“E
a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida
eterna” (Jo 4, 14).
Esta reflexão parte do encontro de Jesus com a samaritana
(cf. Jo 4, 5 – 42), uma belíssima passagem evangélica que nos faz pensar em
algumas questões que nos remetem ao sentido de nosso ser cristão. O texto traz
alguns detalhes reveladores que merecem nossa atenção. Vamos meditar à luz da
fé e da nossa realidade. O evangelho é fonte de verdadeira sabedoria para toda
pessoa que se arrisca no seguimento a Jesus de Nazaré.
Sentado
junto ao poço de Jacó
A imagem do poço
nos recorda o papel da água e da sede. A água do poço serve para matar a sede
do povo. O poço de Jacó era sagrado para os samaritanos, pois na antiga aliança
o povo encontrou nele a água para matar a sede do corpo. Toda fonte de água é,
de fato, sagrada. O que seria do ser humano sem a água para matar a sede do
corpo e satisfazer as demais necessidades? Jesus, cansado da viagem, por volta
do meio dia, senta-se junto ao poço de Jacó. Em seguida, chegou uma mulher da
cidade da Samaria para tirar água.
“Dá-me de beber”, disse Jesus à mulher
samaritana. Este pedido de Jesus é extraordinário, e o motivo é simples: os
judeus consideravam os samaritanos um povo impuro, inferior. Chamar um judeu de
samaritano era uma ofensa. Eram povos diferentes que no passado entraram em
conflito. Portanto, judeus e samaritanos não se falavam nem se frequentavam. Jesus
não liga para esta divisão. À samaritana pede água para beber. Ela se
surpreende e começa a dialogar com Jesus.
O diálogo revela que se tratava de uma mulher instruída a
respeito da religiosidade de seu povo. Ela não tem medo de Jesus e participa do
diálogo revelador. Neste, Jesus se revela como aquele que tem uma água
diferente: a água que transforma as pessoas em fontes de água que jorra para a
vida eterna. Ela certamente não compreendeu esta parte. Com o desenrolar do
diálogo, o que lhe chama a atenção é o fato de Jesus saber de sua vida, quando
trataram de outro assunto: os maridos que ela teve e o que tinha naquela
ocasião.
A mulher se convenceu de que Jesus era um profeta. A figura
do profeta era muito respeitada em ambos os povos. O povo aclamava os profetas
porque sabia que se tratavam dos mensageiros da palavra de Deus. Mesmo sem
entender, a mulher pede a água de Jesus, deseja conhecer o dom de Deus. Que água
é essa que Jesus oferece à samaritana? É ele mesmo, dom de Deus. Dialogando com
Jesus e crendo nele, a mulher começa a conhecer o dom Deus, começa a beber da
água que a transformará numa fonte transbordante de água viva, que jorrará para
a vida eterna.
Encontrando-se com Jesus, a samaritana bebe da fonte
divina e faz a experiência de quem está sendo incluída no povo de Deus. Para Jesus,
ela e seu povo não são impuros nem estão excluídos do povo de Deus, mas, no seu
nome e a partir do anúncio de sua mensagem, tornam-se povo de Deus. Jesus não
quis saber dos preceitos que legitimavam a separação e a exclusão. Por isso,
depois de terem voltado da cidade, pois foram comprar alimentos, os discípulos
ficam admirados por verem Jesus conversando com uma mulher da Samaria.
A liberdade de Jesus é a liberdade de Deus. A visão de
Jesus é a visão de Deus. Nesta liberdade e nesta visão não há lugar para
separação, para segregação de pessoas e de povos. Na concepção de Jesus, o que
há são pessoas, filhas e amadas por Deus. Este Deus não leva em consideração as
divisões culturais e religiosas. É o Deus de todos, de toda a humanidade, o Pai
das misericórdias, o Deus das gentes. O povo de Deus é adepto do mandamento
divino do amor atrelado à liberdade. Neste mandamento não há lugar para as
divisões e os conflitos que visam destruir a dignidade do ser humano.
O
lugar do culto e a maneira correta da adoração a Deus
Para os
samaritanos o lugar do culto a Deus era no monte Garizim e para os judeus era
no templo de Jerusalém. Aqui Jesus fala dos verdadeiros adoradores: aqueles que
adoram em espírito e verdade, pois Deus é espírito. De fato, Deus não se
encontra em um lugar determinado pelo ser humano. Ninguém pode aprisionar a
Deus nem estabelecer para ele uma morada. Deus está em toda parte,
especialmente no interior das pessoas, criadas à sua imagem e semelhança. A adoração
em espírito e verdade desconhece lugares determinados. Ninguém pode dizer que
Deus se encontra nos templos católicos e não nos evangélicos, ou vice-versa. Talvez
em muitos destes templos, de ambas as denominações, Deus não se faça presente,
dado o que se ensina e se pratica dentro deles!...
Nenhum líder religioso está autorizado, considerando o que
disse Jesus à samaritana, a impor a frequência ao culto religioso como único
lugar de encontro com Deus. Portanto, não tem sentido a ideia de que aqueles
que não frequentam o culto não estão em comunhão com Deus. É verdade que a fé
religiosa é praticada no interior da religião, mas é verdade também que os que
não frequentam o culto religioso também podem permanecer em comunhão com Deus,
adorando-o em espírito e verdade. Jesus reconheceu a presença de Deus na vida
dos samaritanos, povo excluído e condenado pelos judeus. Assim, o Deus e Pai de
Jesus não está somente presente no Cristianismo, mas permanece presente na vida
humana, em todo tempo e lugar.
As palavras e os gestos de Jesus em relação aos
samaritanos nos ensinam a fazermos a mesma coisa: dialogar, ouvir, acolher e
participar da vida daqueles que nos parecem estranhos, alheios à nossa cultura
e religiosidade. As crenças religiosas e o espírito de pertença a uma determina
denominação religiosa não deveriam ser motivos de divisão e conflitos entre as
pessoas, como podemos constatar no mundo atual. Os seguidores de Jesus não são
chamados a converter quem quer seja, mas a anunciar o mandamento divino do amor
e da liberdade por meio da palavra e do testemunho. Esta é a vocação cristã. A conversão
é atividade do Espírito do Senhor, que sonda todas as coisas e as renova
segundo o coração de Deus.
Cada cristão precisa conhecer o dom de Deus, que é Jesus.
Aproximar-se dele, sentar-se com ele junto ao povo, beber de sua mensagem. Ter sede
de Deus é encontrar-se com Jesus e permanecer unido a ele, numa convivência
fraterna, intimamente humana e espiritual. Se quisermos ser fontes de água que
jorra para a vida eterna precisamos fazer a experiência da samaritana: escutar
Jesus, dialogar com ele, pedir sua água, com ele tornar-se fonte do encanto, da
beleza, do perdão, da acolhida, da amizade e da solidariedade. O mundo e a
Igreja atuais carecem disso: de pessoas que sejam fontes de água viva.
A Samaritana se tornou missionária do Verbo de Deus, da
palavra encarnada de Deus, deste Deus amoroso que não exclui nem condena, mas
acolhe, ama e no amor cura os corações feridos e atribulados e liberta de todo
tipo de escravidão. Não tenhamos medo de nos tornarmos íntimos do Deus que é
pura misericórdia. Somente ele, fonte de todo bem e de toda graça, é capaz de
nos conceder a paz necessária para suportarmos o peso de nossos fardos.
A
abertura da mente e do coração à ação amorosa deste Deus é oportunidade única
de nos transformarmos naquela fonte abençoada de vida para todos aqueles que se
aproximam e desejam matar sua sede. No homem há uma sede de eternidade, de
felicidade e é por meio do próprio ser humano que Deus vai saciando esta sede
de amor, paz, justiça e de felicidade. Esta sede é saciada a partir de dentro
de cada pessoa na sua relação com Deus que está no outro. Aprendamos, pois, a
bebermos do nosso próprio poço, a fim de que a chama do amor divino não se apague
em nós.
Tiago
de França
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