sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Sede perfeitos


“Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).
            Por acaso, podemos alcançar a perfeição? Certamente, não. Quem pode ser perfeito como Deus? Então, por que será que Jesus pede isso a seus seguidores? Os versículos anteriores, que formam o capítulo 5 de Mateus, respondem perfeitamente a esta indagação. Meditemos sobre Mateus 5,38-48.
            O texto começa fazendo referência à lei de talião: “Olho por olho e dente por dente!” Os seguidores de Jesus não podem praticar esta lei. Jesus recomenda que não se deve enfrentar quem é malvado. Geralmente, o que as pessoas fazem com o malvado? Desejam a sua morte, ou resolvem matá-lo, imediatamente. Jesus afirma que tais pessoas estão contrariando o mandamento de Deus.
            Facilmente, as pessoas aderem à cultura da vingança, pagando o mal com o mal. O ódio toma conta, e o desejo de morte controla as relações humanas. Há uma recusa à pacificação. Muitos semeiam o ódio, porque desejam uma sociedade banhada de sangue.
Para ilustrar, eis um exemplo: O atual presidente da República do Brasil, com seu projeto de facilitar o acesso às armas, prega a lei de talião. Publicamente, induz as pessoas à violência: Se uma pessoa te ameaça, mate-a, pois “bandido bom é bandido morto!” O mesmo presidente afirma ter fé em Jesus. Na verdade, desconhece o Evangelho de Jesus, porque pratica o oposto.
Ensinando seus discípulos a serem pacíficos, Jesus continua: “Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!” Geralmente, as pessoas querem matar seus inimigos, desejando-lhes toda espécie de mal. Esta não deve ser a postura de um seguidor de Jesus.
Jesus não está inocentando a quem faz o mal, nem insinuando a criação de uma sociedade pautada na anarquia. Não se trata disso. O que está ensinando é a via do amor como caminho eficaz de conversão. Todas as pessoas precisam ser amadas, pois é o amor que as transforma. O amor cessa a inimizade entre as pessoas, e acaba com a cultura da eliminação do outro; cultura de morte, portanto, antievangélica.
O ódio e as demais formas de violência não resolvem o problema do conflito entre os seres humanos. Não é matando as pessoas que diminuiremos nem acabaremos com a violência. Matar é, por si, um ato violento. Eliminar o outro é violência, crime e pecado grave. Aquele que é considerado inimigo e perseguidor merece o nosso amor, pois esta é a reposta indicada por Jesus.
O próprio Jesus nos ensinou o caminho: Não era um homem violento, mas pacífico. Até no momento da morte, perdoou aqueles que o mataram. A violência cresce por causa do ódio, da indiferença e das desigualdades de toda ordem. As pessoas pensam que a destruição do outro resolve o problema da violência. Muita gente lucra muito dinheiro com esta cultura de morte. O ser humano é capaz de lucrar com a desgraça de seu semelhante!
A indiferença também provoca a morte do outro. A pessoa indiferente trata o outro como se este não existisse. Toda pessoa precisa ser percebida, encontrada, tocada, cuidada, enfim, amada. A pessoa indiferente não pratica nada disso, mas dominada pelo egoísmo, está centrada em seus próprios interesses. No seio da religião cristã também encontramos muitas expressões do ódio e da indiferença: discursos, olhares e práticas que julgam, condenam, excluem e matam.
Jesus afirma que para nos tornarmos filhos do Pai que está nos céus precisamos ser pacíficos, amando os nossos inimigos e rezando por aqueles que nos perseguem. Precisamos amar não somente aqueles que nos amam, porque se assim procedermos, não estamos fazendo nada de extraordinário. É necessário amar a todos, sem distinção, pois é assim que o Pai celeste ama seus filhos e filhas.
 Numa sociedade marcada pela violência, estas palavras de Jesus aparentam ser utópicas demais. Talvez seja pelo fato de sermos acostumados ao clima de violência. Quando esta se torna normal e até necessária, ser pacífico parece coisa de gente ingênua. Mas Jesus não está ensinando ingenuidade, mas comunhão fraterna. Como defender a comunhão se enxergo o outro como inimigo a ser eliminado? Como participar da comunhão eucarística, enxergando o outro como inimigo?... Em Cristo Jesus, o outro é irmão e amigo, companheiro de caminhada rumo à plenitude do Reino.
Em sintonia com o texto evangélico, não tenhamos medo de anunciar esta verdade: Quem enxerga o outro como inimigo a ser combatido e eliminado, não está em comunhão com Jesus e seu Evangelho. A fé cristã é incompatível com a hostilidade e a exclusão das pessoas.
Onde há exclusão não há fé. Portanto, ser perfeito como o Pai celeste é perfeito significa ser amoroso e pacífico, pois fora do amor não há perfeição. Ser perfeito não é ser sem defeitos, mas ser misericordioso e manso, aberto ao outro para amar servindo. Por fim, vale lembrar o que nos ensina o apóstolo João ao nos dizer que “aquele que não ama permanece na morte” (1Jo 3,14). Para viver é preciso amar. No amor somos perfeitos. Este é o caminho que conduz à salvação.

Tiago de França

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