“Eu
te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos
sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi
do teu agrado” (Mt 11, 25 – 26).
Esta simples oração de Jesus é de um significado extraordinário.
Geralmente, nas comunidades cristãs, repete-se a leitura desta passagem do
evangelho segundo Mateus (11, 25 – 30), mas muita gente não pensa no seu
sentido e alcance. Algumas perguntas nos orientam na contemplação do sentido
das palavras de Jesus: quem são os pequeninos do Pai? Que coisas são estas que
são escondidas aos sábios e entendidos? Quem são estes sábios e entendidos?
As
possíveis respostas destas perguntas escandalizaram, escandalizam e continuarão
escandalizando muita gente em nossas comunidades cristãs. Escandalizam por dois
motivos: primeiro, porque a própria Igreja fez uma interpretação equivocada do
texto ao longo da história, principalmente do versículo acima mencionado;
segundo, porque muita gente que acredita em Jesus não aceita esta sua oração. Ela
parece pesada e exigente demais.
Os
pequeninos do Pai
Neste mundo há
pequenos e grandes. Os primeiros são os empobrecidos e oprimidos de todos os
tempos e lugares: mulheres e homens explorados, humilhados, excluídos e
esquecidos. Pessoas que passam fome, que sofrem com a falta dos serviços
básicos de saúde, educação, moradia, segurança pública, lazer etc.; que padecem
porque as leis civis não conseguem assegurar seus direitos e garantias
fundamentais. Apesar disso, o povo dos pobres não desanima, mas persevera,
insiste em permanecer na vida, aproveitando as migalhas que caem das mesas dos
grandes e poderosos.
Mulheres que lutam para sustentar seus filhos abandonados
por pais covardes que não assumem suas responsabilidades; inúmeros jovens
pobres, negros e analfabetos funcionais, vítimas do tráfico e do crime
organizado, perseguidos e encarcerados no precário e desumano sistema prisional
brasileiro; inúmeras famílias sem teto e sem terra, sem ter onde morar nem
trabalhar, dependendo do auxílio precário dos projetos assistenciais do
governo, da Igreja e das ONGs; indígenas aflitos, sendo expulsos de suas
terras, sem saber para onde ir, sendo obrigados a ceder o lugar para a implantação
de megaprojetos governamentais e da iniciativa privada, ameaçados por latifundiários
ambiciosos e indiferentes etc. Estes e tantos outros são os pequeninos de Deus.
A respeito dos grandes deste mundo não precisamos falar
muito, pois são bem conhecidos: políticos desonestos, que não visam o bem
comum; empresários gananciosos, que só pensam em lucrar cada vez mais e
aumentar seus patrimônios; grandes proprietários de terra, que exploram seus
trabalhadores e a custa deles fazem suas fortunas; profissionais liberais
(médicos, advogados, engenheiros etc.), que só visam o enriquecimento, muitas
vezes ilícito, e não tem compaixão dos pobres na prestação de seus serviços;
enfim, entram neste rol todos aqueles que dedicam suas vidas à procura
desesperada por riqueza, prestígio e poder. Os grandes deste mundo buscam estas
coisas e as transformam no fim último de suas vidas.
A
sabedoria do Reino de Deus
Os grandes deste
mundo não tem nenhum interesse pela sabedoria do Reino de Deus. Eles não a
entendem, pois a julgam como loucura. Se buscassem compreendê-la e procurassem
orientar suas vidas de acordo com ela, teriam que se converter. A sabedoria do
Reino conduz à conversão. Ora, a conversão não interessa aos grandes deste
mundo.
Assim
como o jovem rico da parábola do evangelho segundo Lucas, os grandes preferem
manter seus privilégios e seguranças que aderir ao chamado divino à conversão. Nas
comunidades cristãs encontramos muitos destes grandes, que pensam que seguem
Jesus somente porque recebem os sacramentos, frequentam o culto, contribuem com
a festa do padroeiro e cultivam amizade com os padres e bispos.
Infelizmente, inúmeros são os membros da hierarquia da
Igreja que preferem permanecer com os grandes. Os pequeninos não tem nada a
oferecer: são desprovidos de dinheiro, de presentes caros para dar, de doações,
de prestígio e de saber notório (os pobres não são doutores!), de força
política e cultural etc.
Certo
dia, escutei um padre falar à mesa da casa paroquial: “Não suporto mais estes pobres que me procuram! Só dão trabalho! Ficam me
jogando contra os meus amigos [prefeito, vereador, comerciantes etc.]. Será que
não entendem que meus amigos são ricos porque trabalharam para isso?!” O
padre sabia de minha linha de pensamento e tentava se justificar, pois também sabia
que o conhecia muito bem.
Os sábios e entendidos, identificados com os grandes
deste mundo, desconhecem a sabedoria do Reino. Esta sabedoria não se aprende na
universidade nem nos livros, não é criação do intelecto humano. Não está
atrelada ao saber científico, apesar de não dispensá-lo. Os saberes criados
pelos homens servem para que possam construir a vida na dinâmica do Reino.
A
sabedoria do Reino é revelação divina aos pequeninos, e somente estes são
capazes de acessá-la, compreendê-la e assimilá-la. Para ter parte na sabedoria
do Reino é necessário tornar-se pequenino. Deus torna-se próximo dos
pequeninos. Quando quis armar sua tenda neste mundo, armou-a entre os
pequeninos. Estes são mais abertos ao chamado divino à conversão, podendo-se
assemelharem-se a Jesus, manso e humilde de coração.
Para tornar-se pequenino é preciso ser como Jesus: manso
e humilde de coração. Neste sentido, é preciso se libertar do orgulho e abraçar
o espírito de paz. Os pequeninos de Deus são chamados a serem portadores da paz
através da promoção da justiça do Reino, e no cansaço da caminhada podem contar
com o convite de Jesus: “Vinde a mim
todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu
vos darei descanso”.
Caminhar
com Jesus e encontrar nele a força para transformar este mundo naquilo que Deus
quer: outro mundo possível no qual possam reinar a justiça e a paz. Esta é a missão
do cristão, que se torna cada vez mais urgente em nossos dias. Sejamos, pois, como
Jesus: pequeninos, mansos e humildes de coração!
Tiago de França
Obs: Acompanha esta reflexão a foto do rosto de Santa Teresinha do Menino Jesus, uma das maiores mulheres da Igreja, que assemelhou-se a Jesus na mansidão e na humildade de coração.
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