Há testemunhos
que não podem ser esquecidos, porque marcaram a história da Igreja católica e
da humanidade. Dom Helder não marcou apenas a história da Igreja católica, mas também
a caminhada da humanidade. O seu testemunho é conhecido por muitos, dentro e
fora do meio eclesial.
Nasceu em Fortaleza – CE, no dia 7 de fevereiro de 1909. Hoje
é dia de memória obrigatória para todos aqueles que se identificam com a
justiça do Reino de Deus. Em linhas breves, irei discorrer a respeito do
caráter profético deste grande bispo católico.
O profeta é pessoa de palavras e
gestos, é o mensageiro de Deus numa época e lugar determinados; é portador da
palavra de Deus, viva e eficaz. Palavra que tem força por si mesma, capaz de
transformar, iluminar e libertar das trevas do erro e de toda espécie de
opressão. O profeta sabe que é portador desta palavra transformadora de Deus.
Quando fala, o profeta incomoda.
Este incômodo decorre da proclamação da verdade da palavra que carrega e pronuncia.
A verdade desmascara a mentira e o mentiroso. A proclamação da verdade é sempre
atividade arriscada e, portanto, perigosa. Não resta outra alternativa ao
profeta senão a proclamação da verdade contida na palavra de Deus.
Daí decorre a incompreensão e a perseguição. Dom Helder era
um profeta desta palavra verdadeira de Deus. Ele a pronunciava com eloquência,
sabedoria, clareza, ousadia e coragem. Dava gosto escutá-lo.
Em tempos ditatoriais, Dom Helder denunciou os horrores da
ditadura. A sua voz ultrapassou as fronteiras do Brasil. Os militares e seus
admiradores o odiavam, mas nada puderam fazer. Ninguém segurava o profeta de
estatura baixa, cearense destemido, discípulo missionário do Senhor.
Dom Helder não se limitava a sua Igreja particular de
Olinda e Recife. Até o Papa, desde Roma, dizia que ele deveria cuidar em
permanecer nos limites de sua Igreja particular, porque era missão do Papa
viajar o mundo para anunciar o Evangelho. Mas Dom Helder era bispo, sucessor
dos apóstolos, e conhecia bem a sua missão. Ele sabia que a Igreja particular é
uma expressão da Igreja católica (universal). Ele conhecia a eclesiologia do
concílio Vaticano II, e se sentia chamado a anunciar o Evangelho também fora
dos limites de sua Igreja particular.
Mas Dom Helder não era somente um homem da palavra, do
discurso eloquente. Ele sabia que a Palavra se fez carne e habitou entre nós. Assim,
conhecia bem a manifestação de Jesus na carne dos pobres e sofredores. Ficou conhecido
como “bispo vermelho”, acusado de comunismo, porque ingressou na fileira dos
servidores de Jesus nos pobres e sofredores. Mergulhou com gosto nas lutas dos
pobres, promovendo e defendendo os direitos humanos. Foi um conhecedor e
praticante da Doutrina Social da Igreja. Soube encarnar com maestria, leveza,
humildade e simplicidade, a mensagem evangélica de Jesus, vivida na opção pelos
pobres.
Seus gestos eram simples e
eloquentes, pois questionavam os acomodados e os incomodados. Sua expressão era
apaixonante, porque encantava a quem dele se aproximava. Suas palavras e gestos
eram fruto de uma vocação vivida intensamente, sem divisão. Dom Helder era um
homem integrado. Seu sorriso e presença de espírito revelavam um homem leve,
livre e feliz. Era convicto de sua missão, pois tinha clareza do chamado de
Deus à profecia.
Gostava de ler, escrever, rezar e
falar às multidões. Dormia pouco, para se dedicar à leitura, oração, meditação
e contemplação. Viveu incansavelmente. Os que tiveram a graça de conviver com
ele ficavam admirados com a sua disposição.
Não era de se entregar às murmurações. Homem da esperança,
sabia consolar os aflitos. Consolado e conduzido pelo Espírito, era como o poço
de Jacó, porque unido à Trindade, foi transformado em fonte, sal da terra e luz
do mundo, conforme a palavra de Jesus nos evangelhos.
Recordar o nascimento de Dom Helder
é bendizer a Deus por tão belo testemunho; é recordar o mandato missionário de
Jesus: Ide e evangelizai! Dom Helder nos ensina que não podemos esquecer que o
anúncio do Evangelho de Jesus é palavra e gesto que transformam e salvam.
No centro desse Evangelho está o Reino de Deus. Em outras
palavras, é este Reino o núcleo fundamental da mensagem de Jesus. A Igreja
católica não pode priorizar outras coisas senão o anúncio e edificação deste
Reino: realidade simultaneamente presente e escatológica.
Aos pastores de nossas Igrejas, Dom
Helder é um convite à reflexão. Como estão anunciando Jesus? Quais as palavras
e os gestos utilizados? Como anda o testemunho pessoal? Anunciam o Evangelho,
ou se utilizam do Evangelho para outras finalidades diferentes e até opostas ao
anúncio do Reino? O processo de evangelização tem contribuído para um maior
conhecimento e adesão a Jesus Cristo, ou tem provocado o afastamento e repulsa das
pessoas? O profeta Dom Helder, com suas palavras e gestos, desperta-nos para a
reflexão destas e outras questões.
Em nossos dias, o Papa Francisco tem
apontado para a mesma direção que Dom Helder apontou: uma “Igreja em saída” na
direção dos pobres e sofredores. Quem se opõe a este projeto, que possui a sua
razão de ser no Evangelho de Jesus, não pode dizer que está unido à Igreja e ao
projeto de Jesus. A missão da Igreja é a missão de cada cristão batizado.
Sobre esta missão, nos ensina Dom Helder: “Missão é partir, caminhar, deixar tudo,
sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso Eu. É parar de
dar volta ao redor de nós mesmos como se fôssemos o centro do mundo e da vida. É não se deixar bloquear nos problemas do
pequeno mundo a que pertencemos: a humanidade é maior. Missão é sempre partir,
mas não devorar quilômetros. É sobretudo abrir-se aos outros como irmãos,
descobri-los e encontrá-los. E, se para encontrá-los e amá-los é preciso
atravessar os mares e voar lá nos céus, então missão é partir até os confins do
mundo”.
Quem não tiver a coragem de partir, de sair de si e quebrar
a crosta do egoísmo que nos fecha aos outros, passará pela vida sem viver a
missão confiada por Deus. Sejamos profetas! Não
deixemos a profecia cair: este foi o último pedido do profeta Dom Helder,
antes de mergulhar, definitivamente, no seio da Trindade.
Tiago de França
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