“A mensagem de Jesus é a
misericórdia”. (Papa
Francisco)
O tempo da Quaresma é oportuno para
falarmos do pecado e da graça. O que nos orienta nesta meditação é o trecho do
evangelho de Jesus segundo Lucas 18, 9-14 e estas belíssimas palavras do Papa
Francisco que introduzem estas breves reflexões.
O texto de Lucas nos fala de duas
pessoas que se colocaram diante de Deus em oração: um era fariseu, e o outro,
publicano (cobrador de impostos). Em sua oração, o fariseu começa agradecendo a
Deus por não ser “como os outros”. Estes “outros” eram os ladrões, os
desonestos, os adúlteros e o publicano. O fariseu reza em tom de superioridade,
ou seja, colocando-se acima dos outros, apresentando-se como alguém superior.
Este tipo de atitude não agrada a
Deus. Sentir-se superior aos outros já constitui um pecado. Trata-se de uma
postura orgulhosa. Deus não escuta a prece do orgulhoso. Este tipo de
comportamento não deveria existir, pois todos somos pecadores. A condição de
pecador é única: todos dela participamos. Um pecador não deve apontar o pecado
do outro. A ninguém Jesus deu este poder. Quem assim procede, comete pecado e se
afasta de Deus.
Em seguida, o fariseu acrescenta que
jejuava duas vezes por semana e pagava o dízimo de toda a sua renda. Estas eram
as suas obras. Ele parecia querer se justificar diante de Deus a partir destas
suas obras. O fariseu era um fiel cumpridor dos preceitos religiosos. Mas isto
não basta. A justificação não passa pelo fiel cumprimento dos preceitos. É verdade
que estes possuem o seu lugar e a sua importância na vida cristã. Mas por si
mesmos não salvam, nem justificam a pessoa diante de Deus.
É necessário ir além. A mera observância
das leis é muito pouco para Deus. Jesus nos revelou que o mais importante é o
amor a Deus e ao próximo. Trata-se de um amor exigente, que requer renúncia,
entrega, disponibilidade, encontro, abraço, gestos concretos. O amor é ação que
nos faz transcender a nós mesmos. O amor nos arrebata para a mais alta e
sublime comunhão com Deus na relação amorosa com o próximo. Este é o que está
caído à beira dos caminhos da vida, carente de nossa atenção e cuidado.
O fariseu jejuava e pagava o dízimo,
mas não estava aberto ao próximo. Este não foi contemplado na lista de suas
preocupações. O fariseu estava preocupado em ser fiel às prescrições de sua religião,
pois o mais importante era o cumprimento da lei. O publicano não cumpria a lei,
mas era um pecador público, pessoa rejeitada e odiada pelos outros, porque
cobrava além do estabelecido.
O texto fala de três gestos que
integram a atitude do publicano em sua maneira de rezar: ficou à distância, não
se atrevia a levantar os olhos e batia no peito. É a postura de quem se
reconhece pecador, de quem tem consciência de seu pecado. A sua oração revela
esta verdade: “Meu Deus, tem compaixão de
mim, que sou pecador”. O publicano se humilhou diante de Deus, enquanto que
o fariseu se exaltou.
Somente quem se reconhece pecador
está em condições de implorar a misericórdia divina. Este reconhecimento é a
porta de entrada para a mudança de vida. Como se converter sem se reconhecer
pecador? A clareza e consciência dos próprios pecados, e o firme propósito de
emendar-se são requisitos essenciais para a experiência da misericórdia de
Deus. O texto fala que o publicano voltou para casa justificado, e o fariseu
não. O publicano se mostrou necessitado da misericórdia de Deus. Não sofria do
pecado da autossuficiência.
Em nossas comunidades cristãs
encontramos muitas pessoas que imitam a atitude do fariseu: pessoas que cumprem
os preceitos religiosos e batem no peito, achando-se perfeitas e justas somente
por causa disso. Não é possível conhecer a bondade do coração de Jesus
comportando-se desse jeito. A falsa piedade esconde uma multidão de pecados. Não
adianta cumprir os preceitos se não amamos o próximo. Este farisaísmo religioso
está causando o descrédito da religião cristã.
Há uma multidão de ovelhas e
pastores que desconhecem a misericórdia divina, pois se colocam como juízes da
conduta alheia; são arrogantes e impiedosos, orgulhos e prepotentes, amigos da aparência
que ilude e engana. Jesus reprovou tais coisas, e as denunciou com veemência. Jesus
nos revelou a face de um Deus todo-misericordioso, que não se cansa de perdoar,
que sempre nos espera de braços abertos, que não quer a morte do pecador, mas
que se converta e viva.
A graça nos liberta do pecado do
fechamento em nós mesmos, em nossa própria justiça. Na verdade, é a justiça de
Deus que prevalece. Certamente, não podemos defender nem promover a impunidade.
Mas não podemos utilizar o discurso contra a impunidade para praticarmos
injustiças contra o próximo. A justiça divina restaura a vida do pecador, levando-o
a reconhecer o seu pecado, acolhendo-o.
Quando alcançados pela misericórdia divina somos tomados
pela serenidade, alegria, mansidão, compreensão e paz. Quem experimenta a
misericórdia divina, recebe o perdão de Deus e se torna misericordioso com o
próximo. Quem não é misericordioso desconhece a misericórdia de Deus;
desconhece a mensagem de Jesus.
No seio do cristianismo está
ressurgindo movimentos e grupos rigoristas, que exaltam uma falsa defesa da
tradição. É falsa defesa porque se utilizam da tradição para julgar e condenar
os outros. Isto é pecado. Não é graça, mas desgraça. Grande parcela destes
rigoristas é formada por sepulcros caiados, que jogam pesados fardos nas costas
dos outros. Não são pessoas íntegras e honestas, mas praticantes da falsa
religiosidade, capazes de atos terríveis contra o próximo.
O tempo quaresmal é uma feliz
oportunidade para compreendermos e assimilarmos esta realidade belíssima que é
a misericórdia divina. Esta é a pura manifestação da graça de Deus, que é
infinita e disponível a todos. Não podemos deixar que esta graça passe
despercebida, mas que nos preencha e nos liberte, para sermos divinamente
humanos, reconciliados e felizes, livres e fieis.
Tiago
de França
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