“A Igreja não está no mundo
para condenar, mas para promover o encontro com aquele amor visceral que é a
misericórdia de Deus. Para que isso aconteça, é necessário sair. Sair das
igrejas e das paróquias, sair e ir à procura das pessoas onde elas se
encontram, onde sofrem, onde esperam” (Papa Francisco).
Na noite do dia 13 de março de 2013,
Francisco iniciava o seu pontificado. Apresentou-se com muita humildade, dizendo
que foram buscá-lo no “fim do mundo”. Para a Diocese de Roma, o colégio de
cardeais elegeu um Papa latinoamericano, algo inédito na história da Igreja. Sucessor
de um alemão erudito, versado na Teologia, Francisco tem a marca do pastor com
cheiro de ovelhas. Não é um teólogo, no sentido profissional do termo, mas um
pastor marcado pela misericórdia de Deus.
Apesar de não ser teólogo, o
magistério pontifício de Francisco é extraordinário. Não é um Papa desprovido
de conhecimento sobre as coisas de Deus; pelo contrário, como um bom jesuíta, é
experimentado no discernimento e um buscador de Deus em todas as coisas. A teologia
de Francisco é prática, profundamente pastoral. Esta é a teologia necessária,
pois de nada serve o conhecimento que não possui uma finalidade prática; no
caso da teologia, uma finalidade pastoral.
Francisco sabe ser simples e
profundo, sabe inquietar as consciências adormecidas, e sabe também provocar
inquietação nos acomodados e nos covardes. É um Papa que mexe com aqueles que o
conhecem, que entram em contato com seus gestos e pensamentos. Não fala nem age
para agradar, mas para provocar a mudança de vida e de mentalidade. Neste sentido,
aprendeu bem a lição ensinada por Jesus a seus discípulos. Jesus ensinava a
anunciar com destemor e ternura, com mansidão e alegria.
Com poucos meses de pontificado, em
2013, o Papa publicou a sua primeira exortação apostólica, intitulada “A
alegria do evangelho”, sobre o anúncio do evangelho no mundo atual. Após a
renúncia do Papa Bento XVI, a Igreja estava precisando conhecer melhor a
alegria do evangelho, pois sempre reinou em seu seio uma certa tristeza, um
certo modelo de Igreja marcado pelo medo (penitências, condenações, sofrimentos
etc.). O acento excessivo da morte fez muita gente não celebrar a Páscoa do
Senhor, em todos os âmbitos da vida da Igreja.
De fato, a alegria faz parte da vida
do Papa Francisco. Ele vive a experiência da alegria do evangelho. Por onde
anda, irradia alegria. O cristão é uma pessoa alegre, porque se encontrou com
Jesus. É com a alegria de viver unido a Jesus que Francisco enfrenta as
dificuldades de sua missão pontifícia. Seus opositores, que foram surgindo ao
longo destes sete anos, são pessoas tristes e raivosas, invejosas e apegadas a
tudo aquilo que ele denuncia: o apego ao poder, dinheiro e prestígio; o
clericalismo, que sempre fez mal à Igreja; o capitalismo selvagem, que
escraviza e mata; a globalização da indiferença, que ceifa a vida de milhões de
pessoas; a cultura do acobertamento dos abusos sexuais de menores, cometidos
por clérigos, verdadeira ferida aberta no corpo eclesial; e tantos outros males
que ferem a dignidade da pessoa humana.
Francisco é um Papa do Vaticano II,
marcado por uma eclesiologia de comunhão e participação, promotor do caráter
sinodal da Igreja. Seu proceder não promove nem reforça atitudes proselitistas
e de fechamento ao mundo; seu linguajar é simples e provoca proximidade. Seu estilo
de ser Papa nos recorda que o Papa não é um ser supremo, angelical,
supranatural, dotado de poderes sobrenaturais e conhecedor de mistérios que vão
além do mistério de Cristo e da Igreja. Nada disso. Francisco, com seu
testemunho, ensina que o Papa é o Bispo da Diocese de Roma, o Irmão entre os
irmãos, chamado a confirmar na fé os que seguem Jesus em comunhão com a Igreja.
No seio da Igreja, clérigos e
leigos, que apreciam e fazem uso da pomposidade na liturgia e nas vestes, que
gostam do brilhantismo, que possuem mania de grandeza e espírito de
superioridade, e que promovem a centralização de poder, geralmente não gostam
de Francisco, pois nele não há nada disso. E não há porque em Jesus também não
encontramos tais coisas. Na Igreja temos essas coisas, mas são contrárias ao
evangelho de Jesus Cristo. Ainda não temos uma Igreja pobre para os pobres. Este
é um sonho que ganhou espaço na concepção de Igreja de Francisco, em suas
palavras e gestos.
A oposição ao Papa Francisco é a
oposição a um modelo de Igreja. Geralmente, os opositores de Francisco defendem
o modelo eclesial de cristandade, marcado pela centralização de poder, pelo
espírito de hegemonia, pela ênfase na disciplina e características exteriores
em detrimento do despojamento e do espírito evangélico de serviço aos pobres e
oprimidos. Este modelo de cristandade foi suplantado pela pós-modernidade. Francisco
sabe e ensina que não estamos mais na época em que a Igreja era escutada pelas
pessoas, governos e instituições. Vivemos na época do desprezo ao sentimento e
aos símbolos religiosos. Quando estes são considerados, na verdade, são
manipulados para servir a interesses opostos aos de sua finalidade religiosa.
O modelo de Igreja do Vaticano II,
que Francisco tem insistido em promover, é o de uma Igreja acolhedora, chamada
a promover o encontro com a misericórdia de Deus; uma Igreja que conduz as
pessoas ao encontro com Jesus, encontro capaz de conferir um novo sentido à
vida. Uma Igreja aberta ao diálogo, que não se coloca acima das demais
instituições; uma Igreja advogada dos pobres e servidora do evangelho de Cristo
Jesus. O Papa tem trabalhado incansavelmente para que este modelo cresça e prevaleça.
Por fim, para não cairmos no pecado
da papolatria, temos que admitir que o Papa tem seus limites. Ele mesmo se
declara um pecador necessitado da misericórdia de Deus, como os demais membros
da Igreja. É verdade que Francisco poderia ter feito mais mudanças, mas para os
sete anos de caminhada, o saldo é positivo. A reforma de uma instituição
bimilenar não se faz de forma repentina. Há muitos entraves e resistências. A Igreja
não está habituada a reformas. Há uma forte tendência ao espírito da mera
continuidade e repetição de velhas práticas que não mais funcionam. Aos poucos,
o Espírito do Senhor, que conduz a Igreja vai mostrando e promovendo a escolha
e eleição de pessoas capazes de promover as mudanças necessárias.
Francisco está sendo um dom do
Espírito à Igreja. É um semeador de sonhos e esperanças, um homem de Deus que
foi enviado para apontar para o evangelho de Jesus. Muito do que Francisco está
semeando na Igreja, somente no futuro colheremos os frutos. No coração de muita
gente está sendo semeada a semente do evangelho. Dentro e fora da Igreja,
muitas pessoas estão conhecendo a alegria do Evangelho. E esta alegria é
contagiante; quem a experimenta é transformado em portador da esperança ativa. Francisco
é uma das surpresas de Deus nestes tempos sombrios de muita violência,
destruição e morte; é uma prova de que Deus não deixa faltar os profetas,
enviados no tempo oportuno, segundo os desígnios de Deus.
Tiago
de França
2 comentários:
Excelente reflexão
Texto repleto de significados
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