressuscitam e os pobres são evangelizados” (v.5).
Para conhecer Jesus é necessário
ouvir e ver as suas obras. Pelas obras se conhece quem é o Messias prometido. As
obras revelam a predileção divina pelos esquecidos: cegos, paralíticos,
leprosos, surdos e pobres. Quem se interessa por essa gente? Em todas as épocas
da história, essa gente sempre foi esquecida e posta à margem da sociedade. Jesus
revela que Deus se interessa por estas pessoas. Elas são a “menina dos olhos”
de Deus. As categorias mencionadas por Jesus representam todos os desvalidos de
todos os tempos e lugares.
No Brasil atual, estes desvalidos
são os desempregados, os indígenas, os negros, os homossexuais, as crianças, a
mulher marginalizada, e todos aqueles que sofrem as consequências das opções
opressoras do atual governo. Deus olha para todas estas pessoas e exige dos
seguidores de Jesus que escutem e vejam o seu clamor. Jesus revela que Deus não
está presente nas Igrejas que tapam os ouvidos e fecham os olhos para a triste
realidade destes sofredores.
Todos aqueles que exploram os pobres
não podem abrir a boca para dizer que amam a Deus. Trata-se de uma terrível
mentira. Para amar a Deus é preciso amar o próximo. No Brasil, boa parcela dos
governantes se autodeclara “crente”, e verbaliza a defesa da moral e dos bons
costumes. Mas suas ações são más, porque contrárias ao bem-estar dos desvalidos
da sociedade. Jesus nos fala que estes “crentes” são sepulcros caiados, filhos
de Satanás, porque devoram a carne dos pobres, tirando o pão da boca dos
famintos, maltratando aqueles que são os prediletos de Deus.
Às nossas Igrejas, Jesus ensina que o
mais importante não é a lei, a doutrina, o templo, as rubricas litúrgicas, nem
a conservação das estruturas que não mais correspondem às demandas dos nossos
dias. O mais importante é a pessoa. Como estão as pessoas? Quais os seus sofrimentos?
Como se relacionam com Deus? Como enxergam a Deus? O que fazer para que o mundo
se torne menos injusto e mais fraterno? Estas são as perguntas que Jesus nos
faz hoje, quando nos pede para ouvir e ver.
Para conhecer Jesus é necessário
abrir os olhos e os ouvidos. Escutar as pessoas, seus lamentos, sua situação. Ver
a realidade do mundo, para enxergar a Presença divina que tudo abraça e
transforma. O olhar contemplativo é o diferencial do cristão. Ver para enxergar
e discernir. Aguçar o ouvido para escutar a voz de Deus que fala pela boca das
pessoas. O grito dos injustiçados é o clamor do Cristo crucificado. Este clamor
não pode ser ignorado por quem segue a Jesus. Como seguir a Jesus, ignorando o
seu clamor na vida das vítimas deste mundo? Como prestar culto a Deus, sem
ouvir o clamor das vítimas?...
Diuturnamente, somos tentados a não
ouvir nem ver. É verdade que a todo momento somos bombardeados por imagens e
ruídos de todo tipo. Tudo conduz à dispersão. Praticamente, ninguém silencia
para ouvir. A sociedade barulhenta provoca agitação. Vivemos em meio à
gritaria. Há gritos que tendem a abafar o clamor dos sofredores. Há imagens que
são criadas para cegar as pessoas, iludindo-as, porque escondem a realidade. A quantidade
de pessoas cegas e surdas é assustadora: possuem ouvidos, mas não escutam;
possuem olhos, mas não enxergam. Por isso, não conseguem escapar do precipício
para onde são levadas. Tiraram-lhes a capacidade de ver e de ouvir.
O cristão é alguém que viver
acordado, pois enxerga e escuta. Quem permanece neste estado jamais se
escandaliza por causa de Jesus; e não se escandaliza porque consegue ver as
obras de Jesus e escutar a sua voz. Eis, portanto, a missão das Igrejas e,
consequentemente, de cada cristão: conduzir as pessoas a Cristo Jesus, para que
elas, encontrando-se com Ele, possam abrir os olhos e os ouvidos para ver e
ouvir. E Jesus está na vida cotidiana do povo sofrido. Quem quiser se encontrar
com Ele, não há outro lugar.
O
católico pode até querer permanecer com Ele no conforto da adoração
eucarística, numa bela e confortável capela do Santíssimo. Mas nesta capela, no
silêncio da adoração, ele diz: Vai, eu te
envio! Vai para o meio dos que sofrem! Toca as minhas chagas nos corpos dos
irmãos e irmãs que encontrares pelo caminho! Meu caminho é movimento, ação e
presença amorosa juntos aos outros. Levanta-te e anda!
Tiago
de França
6 comentários:
Lindo! É isso mesmo, Tiago!
Obrigado!
Excelente, Tiago. Sua reflexão faz todo o sentido para mim. Espero que toque o coração de outros cristãos e não cristãos também. Divulguei com maior parte de meus amigos. ABS.
Obrigado!
Abraço fraterno.
Deus seja louvado. Ótima reflexão.
Já fico no aguardo da próxima.
Obrigado, caro diácono!
Abraço fraterno.
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