“Eis minha mãe e meus irmãos. Pois
todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha
irmã e minha mãe” (Mt 12,49-50).
Na vida da Igreja católica, Maria
ocupa lugar especial. Toda reflexão sobre o seu testemunho está ligada ao
testemunho de Cristo, único mediador entre Deus e os homens (cf. 1Tm 2,5-6). A função
maternal de Maria não ofusca a mediação de Cristo; pelo contrário, manifesta a
sua eficácia (cf. Lumen Gentium –
constituição dogmática sobre a Igreja, n. 60). Interessante que este importante
documento conciliar dedicou um capítulo (VIII) à Maria, intitulado “A
Bem-aventurada Virgem Maria Mãe de Deus no mistério de Cristo e da Igreja”. Vale
a pena ler.
Por ocasião da festa solene de Nossa
Senhora do Carmo, neste dia 16 de julho, queremos meditar o texto evangélico
que a liturgia nos oferece (cf. Mt 12,46-50), que nos fala de Jesus falando às
multidões. O texto apresenta, claramente, dois grupos: as multidões, que
ficavam do lado de fora, e os discípulos, que estavam próximos a Jesus. Alguém
da multidão diz que a mãe e os irmãos de Jesus estavam do lado de fora,
procurando falar com ele. E a resposta de Jesus é surpreendente: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?”
É interessante prestar atenção a
essa pergunta-resposta de Jesus. Certamente, não temos aí um desprezo à sua mãe
nem a seus parentes. Jesus era judeu, e como tal, valorizava a família. Todo judeu
se sentia intimamente ligado à sua clã e tribo (constituição familiar da
época). No momento dessa procura por parte de seus parentes, incluindo a sua
mãe, ele estava exercendo a sua missão. Já não estava mais preso ao recinto
familiar. Após ter assumido publicamente a sua missão, a família de Jesus
passou a ser formada pelos seus seguidores.
O texto diz que, estendendo a mão
para os discípulos, ele diz: “Eis minha
mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos
céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Interessante que ao dizer
isso, ele não estende a mão para as multidões. Esse detalhe merece reflexão. O cristianismo
não é a religião das multidões, mas movimento permanente de discípulos
missionários de Cristo Jesus. Multidões são massa de gente, que pode ser
sinônimo de desorientação e dispersão. Nas multidões as pessoas não se
conhecem, nem estabelecem laços de fraternidade. Na vida eclesial, onde há
multidão, dificilmente há evangelização.
No discipulado é diferente, pois
esses laços são exigidos e vividos. No caminho de Jesus existe uma íntima
relação entre os discípulos, que se reconhecem e se comportam como família
peregrina, que tem a Deus como Pai, Jesus como Irmão e Salvador, e o Espírito
como Consolador e Guia. Portanto, a Igreja é o Povo de Deus, uma grandiosa
comunidade de mulheres e homens, que são chamados a fazer a vontade do Pai,
exigência fundamental para a pertença à família de Jesus.
Maria, primeira discípula fiel do Senhor, graças a Jesus e
nunca desvinculada dele, foi elevada à dignidade de Mãe da Igreja, porque “remida
de um modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho, e unida a Ele por
um vínculo estreito e indissolúvel, foi enriquecida com a excelsa missão e
dignidade de Mãe de Deus Filho; é, por isso, filha predileta do Pai e templo do
Espírito Santo, e, por este insigne dom da graça, leva vantagem a todas as demais
criaturas do céu e da terra” (Lumen Gentium, n. 53).
Obedecer
à vontade do Pai é caminho de santidade e paz. Não é possível, sem o impulso da
graça divina, construir “aquela figura de
santidade que Deus quis para nós: não como seres autossuficientes, mas ‘como
bons administradores da multiforme graça de Deus’ (1 Pd 4,10)” (Gaudete et
Exsultate – exortação apostólica do Papa Francisco sobre o chamado à
santidade no mundo atual, n. 18). É a obediência à vontade do Pai que santifica
os discípulos missionários de Jesus.
Mas para quê fazer a vontade
de Deus? Seria, por acaso, para vivermos num monte, isolados dos outros,
olhando somente para os céus? Seria para nos sentirmos melhores do que os
outros? Seria para nos comportarmos como fariseus, que separados dos outros,
apresentarmo-nos como seres angelicais? De modo algum. A obediência à vontade
de Deus tem como finalidade abraçar o caminho da missão, ser missão neste mundo.
Na mesma exortação apostólica,
ensina-nos o Papa Francisco: “Também tu
precisas de conceber a totalidade da tua vida como uma missão. Tenta fazê-lo,
escutando a Deus na oração e identificando os sinais que Ele te dá. Pede
sempre, ao Espírito Santo, o que espera Jesus de ti em cada momento da tua vida
e em cada opção que tenhas de tomar, para discernir o lugar que isso ocupa na
tua missão. E permite-Lhe plasmar em ti aquele mistério pessoal que possa
refletir Jesus Cristo no mundo de hoje” (Gaudete et Exsultate, n. 23). É para ser missionário de Jesus que o
cristão procura fazer a vontade do Pai. Essa vontade divina não aponta para
outro caminho senão este: O caminho de Jesus no mundo.
Maria, mãe de Jesus e da Igreja, é aquela que contemplava
Jesus, guardando todas as coisas em seu coração (cf. Lc 2,51). Ela conhecia o
significado da missão do Filho de Deus. Por isso, nas bodas da Caná, diante da
falta de vinho para a festa, ensinou aos discípulos de Jesus o que todo cristão
precisa fazer: “Fazei tudo o que ele vos
disser” (Jo 2,5). É a expressão de quem conhece o próprio filho e sabe do
que ele é capaz, da sua missão neste mundo. Maria aponta para Jesus e ensina a
fazer a vontade do Pai, pois a vontade de Jesus é a mesma vontade de seu Pai
(cf. Jo 6,38).
Em todo tempo e lugar, os discípulos missionários de Jesus,
iluminados pelo mesmo Espírito que fecundou o ventre virginal de Maria, são
chamados a conhecer e praticar a vontade de Pai. Hoje, em tempos de pandemia do
novo coronavírus, a partir de onde estamos e daquilo que fazemos, o Espírito do
Senhor nos revela a sua vontade. Cada cristão precisa se perguntar o que Deus
está querendo, deixando-se plasmar pelo mistério de Cristo, refletindo-o no
mundo de hoje, conforme nos ensina o Papa Francisco na passagem da exortação
supracitada. Quem faz a vontade de Deus, manifesta este mesmo Deus ao mundo.
Numa sociedade marcada pelo obscurantismo, pelas diversas
formas de violência e corrupção, pelo relativismo e indiferença, fazer a
vontade do Pai significa caminhar com Jesus na contramão. Em outras palavras,
tornando-se íntimo de Jesus, participando da sua vida, o cristão busca, apesar
de tudo, manifestar o amor de Deus, que a todos quer salvar.
Cada palavra e cada gesto concreto, por mais simples que
sejam, realizados com amor e humildade, manifestam o amor e, consequentemente,
a presença de Deus. O momento atual carece de pessoas amorosas e esperançosas,
que despertem o que há de bom em cada pessoa e, assim, o Reino de Deus vai
acontecendo no mundo. Maria, a Senhora do Carmelo, ensina-nos o caminho que
conduz à libertação deste momento de trevas que assola a humanidade: Fazer o
que Jesus diz, ou seja, cumprir a vontade do Pai, vontade que se manifesta no amor aos irmãos e irmãs, especialmente os
que sofrem. Que a graça divina e a intercessão de Nossa Senhora do Carmo
jamais nos faltem, hoje e sempre.
Tiago de França
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