“A paz esteja convosco. Como o
Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21).
Após a ressurreição de Jesus, os
discípulos estavam com medo dos judeus. Certamente, a terrível morte de Jesus
na cruz criou neles uma sensação de frustração e derrota. Matar alguém na cruz
tinha como objetivo causar medo nas pessoas. Entre outros meios, era assim que
o império romano demonstrava a sua força. Morrer na cruz era sinônimo de
maldição. O Cristo ressuscitado aparece aos seus, e estes estão ainda
apavorados, dominados pelo medo.
Quem está com medo não tem paz. Há um
desassossego, um estado de perturbação. Por isso, colocando-se no meio deles,
Jesus lhes concede o que estão precisando com a máxima urgência: “A paz esteja convosco”. A paz de Jesus
é a paz que somente ele concede. É a paz do Ressuscitado, que tranquiliza o
coração, acalma o espírito, reanima o abatido, desperta a esperança, liberta do
medo e coloca de pé o caído.
No mesmo texto (cf. Jo 20,19-31),
pela segunda vez, Jesus deseja a paz e fala do envio: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”.
Jesus não concede a paz para que seus discípulos permaneçam em segurança e
tranquilos, fechados no mesmo lugar. A paz de Jesus é incompatível com
fechamento. Durante alguns anos, ele os preparou para a missão. Até o momento
da sua morte na cruz, puderam aprender com suas palavras e gestos. Após a
ressurreição se inicia o tempo da missão.
Jesus envia os seus discípulos assim
como o Pai o enviou. Portanto, os discípulos são chamados a participar da sua
missão. Livres do medo, Jesus os transforma em missionários, enviando-os. Mais adiante,
voltando para o seio do Pai, ele enviará o Paráclito, o Espírito Santo. Por ocasião
da vinda deste Espírito, os discípulos nunca mais conhecerão o medo e o
consequente isolamento. O Espírito vai guia-los na missão confiada por Jesus. Este
já sopra sobre eles o Espírito, mas é a partir de Pentecostes que a missão
começa com toda força.
Tomé aparece no texto representando
todos aqueles que somente acreditam se ver e tocar. Jesus reprova esse tipo de
atitude: “Acreditaste, porque me viste?
Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” Hoje já não podemos tocar
na pessoa de Jesus, ressuscitado em seu corpo glorioso. Mas podemos tocá-lo de
outras maneiras. Não temos motivos para não acreditar em Jesus. É verdade que
não somos obrigados, pois crer em Jesus é um dom concedido por Deus. Não é mera
atividade intelectual, mas dom divino que transforma a vida e a salva.
A Tomé, Jesus também diz: “Não sejas incrédulo, mas fiel”. Para Jesus,
crer é sinônimo de fidelidade. Para permanecer fiel, é necessário crer. O próprio
Jesus concede a graça da fidelidade na fé. Ter uma fé fiel é uma virtude, a
virtude dos santos. Trata-se de um chamado manifestado a todos. Não é
privilégio de alguns. Apesar da sua descrença, Tomé pronuncia uma bela
expressão de fé, após a advertência de Jesus: “Meu Senhor e meu Deus!”.
A fé faz a pessoa reconhecer o senhorio de Jesus. Ele é o
único Senhor. Somente a Ele se deve servir (e o servimos na pessoa dos irmãos).
Ele também é consubstancial ao Pai, ou seja, possui a mesma natureza de Deus. Em
outras palavras, sendo um com o Pai e o Espírito, Jesus é verdadeiramente Deus
e Senhor da história. Somente pela fé é possível afirmar esta verdade
salvífica.
O evangelista João conclui o trecho
da meditação de hoje dizendo que Jesus realizou outros sinais, que não se encontram
no texto do seu evangelho, e revela a finalidade destes sinais: Jesus os
realizou “para que acrediteis que Jesus é
o Cristo, o Filho de Deus, e, para que, crendo, tenhais a vida em seu nome”.
Jesus é o Ungido do Pai, o Messias; é o Filho de Deus. Todo aquele que nele crê
tem a vida em seu nome. É o mistério insondável do amor de Deus revelado em
Jesus.
O que ganhamos ao nos tornarmos
seguidores deste Messias? A vida em seu nome. E o que de mais belo e necessário
precisamos senão a vida plena em nome de Jesus? De fato, padecemos por causa
das ameaças à vida. A vida humana é frágil, limitada; incapaz de resistir a um
vírus, um ser invisível capaz de matar a vida do corpo. Jesus, o Filho de Deus,
quer oferecer uma vida nova e plena; vida que não mais experimenta a morte.
Certamente não é pecado questionar
as coisas para se obter uma fé apurada. Tomé não questionou por questionar, no
sentido de desqualificar o Ressuscitado; não foi covarde como Judas, o traidor.
Tomé estava com medo e tinha dúvidas. Pode ter visto Jesus morto na cruz. Estava
frustrado. Tomé representa todos aqueles que, de certa forma, já não esperam
mais nada. Há muitas pessoas tristes, desoladas, que estão fartas da maldade
que reina no mundo. A estas, Jesus pede fé e fidelidade. Ele está disposto a
permanecer com cada pessoa.
Em tempos de coronavírus, a fé no
Ressuscitado é um consolo que alimenta a esperança. A ressurreição de Jesus é
uma prova incontestável da ação amorosa de Deus neste mundo. Foi neste mundo e
para a vida do mundo que Jesus ressuscitou. Deus conhece a aflição da
humanidade, sabe que esta passa por momentos perturbadores. Este mesmo Deus
ressuscitou Jesus, derrotando o poder das trevas.
Com sua morte, Jesus destruiu o poder das trevas. Por isso,
o cristão não pode cair no pessimismo, na descrença e na revolta. Deus está
agindo. Há sinais de ressurreição no mundo. O Ressuscitado permanece no mundo,
cuidando da criação de Deus. Deus tem trabalhado, e os sinais do seu poder estão
se manifestando. Somente é possível enxergá-los com os olhos da fé.
Quem não tem, que peça o dom da fé. Quem a tem, peça que
Deus a aumente, pois sem esta fé no Ressuscitado, a esperança não é possível, e
a vida se torna um peso insuportável. É a fé que faz a pessoa sair do reino das
trevas. Este reino conhecerá seu fim, quando Deus tornar pleno o seu Reino. Até
lá, é preciso caminhar com Jesus, na sua presença, contando com o seu amor
misericordioso e o dom da sua paz, vivendo em comunhão com os irmãos. Assim, a ressurreição vai se
tornando realidade e a vida vai se eternizando. Vivemos tempos pascais.
Tiago de França
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