domingo, 9 de fevereiro de 2020

Ser sal da terra e luz do mundo

“Assim também brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus”. (Mt 5,16).
            Disse Jesus: “Vós sois o sal da terra” (Mt 5,13). Há uma diferença entre o ser e o fazer. No mundo pragmático, a vida vale mais pelo que se faz do que pelo que se é. Segundo a lógica capitalista, as pessoas precisam fazer. O fazer é atividade, produtividade, rendimento, eficiência, lucratividade. Facilmente, o ativismo domina. É preciso fazer bem e com agilidade. A pressa se torna parceira da perfeição. Neste sentido, quem nada faz é considerado imprestável e inútil, porque nada produz. Existe uma parcela imensa de pessoas que é descartada pelo sistema econômico mundial, porque considerada imprestável.
            Certamente, não se deve viver a vida sem nada fazer, pois no fazer também encontramos a razão de ser. O ser humano produz a sua existência por meio das inúmeras formas de atividade: professor, padeiro, porteiro, motorista, agricultor, piloto, gari, copeiro, escritor, médico, advogado, cientista etc. A inteligência humana cria e recria as coisas. O problema está na instrumentalização das atividades, quando realizadas em função do enriquecimento de alguns em detrimento da maioria, e a consequente coisificação do ser humano.
            No seio do cristianismo isto também ocorre. Muita gente sofre com o mal do ativismo religioso: o bom líder religioso é aquele que muito faz, tornando-se mero funcionário do sagrado. Este funcionário se entrega a uma agenda puxada, marcada por muitas reuniões e eventos. Isso gera falta de tempo para leitura, oração, meditação, contemplação e encontro afetivo e efetivo com as pessoas, especialmente com as que mais sofrem. Quase que não existe uma íntima comunhão com Deus. Não há tempo para estar com Deus na oração: o dia começa cedo, e à noite já não resta disposição para nada. Com o passar do tempo, aparece o cansaço existencial.
            Ser sal da terra vai muito além do mero fazer. Ser sal é tornar-se discípulo missionário de Jesus Cristo. O discípulo é alguém que faz a experiência do encontro pessoal com Jesus. Não se trata de um encontro mágico, nem marcado por meros sentimentos de uma suposta presença espiritual. Mas de um encontro que acontece no cotidiano da vida prática. No encontro com as pessoas, afetadas por alegrias e tristezas, encontramos Jesus. Os lugares de encontro com Jesus exigem saída, deslocamento, desinstalação, mudança de mentalidade e coragem.
            Converter-se em sal da terra e luz do mundo é aderir a Jesus Cristo para tornar-se outro Cristo. É um processo belo e gratificante, desafiador e possível; é caminho de configuração.
Na experiência de encontro com Jesus, aprende-se a ser como ele: cheio de compaixão. É preciso ser cristão, e isto implica ter os mesmos sentimentos de Jesus Cristo, para fazer o que disse o profeta Isaías: repartir o pão, acolher os pobres e peregrinos, vestir os nus, destruir os instrumentos de opressão, deixar os hábitos autoritários e a linguagem maldosa, e prestar socorro ao necessitado (cf. Is 58,7-10).
            O discípulo missionário irradia a luz de Cristo, porque traz em si esta luz. Portanto, é alguém dotado de humildade e mansidão, alegria e paz. Como o apóstolo Paulo, é portador de uma palavra ungida com o poder do Espírito, para ajudar aos outros na caminhada de fé (cf. 1Cor 2,4-5).
Quem, de fato, tornou-se cristão é identificado pela alegria do Evangelho, e por uma disponibilidade permanente para amar e ser amado. A arrogância, o espírito de superioridade, o trato indiferente para com os outros, a inveja, o rancor, a malícia e tantos outros sentimentos e posturas incoerentes não encontram lugar na vida do discípulo missionário de Jesus Cristo. A boa obra por excelência que se faz presente na vida do cristão é a íntima comunhão com a Trindade. Daí decorre todas as outras boas obras, que vistas pelas demais pessoas, provocam o louvor a Deus Pai, autor de todo bem e toda graça.
O cristianismo e o mundo atuais precisam do testemunho de pessoas unidas à Trindade, pois a fé não cresce por causa da fidelidade aos preceitos religiosos, nem porque aderimos a um conjunto de doutrinas religiosas. A fé cresce quando permitimos que a Trindade faça morada em nós, conferindo sabor e luz à vida. Aqui está o sentido da existência humana: viver em comunhão com Deus e com o próximo. Esta comunhão é constantemente ameaçada, mas pelo poder do Espírito, o Paráclito, é possível mantê-la, porque aí residem a possibilidade de outro mundo possível e a salvação da humanidade.

Tiago de França

2 comentários:

França Nunes disse...

De fato é preciso ser luz.... luz que tenha uma iluminação diferente de tantas outras luzes que parecem ofuscar o verdadeiro brilho evangélico, o brilho do valor humano. Sinto este martelar do pensamento: ha um excesso de luminosidade que não nos permite ver o que precisa ser visto!

Tiago de França disse...

Verdade, irmão.
Grande abraço!