domingo, 19 de julho de 2020

Dom Henrique Soares da Costa: Convicção e amor à Igreja


“A missão da Igreja são as coisas de Deus, a voz da Igreja deve ser eco da Palavra de Deus, os gestos da Igreja devem ser os sacramentos da graça de Deus, os critérios da Igreja devem ser os critérios do Reino de Deus, tais como aparecem no Evangelho! (Dom Henrique, homilia para o XI Dom. Comum – Ano A)
            A Igreja católica no Brasil recebeu neste sábado, 18 de julho, a triste notícia da morte de Dom Henrique, bispo da Diocese de Palmares – PE. Neste breve artigo, de forma muito breve, quero tecer algumas considerações sobre a forte personalidade deste bispo da Igreja.  
Três são as razões que me levam a escrever: 1) Dom Henrique serviu à Arquidiocese de Maceió durante muitos anos. Eu nasci na Paróquia de Nossa Senhora do Carmo, em Colônia Leopoldina – AL, que pertence àquela Igreja particular; 2) assim como Dom Henrique, também sou alagoano; 3) A cidade de Palmares fica próxima à minha cidade natal. Há uma ligação afetiva muito grande entre as pessoas da minha cidade e a cidade de Palmares, dada a proximidade geográfica e a frequência do povo de Colônia Leopoldina a Palmares. A minha cidade natal está mais próxima de Palmares do que de Maceió.
Duas qualidades de Dom Henrique sempre me chamaram a atenção: a convicção que tinha da sua fé em Cristo e do seu ministério na Igreja, e o seu amor à Igreja. São duas qualidades que estão faltando na vida de muitos católicos, tanto leigos quanto clérigos.
A convicção que ele tinha da sua fé e do seu ministério decorria da vida de oração e de estudo. Dom Henrique era um homem que rezava e estudava. Oração e estudo devem fazer parte da vida de todo bom católico, especialmente padres e bispos. A falta de oração destrói a fé do cristão. Quando este não reza, fica somente na aparência de fé. Um homem de fé é um homem de oração. Quando não se reza, logo todo mundo percebe o vazio que decorre da falta de comunhão com Deus. O caminho que conduz a Deus também é feito de oração.
Mestre em Teologia Dogmática pela Universidade Gregoriana de Roma, Dom Henrique era um estudioso. Sempre gostava de escrever. Seus textos no jornal arquidiocesano O Semeador eram bem escritos e de conteúdo denso. Tinha facilidade com as palavras. Dom Henrique me fazia lembrar de Graciliano Ramos, grande autor da literatura brasileira, também alagoano, que soube descrever os sentimentos da alma humana. Dom Henrique sabia falar com simplicidade. Tinha uma característica muito cara aos alagoanos: falar o que pensa de forma direta, sem pestanejar.
Esta qualidade está faltando em muita gente na Igreja: estudar as Escrituras, a Tradição e o Magistério. Dom Henrique gostava de estudar esses três pilares de sustentação da Igreja. Nesta há um excesso de falas desprovidas de conteúdo; há muita pregação vazia, marcada por um subjetivismo doentio e alienador. Fala-se de muitas coisas e pouco do Evangelho de Cristo. Muitos discursos e pregações relativizam a mensagem de Jesus, ofuscando o Reino de Deus.
Dom Henrique tinha uma legião de seguidores. Claro que se disséssemos isso a ele, certamente diria: “Não tenho seguidores, mas juntos seguimos a Cristo!” Homem da palavra, gostava de ensinar e pregar. Basta colocar seu nome do Google para ver seus inúmeros textos, palestras e pregações. Seu mestrado tinha ênfase na eclesiologia, parte da teologia que trata da Igreja. Por isso, a realidade humana e espiritual da Igreja norteava toda as suas falas. Era um homem da Igreja, e sempre se intitulava pai e pastor, pois conhecia bem o sentido canônico, teológico e histórico do ministério episcopal.
Seus “seguidores” precisam aprender a estudar mais os pilares de sustentação da Igreja, bem como o grande arcabouço da teologia católica, pois não basta repetir o que Dom Henrique ensinava. Assim como ele, é preciso conhecer as razões da fé cristã. Dom Henrique conhecia e praticava a famosa citação petrina que nos convida a darmos razão de nossa esperança a todo aquele que nos pedir, com respeito e boa consciência (cf. 1Pd 3,15-16). Trata-se de um convite que o apóstolo faz a cada cristão, porque ninguém caminha com as pernas dos outros, mas juntos podemos nos apoiar e caminho rumo à pátria celestial.
Alguns leitores deste breve artigo podem estar se perguntando pelo motivo de eu estar escrevendo sobre Dom Henrique, porque algumas pessoas sabem que, particularmente, não comungo com algumas ideias dele. Antes do meu ingresso na formação inicial rumo ao sacerdócio, sempre li os textos deste meu conterrâneo. Na época, não tinha estudado direito, filosofia e teologia. Portanto, não conhecia muito do que ele escrevia. Hoje, releio Dom Henrique com os olhos de quem conhece um pouco do que ele escreveu. Mas é importante destacar que a discordância é saudável e necessária. Concordar com tudo o que o outro diz não me parece atitude inteligente, bem como não é nada coerente a postura de quem desqualifica o outro por causa das discordâncias.
Aqui cabe recordar uma observação muito pertinente das reflexões do santo bispo Dom Helder Câmara: “Se discordas de mim, tu me enriqueces”. Devido ao clima emburrecedor da polarização que também se infiltrou na vida da Igreja católica, a discordância virou arma para promover a discórdia. Quem não aceita a discordância precisa aprender e praticar a virtude da tolerância. A ausência desta também reflete a falta de inteligência e até a falta de fé, pois a fé cristã exige a tolerância. Há alguns pontos das falas de Dom Henrique com os quais não concordo, porque a leitura que faço do Evangelho não me permite concordar. Mas isso não significa que eu seja um de seus inimigos e/ou detratores.
Assim como ele, também sou filho de uma Igreja com tendência mais tradicional, mas as influências que recebi me fizeram mais progressista na arte de pensar e de ser. E não adianta o leitor pensar que na Igreja não existem os que são mais apegados às tradições e os que tendem a uma leitura mais avançada do Evangelho. O Evangelho é único, mas a forma como é lido pode e deve ser plural. O que é inadmissível é um grupo querer desqualificar o outro por causa disso. Dom Henrique era um bispo tradicional, na sua maneira de ser, de pensar, de se vestir, de falar e de se colocar na Igreja e na sociedade. Não existe mal nenhum nisso. Cada pessoa tem o seu estilo e suas convicções. A Igreja é plural, quer aceitemos, quer não.  
            Os gregos diziam que a virtude está no meio. Isso não significa abraçar o caminho da neutralidade. No caminho de Jesus não existe neutralidade, pois o Filho de Deus não era neutro. Basta ler o Evangelho para conhecer a sua posição: Deus o enviou para as ovelhas perdidas da casa de Israel (cf. Mt 10,6), e o ungiu para evangelizar os pobres (cf. Lc 4,17-21). O anúncio do Evangelho acontece no mundo, e este sempre foi marcado pelas diversas formas de opressão, que revela a existência de opressores e oprimidos. À luz do Evangelho, qual deve ser a posição da Igreja? Jesus era amigo dos que oprimiam os pobres? Sejamos sinceros na resposta, e procuremos nos posicionar como Jesus.
            Dom Henrique não tinha vergonha de expressar as suas convicções, mesmo sabendo que muita gente, dentro e fora da Igreja, discordava delas. Este modo de proceder é próprio de quem é fiel ao que pensa ser o certo. O cristianismo precisa de homens e mulheres que tenham convicção da fé que professam, que tenham a coragem de se manter firmes diante das ideologias que banalizam a fé cristã.
Concordo com as reflexões de Dom Henrique em muitos pontos, e rezo para que eu seja um sacerdote segundo o coração de Cristo: convicto, firme, corajoso e incansável no anúncio do Reino de Deus em comunhão com a Igreja. Esta é a lição que aprendi com Dom Henrique. A Igreja católica em Alagoas se rejubila por ter dado à Igreja em Palmares um pastor zeloso nas coisas de Deus. Dou graças ao Senhor por sua fidelidade a Cristo e à Igreja, e rezo para que seja acolhido nas alegrias eternas.

Tiago de França

10 comentários:

Unknown disse...

Belíssimo texto, caro irmão.

Cristiane Barbosa disse...

Tiago Obrigada pela sua catequese. Deus te abençõe

Tiago de França disse...

Obrigado!

Tiago de França disse...

Obrigado! Amém!

Ir. Clea, IDP disse...

Amei o texto de Tiago de França. Acompanhei com dor a doença e falecimento de Dom Henrique, que não conheci, mas amo a Igreja e sofri com a diocese de Palmares. Mas fico feliz pela posição clara e firme de outro irmão cristão que pude conhecer nessa reflexão.

Adriano Couto disse...

Tem alguns anos que sigo teu blog e leio todos os textos e te digo que é um texto melhor que outro. Parabéns!

Tiago de França disse...

Obrigado, irmã! Grande abraço!

Tiago de França disse...

Que bom! Obrigado! Grande abraço!

Aminadab disse...

Tens muito a colaborar com a Igreja. Excelente

Tiago de França disse...

Obrigado! Abraço, meu caro!