domingo, 6 de julho de 2014

Os pequeninos de Deus

“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt 11, 25 – 26).

            Esta simples oração de Jesus é de um significado extraordinário. Geralmente, nas comunidades cristãs, repete-se a leitura desta passagem do evangelho segundo Mateus (11, 25 – 30), mas muita gente não pensa no seu sentido e alcance. Algumas perguntas nos orientam na contemplação do sentido das palavras de Jesus: quem são os pequeninos do Pai? Que coisas são estas que são escondidas aos sábios e entendidos? Quem são estes sábios e entendidos?  

As possíveis respostas destas perguntas escandalizaram, escandalizam e continuarão escandalizando muita gente em nossas comunidades cristãs. Escandalizam por dois motivos: primeiro, porque a própria Igreja fez uma interpretação equivocada do texto ao longo da história, principalmente do versículo acima mencionado; segundo, porque muita gente que acredita em Jesus não aceita esta sua oração. Ela parece pesada e exigente demais.

Os pequeninos do Pai

            Neste mundo há pequenos e grandes. Os primeiros são os empobrecidos e oprimidos de todos os tempos e lugares: mulheres e homens explorados, humilhados, excluídos e esquecidos. Pessoas que passam fome, que sofrem com a falta dos serviços básicos de saúde, educação, moradia, segurança pública, lazer etc.; que padecem porque as leis civis não conseguem assegurar seus direitos e garantias fundamentais. Apesar disso, o povo dos pobres não desanima, mas persevera, insiste em permanecer na vida, aproveitando as migalhas que caem das mesas dos grandes e poderosos.

            Mulheres que lutam para sustentar seus filhos abandonados por pais covardes que não assumem suas responsabilidades; inúmeros jovens pobres, negros e analfabetos funcionais, vítimas do tráfico e do crime organizado, perseguidos e encarcerados no precário e desumano sistema prisional brasileiro; inúmeras famílias sem teto e sem terra, sem ter onde morar nem trabalhar, dependendo do auxílio precário dos projetos assistenciais do governo, da Igreja e das ONGs; indígenas aflitos, sendo expulsos de suas terras, sem saber para onde ir, sendo obrigados a ceder o lugar para a implantação de megaprojetos governamentais e da iniciativa privada, ameaçados por latifundiários ambiciosos e indiferentes etc. Estes e tantos outros são os pequeninos de Deus.

            A respeito dos grandes deste mundo não precisamos falar muito, pois são bem conhecidos: políticos desonestos, que não visam o bem comum; empresários gananciosos, que só pensam em lucrar cada vez mais e aumentar seus patrimônios; grandes proprietários de terra, que exploram seus trabalhadores e a custa deles fazem suas fortunas; profissionais liberais (médicos, advogados, engenheiros etc.), que só visam o enriquecimento, muitas vezes ilícito, e não tem compaixão dos pobres na prestação de seus serviços; enfim, entram neste rol todos aqueles que dedicam suas vidas à procura desesperada por riqueza, prestígio e poder. Os grandes deste mundo buscam estas coisas e as transformam no fim último de suas vidas.

A sabedoria do Reino de Deus

            Os grandes deste mundo não tem nenhum interesse pela sabedoria do Reino de Deus. Eles não a entendem, pois a julgam como loucura. Se buscassem compreendê-la e procurassem orientar suas vidas de acordo com ela, teriam que se converter. A sabedoria do Reino conduz à conversão. Ora, a conversão não interessa aos grandes deste mundo.  

Assim como o jovem rico da parábola do evangelho segundo Lucas, os grandes preferem manter seus privilégios e seguranças que aderir ao chamado divino à conversão. Nas comunidades cristãs encontramos muitos destes grandes, que pensam que seguem Jesus somente porque recebem os sacramentos, frequentam o culto, contribuem com a festa do padroeiro e cultivam amizade com os padres e bispos.

            Infelizmente, inúmeros são os membros da hierarquia da Igreja que preferem permanecer com os grandes. Os pequeninos não tem nada a oferecer: são desprovidos de dinheiro, de presentes caros para dar, de doações, de prestígio e de saber notório (os pobres não são doutores!), de força política e cultural etc.

Certo dia, escutei um padre falar à mesa da casa paroquial: “Não suporto mais estes pobres que me procuram! Só dão trabalho! Ficam me jogando contra os meus amigos [prefeito, vereador, comerciantes etc.]. Será que não entendem que meus amigos são ricos porque trabalharam para isso?!” O padre sabia de minha linha de pensamento e tentava se justificar, pois também sabia que o conhecia muito bem.  

            Os sábios e entendidos, identificados com os grandes deste mundo, desconhecem a sabedoria do Reino. Esta sabedoria não se aprende na universidade nem nos livros, não é criação do intelecto humano. Não está atrelada ao saber científico, apesar de não dispensá-lo. Os saberes criados pelos homens servem para que possam construir a vida na dinâmica do Reino.

A sabedoria do Reino é revelação divina aos pequeninos, e somente estes são capazes de acessá-la, compreendê-la e assimilá-la. Para ter parte na sabedoria do Reino é necessário tornar-se pequenino. Deus torna-se próximo dos pequeninos. Quando quis armar sua tenda neste mundo, armou-a entre os pequeninos. Estes são mais abertos ao chamado divino à conversão, podendo-se assemelharem-se a Jesus, manso e humilde de coração.

            Para tornar-se pequenino é preciso ser como Jesus: manso e humilde de coração. Neste sentido, é preciso se libertar do orgulho e abraçar o espírito de paz. Os pequeninos de Deus são chamados a serem portadores da paz através da promoção da justiça do Reino, e no cansaço da caminhada podem contar com o convite de Jesus: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso”.

Caminhar com Jesus e encontrar nele a força para transformar este mundo naquilo que Deus quer: outro mundo possível no qual possam reinar a justiça e a paz. Esta é a missão do cristão, que se torna cada vez mais urgente em nossos dias. Sejamos, pois, como Jesus: pequeninos, mansos e humildes de coração!


Tiago de França


Obs: Acompanha esta reflexão a foto do rosto de Santa Teresinha do Menino Jesus, uma das maiores mulheres da Igreja, que assemelhou-se a Jesus na mansidão e na humildade de coração.

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